terça-feira, 24 de abril de 2018

Brasil: Imprimir voto na urna eletrônica pode provocar risco à confiabilidade do sistema eleitoral?


Leia artigos publicados no Jornal do Advogado, ano XLIII, nº 436, março de 2018:

SIM, por Maria Paula Dallari Bucci*

Quem estuda a história da República Velha no Brasil se depara com a maior vergonha nacional, que foram as “eleições a bico de pena”. A fraude eleitoral era pública e notória, mas conservava a legalidade formal, uma vez que tudo era lavrado em papel.
Esse é um traço da nossa cultura jurídica que há algumas décadas vem sendo desfeito, com a adoção do voto eletrônico, em 1996. Como festejam importantes cientistas políticos, “as fraudes eleitorais foram praticamente eliminadas”. Com o quarto maior eleitorado do planeta, atrás apenas da Índia, Estados Unidos e Indonésia, apesar do tamanho do território, as eleições são competitivas e os resultados proclamados poucas horas depois do término da votação (Jairo Nicolau, Eleições no Brasil, Zahar, 2012, p. 7). Fernando Limongi, José Antonio Cheibub e Argelina Figueiredo têm a mesma opinião, observando que mesmo em eleições “altamente polarizadas, a disputa eleitoral não levou à contestação consequente da legalidade do processo eleitoral” (Participação política no Brasil, in Trajetórias das Desigualdades, Marta Arretche, org., Ed. Unesp, 2015, p. 23).
Portanto, não é necessário nem prudente alterar o regramento eleitoral que determinou a adoção das urnas eletrônicas. Mas não é o que pensa o Congresso Nacional, ao reintroduzir a impressão do voto, na Lei nº 13.165 (“minirreforma eleitoral” de 2015), no artigo 59-A: “No processo de votação eletrônica, a urna imprimirá o registro de cada voto, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado. Parágrafo único. O processo de votação não será concluído até que o eleitor confirme a correspondência entre o teor de seu voto e o registro impresso e exibido pela urna eletrônica”.
Há uma queda de braço em torno desses dispositivos, vetados pela então presidente Dilma Rousseff, e posteriormente restabelecidos com a derrubada de veto. A Procuradoria-Geral da República argui a sua inconstitucionalidade (ADI 5889), com base em precedente do Supremo Tribunal Federal (ADI 4543, julgada em 2014). Os maiores riscos, comprovados nas experiências piloto realizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dizem respeito ao anonimato e ao sigilo do voto. A facilidade, por exemplo, de o eleitor fotografar a cédula com o celular para comprovar o voto em alguém seria a materialização do “voto de cabresto digital”, a trazer de volta as piores práticas do Brasil do século passado.
Além disso, há os custos da impressão – nada desprezíveis –, que o TSE calcula em cerca de 1,8 bilhão. Para se ter uma ideia da grandeza desse valor, ele ultrapassa o montante do fundo eleitoral criado com a proibição do financiamento empresarial de campanha, de R$ 1,7 bilhão.
Isso não significa que não se possa aprimorar a segurança do voto eletrônico. Há sistemas mais modernos criados para isso como o Helios Voting, desenvolvido no Instituto de Tecnologia de Massachusets, dos EUA; pelo Grupo de Criptografia e Segurança da Informação (https://heliosvoting.org). Esse sistema, de código aberto, vem sendo adotado pela Universidade de São Paulo nas eleições de seus dirigentes e foi definitivamente testado na escolha da lista tríplice de reitor, em novembro de 2017, quando a coleta do voto de milhares de eleitores foi feita integralmente on-line. Cada voto foi criptografado, como ocorre com uma transação bancária, e a totalização foi feita automaticamente pelo sistema (https://votacao.usp.br.info).
A adoção das urnas eletrônicas pelo Brasil foi um gesto de ousadia que se revelou um grande acerto para o desenvolvimento da nossa democracia. Esse passo deve nos orgulhar e servir de inspiração para outras melhorias modernizadoras, não para retrocessos. Melhor concentrar as energias nos avanços necessários na propaganda política e no barateamento das campanhas, para impedir que se perpetue a maior fonte da corrupção no país, que não está no voto eletrônico, mas nos problemas de financiamento das eleições.
* Maria Paula Dallari Bucci é Professora da Faculdade de Direito da USP

NÃO, por Augusto Tavares Rosa Marcacini *

Em 2013, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a impressão do voto, do modo previsto na Lei nº 12.034/09, violava o sigilo da votação. Foi um julgamento equivocado, como já escrevi anteriormente. Pela terceira vez, uma lei determinou a impressão do voto no país e voltam-se, contra ela, as mesmas críticas que ignoram a vasta literatura técnica já produzida mundo afora sobre segurança do voto digital.
A alegação de violação ao sigilo do voto parte de premissas errôneas sobre os fatos. Não se trata de dar um recibo para o leitor levar consigo, mas, sim, produzir um meio de recontagem que independa do sistema eletrônico. O print, que não identifica o eleitor, há de ficar retido em algum compartimento lacrado, para posterior contagem.
A razão para imprimir o voto é dar transparência à eleição. O que está impresso, o eleitor viu. O que um software registrou internamente, em meio digital, ninguém viu, e não é necessariamente o mesmo que foi exibido na tela.
As eleições brasileiras usam uma tecnologia vintenária, ultrapassada, banida em outros países. Ao contrário dos boatos, não é admirada no resto do mundo. É conhecida como Direct Recording Electronic Voting Machine (DRE) e registra o voto apenas em meios eletrônicos. Os riscos desse modelo são imensos, todos bem descritos por especialistas. O maior deles é o de fraude interna, que, desde o início dessa aventura nacional, encontra-se absolutamente imune a qualquer detecção externa. Se agentes internos se corromperem e alterarem o software da urna, é possível fraudar a eleição do Oiapoque ao Chuí, de vereador a presidente da República, e não há qualquer meio de recontagem que permita recuperar a real vontade do eleitor ou fazer uma auditoria independente. Tudo o que existe para examinar é o registro digital no interior das máquinas, registro esse que, se o software foi fraudado, é ele próprio o resultado da fraude.
Quanto a ataques externos, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sempre negou veementemente essa possibilidade. A Corte não permite, porém, testes de segurança totalmente independentes para comprová-lo. E não se conhece sistema digital imune a falhas.
Essa versão oficial caiu por terra definitivamente após o último teste de segurança que o TSE promoveu, convidando especialistas para tentar, embora sob muitas restrições, atacar a urna. A equipe do professor Diego Aranha demonstrou que é possível a execução de código arbitrário nas máquinas, atacando o flash card que nelas instala o software. Explicando: execução de código arbitrário é o estágio máximo e final de um ataque informático, ponto a partir do qual o invasor pode instalar qualquer coisa que quiser no sistema invadido, seja um desviador de votos, ou o jogo Pac-man. É um escândalo que parece ter sido ofuscado pelos demais escândalos que tomam conta do país ! Somente isso pode explicar o fato de não estar sob os holofotes da imprensa. Na Holanda, em 2007, quando violação semelhante foi provada, voltou-se a usar cédulas de papel. Na Índia, em 2013, evidência assim levou a suprema corte a determinar o uso de trilhas físicas.
Mesmo sem constatar falhas, a Suprema Corte alemã proibiu, em 2009, sistemas informáticos opacos, como o nosso, que não permitem a cada eleitor conferir a lisura do resultado. Voltou-se ao papel. Renomados experts em segurança da informação, como Bruce Schneier ou Ronald Rivest (graças a este usamos assinaturas digitais nos processos eletrônicos) apontam o uso de trilhas físicas como o único meio efetivo e viável de auditar sistemas eletrônicos de votação.
Costuma-se opor que a impressão permitiria a volta do voto de carreirinha, ou outros ardis que campearam no Brasil rural de décadas passadas. Tal fraude, que não é um destino inevitável, precisa cooptar 200 pessoas para desviar 200 votos. Para comparar, um único flash card violado instalará software corrompido em cerca de 50 urnas. E uma fraude interna afetaria todo o país.
Usar trilhas físicas, como o voto impresso, é a melhor garantia disponível de uma eleição democrática: transparente, auditável e honesta.
* Augusto Tavares Rosa Marcacini é advogado, livre-docente pela Faculdade de Direito da USP

quarta-feira, 18 de abril de 2018

EUA e Brasil: Fake news e a crônica do caixa 2 anunciado, por Ricardo R. Campos*, Juliano Maranhão** e Fabrício Benevenuto***


Leia artigo publicado hoje no jornal Folha de S.Paulo:


Sem dever de transparência, fica difícil para a Justiça Eleitoral rastrear o dinheiro investido na publicidade microdirecionada na internet

A eleição de Donald Trump em 2016 colocou em questão a crença na internet como um ambiente que, pela própria arquitetura aberta, agiria necessariamente e sempre como veículo de inclusão, liberdade e democratização do mundo físico.

A Justiça americana, em fevereiro deste ano, indiciou sete russos e duas empresas russas por manipulação dos meios de comunicação, com campanhas que chegaram a atingir, direta e indiretamente, 
o assombroso número de 126 milhões de eleitores.

Diante de instituições desenhadas democraticamente, os mecanismos das redes permitiram que fraudadores, livres das amarras de proteção institucional, distorcessem o cenário político em curto intervalo de tempo.

O escândalo mobilizou discussão em diversos países democráticos sobre os impactos das notícias fraudulentas que circulam nas redes. Contudo, passou despercebido o principal instrumento de disseminação de fake news nas eleições americanas. Trata-se da publicidade direcionada ou microdirecionada, usada como meio oblíquo de financiamento de campanha.

Esse mecanismo, de simples manuseio, possibilita o direcionamento da comunicação para públicos específicos com completa privacidade e proteção dos dados. Por exemplo, um distribuidor de vinhos pode circunscrever suas ofertas para pessoas com hábitos e "curtidas" que as ligam ao perfil consumidor da bebida, em determinado raio e dentro de uma faixa etária específica.

Com essa nova tecnologia de marketing, alia-se redução de custos à ampliação do impacto de divulgação de conteúdo. Portanto, trata-se de serviço benéfico ao mercado, à comunicação e à sociedade.

Porém, a mesma eficácia vale para aqueles conteúdos mal-intencionados, que esbarram na necessária guarda do interesse público. No que tange às eleições, a ferramenta prenuncia o novo caixa dois.

A mídia tradicional tem custo significativo para cada conteúdo veiculado, além de canais centralizados, o que torna os investimentos em campanhas mais fáceis de identificar. Os conceitos desenvolvidos pela legislação e Justiça Eleitoral, como "doação de campanha" ou "propaganda eleitoral", são voltados para aquela mídia.

Muito do que circula nas redes não traz pedido explícito de votos e não seria, propriamente, "propaganda eleitoral", mas tem impacto muito maior, como mostrou a experiência nos EUA.

Já em relação ao conceito de "doação de campanha", a publicidade microdirecionada é pulverizada, com custos baixíssimos para cada postagem e possivelmente disfarçada pelo uso de "bots" e falsos perfis.

A identificação da organização por trás de uma campanha articulada é mais difícil, criando-se a possibilidade de outorga direta e investimento do eleitor na campanha de determinado candidato, sem qualquer intermediação oficial pelo partido, à margem da contabilização.

E, ao passo que a legislação eleitoral tem validade apenas no âmbito do território nacional, as redes estão sob "jurisdição" global.
Como não há dever de transparência sobre esses investimentos, o Estado —no caso, a Justiça Eleitoral— não sabe quem doou, de onde foi doado e quanto foi doado. Olhando para as eleições brasileiras, há uma brecha sem precedentes para corruptores da legislação eleitoral vigente, que precisa se adaptar a essa nova realidade.

Para as eleições de outubro, encontrar medidas que permitam a disputa igualitária, justa e democrática será o grande desafio. Acima de tudo, deve-se permitir que as redes concretizem seu elevado potencial democrático, impedindo, no entanto, que a desinformação e o financiamento indevido de campanhas desequilibrem as forças e desvirtuem o processo eleitoral.

* Ricardo R. Campos
É professor-assistente na Faculdade de Direito da Goethe Universität Frankfurt am Main (Alemanha)
**Juliano Maranhão
Professor da Faculdade de Direito da USP, é pesquisador da Fundação Alexander von Humboldt (Alemanha)
***Fabrício Benevenuto
Professor do Departamento de Ciência da Computação da UFMG, é pesquisador da Fundação Alexander von Humboldt

Brasil: Associações de fato não podem captar doação eleitoral por financiamento coletivo


Leia notícia publicada ontem no site Migalhas:
Pleno do TSE respondeu consulta sobre crowdfunding
 As associações de fato ou sociedades de fato não podem intermediar a captação de doação eleitoral na modalidade de financiamento coletivo, tendo em vista que não têm atos constitutivos revestidos das formalidades legais, não preenchendo os requisitos para cadastramento prévio na Justiça eleitoral.

Essa foi a resposta dada pelo Pleno do TSE em sessão administrativa desta terça-feira, 17, à consulta formulada.
Na consulta, foi questionado se é legítimo e legalmente possível que pessoas naturais se associem ou mantenham articulações de interesses comuns, como se constituição associação de fato, para arregimentar recursos financeiros como fundo destinado a selecionar cidadãos interessados a se candidatar a cargos eletivos?
O relator da consulta, ministro Admar Gonzaga, lembrou que no quadro normativo em vigor, as pessoas jurídicas de qualquer natureza não podem realizar doações para financiamentos de partidos.
Quanto às pessoas naturais, a modalidade de crowdfunding, as entidades arrecadadoras devem ser previamente cadastradas na Justiça eleitoral e atenderem à legislação para tanto.
As instituições que pretendam intermediar a arrecadação mediante técnica de serviços d financiamento coletivo devem ser formalmente constituídas, como pessoas jurídicas, o que não ocorre na situação hipotética da consulta.”

terça-feira, 17 de abril de 2018

Brasil : Breves comentários sobre novo conceito de propaganda eleitoral antecipada, por Anna Paula Oliveira Mendes*


Leia artigo publicado ontem na Revista Consultor Jurídico:

A questão da propaganda eleitoral antecipada sempre foi um ponto tormentoso no Direito Eleitoral brasileiro, por representar uma limitação à liberdade de expressão dos pretensos candidatos e, por via indireta, uma limitação ao direito à informação dos eleitores. Entretanto, justifica-se a existência de um marco temporal para a veiculação da propaganda eleitoral como uma forma de observar a igualdade de condições entre os postulantes aos cargos eletivos.
No caso brasileiro, a legislação nunca definiu o que seria uma “propaganda eleitoral”, mas tão somente fixou o termo a partir do qual sua veiculação seria permitida, de modo que a definição coube ao Tribunal Superior Eleitoral (PECCININ, 2013).
Assim, nos termos do Acórdão 15.372, de 15.04.1999, de relatoria do ministro Eduardo Alckmin, que é o paradigma do tema (ROLLO, 2004), adotou-se um conceito tripartite de propaganda eleitoral, que passou a ser entendida como “aquela que leva ao conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura, mesmo que apenas postulada, a ação política que se pretende desenvolver ou as razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais apto ao exercício da função pública”.
O relator pontuou ainda que, “sem tais características, poderá haver mera promoção pessoal, apta, em determinadas circunstâncias a configurar abuso de poder econômico, mas não propaganda eleitoral”.
Esse conceito tripartite, apesar de bastante abrangente, foi ainda mais dilatado pela jurisprudência do TSE, que evoluiu para entender que também seria possível uma propaganda eleitoral antecipada subliminar, de modo que, para que fosse configurada, não deveria ser observado tão somente o texto dessa propaganda, “mas também outras circunstâncias, tais como imagens, fotografias, meios, número e alcance de divulgação [...]”[1].
Assim, observou-se que um conceito demasiadamente abrangente de propaganda eleitoral antecipada, somado à possibilidade de configuração de propaganda implícita ou subliminar, praticamente engessou o rol de ações permitidas aos políticos fora do marco temporal fixado.
O professor Olivar Coneglian chegou a afirmar que o tema da propaganda eleitoral antecipada estaria “coberto pelo manto da insensatez”. Para ele “é certo que existe um tempo legal para se fazer propaganda, mas também é certo que o político precisa se expor, deve se mostrar aos eleitores para se fazer conhecido. Proibir isso é como proibir o político de existir” (CONEGLIAN, 2014).
Sendo assim, a consequência de tantas restrições ao tema da propaganda eleitoral antecipada foi reservar qualquer debate sobre a política e as eleições para o antigo período de apenas três meses antes do pleito. Não parece crível que o sujeito decida o futuro da sua nação, estado ou município em três meses. E tampouco seria crível que o fizesse em 45 dias, com a atual mudança legislativa (art. 36, Lei 9.504/97, com redação dada pela Lei 13.165/2015).
Diante deste cenário restritivo, o legislador começou a flexibilizar o tema da propaganda eleitoral extemporânea já com a Lei 12.034 de 2009, que incluiu o art. 36-A na Lei das Eleições, a fim de indicar condutas que, ainda que praticadas antes do termo legal, não caracterizariam propaganda eleitoral antecipada. Entretanto, as alterações introduzidas ainda foram insuficientes frente à necessidade de ampliação do debate político.
Dessa forma, a Lei 13.165 de 2015 veio lapidar o raciocínio inaugurado pela 12.034/2009, ampliando ainda mais as condutas específicas que não configuram propaganda extemporânea e aumentando o leque de possibilidades dos pré-candidatos, representando um verdadeiro rompimento com o conceito tripartite de propaganda trazido pela jurisprudência.
Conceito inaugurado pela Lei 13.165/2015

A Lei 13.165, promulgada pela então presidente Dilma Roussef em agosto de 2015, alterou diversos institutos do Direito Eleitoral e, especialmente, o art. 36-A da Lei 9.054/97, para afirmar categoricamente que a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais do pré-candidato não configuram propaganda antecipada, desde que não envolva pedido explícito de votos.
Ainda, o seu parágrafo 2º afirma ser permitido, nas ações das hipóteses dos incisos I a IV, “o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver”.
Há posicionamento doutrinário no sentido de que essa ampliação nas formas de expressão permitidas antes do marco legal se deve à redução do prazo da campanha em 40 dias[2], o que se mostra perfeitamente razoável dentro do ideário de que a propaganda eleitoral e a pluralidade de ideias no debate eleitoral são essenciais para o processo democrático.
Assim, uma redução tão considerável no tempo de campanha e, consequentemente, de propaganda, não poderia deixar de vir acompanhada de medidas que promovessem o debate e a ampla circulação de ideias.
De todo modo, com a nova redação do caput do art. 36-A e parágrafos, parece correto entender que toda a jurisprudência dos tribunais acerca do conceito de propaganda extemporânea está superada. A lei, ao afirmar que a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais não configuram propaganda antecipada, consequentemente entende que tais práticas caracterizam, portanto, atos de promoção pessoal.
A Lei 13.195/2015 propõe ampla flexibilidade da promoção pessoal na fase da pré-campanha, cuja única vedação passa a ser o pedido expresso de votos. Por sua vez, a figura do pedido implícito de votos deixa de ser observada para a caracterização de propaganda extemporânea, uma vez a legislação passa a permitir o pedido de apoio político e, como bem definiu Arthur Rollo (2016), “o pedido de apoio político acaba sendo um pedido implícito de voto”.
Esse, inclusive, foi o entendimento adotado pelo TSE recentemente, quando da análise da representação por propaganda eleitoral antecipada 11541 (julgada em 5 de dezembro de 2017). Segundo o acórdão, a temática da propaganda tida por implícita foi substancialmente mitigada, “ante a vedação apenas ao pedido explícito de votos e com permissão da menção à pré-candidatura, exposição de qualidades pessoais e até mesmo alusão a plataforma e projetos políticos (art. 36-A, I)”[3].Ultrapassada a caracterização de propaganda eleitoral antecipada, ainda devem ser respondidas outras questões fundamentais.

Os atos de promoção pessoal podem ter custos?

Como dito, a Lei 13.165/2015 aumentou consideravelmente o leque de ações que, realizadas no período pré-eleitoral, não caracterizam a prática de propaganda eleitoral extemporânea, mas sim atos de mera promoção pessoal. Diante de tamanha inovação, surge na academia o questionamento acerca dos custos que esses atos de promoção pessoal poderiam importar e se deles caberia algum controle por parte da Justiça Eleitoral, vez que, como não são atos de campanha, não estão sujeitos à prestação de contas eleitoral.
Notadamente, houve apenas uma hipótese em que o legislador da minirreforma de 2015 se referiu aos custos de atos do período pré-eleitoral (art. 36-A, VI), na qual prevê a possibilidade do pré-candidato participar “de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias”, e delimita que estas devem ser “a expensas de partido político” (grifo nosso).
Desse modo, em relação a este ponto, é certo que tais reuniões devem ingressar na prestação de contas do partido. Por um lado, a problemática desses gastos recebeu uma solução, mas, por outro, pode continuar a engessar a atividade do pré-candidato, principalmente daquele que disputa o pleito por meio do sistema proporcional, vez que a verba partidária raramente o contempla.
Teme-se que a ausência de previsão legal sobre o custeio dos atos em fase de pré-campanha faça com a jurisprudência caminhe no sentido de entender que só seriam permitidos os atos de promoção pessoal que não importem em custos, o que se mostraria bastante perigoso, pois é difícil enumerar uma atividade da vida moderna que não represente um custo.
A omissão legislativa não pode significar proibição, mas, ao contrário, é permissão, conforme se extrai do princípio da legalidade (art. 5º, II, CRFB).
Ora, se o legislador entende que os atos de promoção pessoal são legais, não são atos de propaganda extemporânea e não tem o condão de ferir a isonomia entre os postulantes a cargo público, estes não podem ser punidos e proibidos apenas por possuírem um custo.
O homem público pode escolher gastar os seus recursos como bem entender, desde que não sejam atividades ilícitas, inclusive com atos para promover e projetar a sua imagem. Entender de maneira diversa é esvaziar o conteúdo da norma e, mais uma vez, trazer para o âmbito da propaganda eleitoral um ativismo judicial infundado e que o legislador vem, sucessivamente, rechaçando.
Não se propõe aqui que os atos de promoção pessoal sejam alheios ao controle jurisdicional. Acredita-se, apenas, que os atos de promoção pessoal são livres, em todas as suas formas, desde que não contenham pedido explícito de voto.
Por outro lado, caso se constate que recursos financeiros foram gastos em abundância, de modo a verdadeiramente desequilibrar o pleito, caberá a intervenção da justiça eleitoral para coibir, aí sim, o abuso do poder econômico, devidamente apurado no bojo de uma ação de investigação judicial eleitoral (art. 22, LC 64/90).
O que não deve ser tolerado é que qualquer conduta do pré-candidato que implique um aporte financeiro seja proibida. Isso é o que o legislador não proibiu e, por óbvio, não caberá ao poder judiciário proibir.
As vedações à propaganda em geral são aplicáveis aos atos de promoção pessoal?
Outro ponto controvertido diz respeito à incidência na fase da pré-campanha das vedações impostas à propagada eleitoral em geral. Em suma, questiona-se a possibilidade de veiculação de promoção pessoal através dos meios e formas que são proibidos na época de campanha eleitoral.
Para ilustrar melhor essa problemática, tem-se o caso do Recurso Eleitoral 396[4], em que o Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco condenou uma pré-candidata à multa de R$ 5.000 por ter veiculado mensagem em outdoorno período pré-eleitoral. Neste caso, o outdoor exibia a imagem da pré-candidata e mensagem de felicitação, em razão de seu aniversário, assinada por amigos.
A corte regional eleitoral reconheceu tratar-se de ato de pré-campanha e, ainda assim, concluiu por aplicar multa prevista no art. 36,§ 3o, por entender que o ato foi praticado em meio proibido pela legislação eleitoral, qual seja, outdoor, conforme vedação do artigo 39,§ 8o, da lei 9.504/97.
A decisão fundamentou-se na ideia de que deveria existir uma interpretação sistêmica da lei, não se podendo admitir "atos de pré-campanha por meios de publicidade vedados pela legislação no período permitido da propaganda eleitoral", e acrescentou que "tais atos devem seguir as regras da propaganda, com a vedação adicional de pedido explícito de voto". Entretanto, esta não parece a melhor solução para a questão.
Inicialmente, sabe-se que artigo 39, § 8o, da Lei 9.504/1997, proíbe a propaganda eleitoral mediante outdoors. Sendo assim, atos de mera promoção pessoal, dentro das novas balizas do art. 36-A, não se sujeitam a esse modal, por não configurarem propaganda eleitoral nem mesmo na modalidade extemporânea.
Assim, conclui-se que apenas são vedados e passíveis de sanção os outdoorsque veiculem a propaganda eleitoral ainda que antecipada, excluindo, por óbvio, os de promoção pessoal, que não contenham pedido expresso de votos.
Em apertada síntese, a lei não tratou atos de promoção pessoal como se fossem atos de propaganda eleitoral e, por isso, não parece razoável imaginar que o legislador teria imposto as proibições de uma a outra. Ademais, é incabível admitir qualquer tipo de proibição implícita, o que violaria, novamente, o princípio da legalidade (art. 5º, II, CRFB).
Isso não se aplica apenas ao uso de outdoors, mas a todas as vedações que incidem sobre a propaganda eleitoral em geral. Entender de forma diversa do disciplinado pelo legislador seria fazer uso da analogia para punir e ir além da disposição legal, o que não merece ser tolerado. Sendo assim, a solução da questão das vedações à promoção pessoal precisa ser lida sob a ótica da legalidade da propaganda e da liberdade de propaganda e de informação.
O legislador entendeu que a flexibilização dos atos de promoção pessoal não fere a isonomia entre os postulantes a cargo público e fez uma escolha pela liberdade de expressão e manifestação, que deve, portanto, vir a ser respeitada no âmbito jurisprudencial.
Em razão de todo o exposto, conclui-se que a Lei 13.165/2015 propõe ampla flexibilidade dos atos de promoção pessoal na fase da pré-campanha, permitindo, inclusive, o pedido implícito de votos. Entretanto, apesar do avanço legislativo, ainda existem pontos controvertidos que precisam ser lidos à luz dos princípios constitucionais de liberdade e legalidade, sob pena do engessamento do debate político.
Trata-se de uma análise dos principais pontos do artigo “O Novo Conceito da Propaganda Eleitoral Antecipada: Uma leitura à luz dos princípios da Liberdade e da Legalidade”, anteriormente publicado na Revista Estudos Eleitorais, do TSE (v. 12, n. 3., Fls. 23 à 47).
Veja mais em:
 http://www.tse.jus.br/hotsites/catalogo-publicacoes/pdf/estudos_eleitorais/estudos_eleitorais_v12-n3.pdf

Referências

CONEGLIAN, Olivar. Propaganda Eleitoral: eleições 2014. 12ª Ed. Curitiba: Juruá, 2014.
PECCNIN, Luiz Eduardo. Princípio da liberdade da propaganda política, propaganda eleitoral antecipada e o artigo 36-A da Lei Eleitoral. Paraná Eleitoral, Paraná, v. 2, n. 3. 2013.
ROLLO, Alberto. Propaganda eleitoral: teoria e prática – 2 ª ed. rev. e atual – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
ROLLO, Arthur. Mudanças recentes na lei eleitoral geram inseguranças a operadores do Direito. Disponível em:<http://www.conjur.com.br/2015-out-31/mudancas-lei-eleitoral-gera-inseguranca-operadores-direito>. Acesso em: 14/6/2016.

[1] TSE. Ac 19.905, rel. min Fernando Neves. 25/2/2003.
[2] Veja: ROLLO, Arthur. Mudanças recentes na lei eleitoral geram inseguranças a operadores do Direito.Disponível em :<http://www.conjur.com.br/2015-out-31/mudancas-lei-eleitoral-gera-inseguranca-operadores-direito.>. Acesso em: 14/6/2016.
[3] Foram vencidos os ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux e Napoleão Nunes Maia Filho.
[4] TRE-PE. RE 3-96.2016.6.17.0135, Relator: des. Paulo Victor Vasconcellos de Almeida. Julg: 8/4/2016.

*Anna Paula Oliveira Mendes é advogada pública, membro da Escola Superior de Direito Eleitoral (ESDEL). Mestranda em Direito da Cidade pela Uerj e bacharel em Direito pela mesma universidade.

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Brasil: Plenário aprecia caso que pode fixar prazo de 120 dias para conhecimento de ações para afastar inelegibilidades


Leia matéria publicada em 12.04.2018 no site do TSE:

Julgamento ocorreu na última terça-feira (10)
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deu continuidade, na última terça-feira (10), à análise de um Recurso Especial Eleitoral (Respe nº 7481) que poderá fixar entendimento da Corte sobre o prazo de 120 dias para permitir que alterações de fatos ou de questões jurídicas ocorridas após a diplomação de candidatos, que afastem a inelegibilidade destes últimos, possam ser apreciadas pela Justiça Eleitoral. O julgamento foi suspenso depois de pedido de vista do ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto.
O novo entendimento foi proposto pelo ministro Luís Roberto Barroso durante o exame de recurso contra decisão do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE), que negou a cassação do diploma do vereador de Igarassu Luiz Cavalcanti dos Passos. A Corte Regional verificou que o Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE), que havia rejeitado as contas de 2010 de Luiz Cavalcanti na época em que ele presidiu a Câmara de Vereadores do município, reconsiderou seu entendimento, o que tornou o candidato apto para disputar eleições.
Em seu voto-vista, Barroso lembrou que a jurisprudência do TSE admite que alterações baseadas em fatos ou questões jurídicas ocorridas após o registro de candidatura, que afastem inelegibilidade, podem ser apreciadas pela Justiça Eleitoral somente até a data da diplomação. Essa jurisprudência é aplicável aos processos relativos às Ações de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRCs).
Na visão do ministro, essa jurisprudência não deve, no entanto, ser aplicada aos casos de Recurso Contra Expedição de Diploma (RCED), meio processual utilizado para contestar  inelegibilidades supervenientes à data de diplomação dos candidatos eleitos. Para Barroso, a utilização nas RCDEs da limitação temporal prevista na análise das AIRCs (até a diplomação) conflita com o princípio democrático.
O autor do voto-vista propôs uma solução inspirada na alínea “j” do inciso 1 do artigo 22 do Lei n° 4.737/1965 (Código Eleitoral), que trata do prazo de 120 dias para ajuizamento de ações rescisórias nos casos de inelegibilidade. Barroso sugeriu a aplicação, por analogia, desse mesmo prazo para as hipóteses de RCEDs.
De acordo com o ministro, essa solução reduz a instabilidade decorrente de contestações à diplomação, além de ser a que melhor harmoniza princípios constitucionais, como a segurança jurídica, a ampla defesa e a soberania popular.
O relator do processo, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que na primeira sessão de julgamento havia votado no sentido de prover parcialmente o recurso, decidiu reformular seu entendimento e acolher a solução jurídica proposta pelo ministro Luiz Roberto Barroso. 
RC/EM/LR
Processo relacionado: Respe 7481