sexta-feira, 9 de novembro de 2018

EUA: Consulta popular na Flórida aprova Emenda que restaura direito de voto de condenados que já cumpriram a pena


Na eleição da última terça-feira, os eleitores da Flórida aprovaram a Emenda 4 à Constituição estadual, permitindo que condenados por crimes graves que já cumpriram a totalidade da pena tenham restaurados seus direitos ao alistamento eleitoral e ao voto.
A questão é uma das mais polêmicas em matéria de direito de voto nos EUA. As disposições legais que impedem os condenados por crimes graves de se alistar como eleitores e de votar ou que dificultam o exercício desses direitos são conhecidas como felon disfranchisement (ou disenfranchisement) laws.
 Importantes ONGs de defesa dos direitos humanos têm combatido tais políticas, que terminam por privar do direito de voto majoritariamente afrodescendentes e hispânicos.
Segundo a ONG The Sentencing Project, em 2016, no país todo 6,1 milhões de pessoas estavam privadas do direito de votar em razão de uma condenação criminal. Esse número equivale a aproximadamente 2,5% da população em idade de votar – 1 em 40 adultos privados do direito de votar em razão de uma condenação criminal. Os 12 Estados que privam do direito de voto mesmo depois de cumprida a pena concentram 50% das pessoas privadas do direito de voto, isto é, quase 3,1 milhões de pessoas. O estudo revela ainda que os números variam enormemente de um Estado para outro, devido a diferenças na legislação ; em seis Estados – Alabama, Flórida (antes da mudança), Kentucky, Mississippi, Tennessee e Virgínia – mais de 7% da população adulta estavam excluídos do direito de voto.
Na Flórida a questão era especialmente grave, porque somente nesse Estado estavam concentrados mais de um quarto (27%) do total da população excluída do direito de voto no país; seus 1,5 milhão de pessoas privadas do direito de voto por condenação já integralmente cumprida equivaliam a quase metade (48%) do total nacional.
O estudo apurou que um em cada 13 afro-descendentes em idade de votar estavam excluídos desse direito, uma porcentagem mais de quatro vezes maior do que a de não afro-descendentes: 7,4% dos afro-descendentes adultos, em comparação com 1,8 dos não afro-descendentes. A exclusão dos afro-descendentes do direito de voto também varia enormemente de um Estado para outro. Em quatro Estados – Flórida (antes da mudança) (21%), Kentucky (26%), Tennessee (21%) e Virgínia, mais de um em 5 afro-descendentes estava privado do direito de voto (22%).
Matéria publicada em 2016 no jornal The New York Times sobre esse estudo enfatizou as diferenças existentes na legislação de um Estado para outro. O jornal apontou que as leis mais duras eram as da Flórida antes da mudança, de Iowa e da Virgínia, Estados onde a restrição ao direito de voto em razão de condenação penal se estendia pelo resto da vida, só podendo ser restaurado esse direito caso a caso por ato do governador ou decisão de um tribunal. O jornal assinalou que essas restrições têm uma longa história e baseiam-se na ideia de que aqueles que violaram as regras da sociedade não deveriam ter permissão para participar da elaboração delas. Quanto às disparidades raciais, cita a injustiça do sistema penal norte-americano, que faz com que os negros sejam condenados com mais frequência do que os brancos que cometeram o mesmo crime; a população encarcerada tende desse modo a incluir um número desproporcionalmente elevado de pessoas de baixa renda e minorias. O jornal sublinhou ainda outro dado do estudo: a maior parte dos condenados que não podem votar está fora da prisão. Por fim, a matéria evoca a eleição presidencial do ano 2000, que foi decidida por uma apertada margem de 537 votos na Flórida, quando estimadas 600.000 pessoas no Estado estavam privadas do direito de voto em razão de condenação a uma pena já cumprida.
Na opinião da ACLU (American Civil Liberties Union), importante ONG fundada em 1920, as normas que restringem o direito de voto em razão de condenação criminal não prejudicam apenas os que cumpriram penas e estão ávidos para contribuir para a sociedade – elas prejudicam a saúde da democracia, que precisa de mais participação e menos morte civil, razão pela qual essas pessoas deveriam ter seus direitos restaurados imediata e automaticamente.
É de notar que a Emenda 4, aprovada agora em consulta popular na Flórida, não restaura os direitos dos condenados por homicídio e crimes sexuais graves.
Apesar disso, matéria de ontem da revista Time informa que mais de um milhão de pessoas terão seus direitos ao alistamento e ao voto restaurados, número suficiente para decidir a eleição presidencial de 2020.


Referências:

EBENSTEIN, Julie. Time Served for a Non-Violent Drug Offense? Sorry, You Still Can’t Vote if You Live in Iowa. Disponível em: <https://www.aclu.org/blog/voting-rights/criminal-re-enfranchisement/time-served-non-violent-drug-offense-sorry-you-still>. Acesso em: 23 ago. 2017.

LAI, K. K. Rebeca; LEE, Jasmine C. Why 10% of Florida Adults Can’t Vote: How Felony Convictions Affect Access to the Ballot. The New York Times, 6 out. 2016. Disponível em: <https://www.nytimes.com/interactive/2016/10/06/us/unequal-effect-of-laws-that-block-felons-from-voting.html?mcubz=3>. Acesso em: 23 ago. 2017.

The Sentencing Project. Felony Disenfranchisement. Disponível em:  <http://www.sentencingproject.org/issues/felony-disenfranchisement/>. Acesso em: 22 ago. 2017.

WAXMAN, Olivia B. As Florida Restores Ex-Felons Right to Vote, Here’s the Dark History Behind Tehir Disenfranchisement. Time, 8 nov. 2018. Disponível em: <http://time.com/5448284/ex-felon-voting-rights-amendment-4-history-disenfranchisement/>. Acesso em: 9 nov. 2018.