quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Brasil: Financiamento de campanhas e Caixa 2 nas eleições 2018, por Luciano Caparroz Pereira dos Santos*


Leia artigo publicado na Revista da CAASP, nº 33, ano 7, Fevereiro 2018 :

Caixa 2 ou recursos não contabilizados foram as expressões mais utilizadas pelos políticos em suas defesas às acusações da pratica ilegal do recebimento de propina, seja para as campanhas eleitorais ou para enriquecimento ilícito pessoal.
Na verdade, como menciona o delator e ex-presidente de uma das maiores empreiteiras, provavelmente não existe no Brasil candidato que não tenha utilizado Caixa 2. Como em toda disputa, o importante é vencer as eleições e para isso partidos e candidatos lançam mão da permissão de doações empresarias, o que levou o processo eleitoral a uma enorme barganha entre o poder econômico e os políticos. Algumas poucas empresas interessadas na relação com o poder público financiavam as eleições em troca das benesses do político gestor ou apadrinhado. Isto também gerou uma boa desculpa para o político mal intencionado que justificava os altos custos das eleições para exigir recursos para as “campanhas”, ainda que realmente não fosse utilizar estes recursos nas eleições e sim para uso pessoal, como está claramente demonstrado em processos conhecidos.
Todos estes fatores e o alto custo das eleições foram gerando um círculo vicioso no qual candidatos precisavam dos financiadores e empresas dependiam de contratos públicos para se manter. A cada eleição via-se uma elevação nos custos e nas disputas, chegando a patamares absurdos. Como dependíamos de alteração na legislação eleitoral para por um fim a este processo, não conseguíamos ter êxito porque os parlamentares tinham e tem interesse na existência de financiadores poderosos. Tudo isso levou o Conselho Federal da OAB, juntamente com organizações da sociedade civil, capitaneados pelo MCCE – Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, a ajuizarem uma ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade das doações de pessoas jurídicas no STF, que resultou na proibição de tal prática.
Obviamente que o simples fato de tornar a doação de empresas ilegal não poria fim à prática de Caixa 2 nas eleições, mas ao menos inibiria ou as tornaria mais visíveis. Em verdade, a inexistência das doações empresariais reduziu substancialmente os valores movimentados nas eleições, especialmente porque só restaram as doações de pessoas físicas e o fundo partidário nas eleições de 2016.
É preciso fazer uma menção a respeito da tipificação do uso de Caixa 2 nas eleições porque não existe criminalização direta a esta prática nem no Código Eleitoral e nem na Lei Eleitoral. Hoje o enquadramento se dá por falsidade ideológica, artigo 299 do Código Penal e artigo 350 do Código Eleitoral, o que vem gerando uma polêmica em torno da necessidade da criminalização específica em Lei do Caixa 2.
Diz o artigo 350 do Código Eleitoral: “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais”. A Lei Eleitoral 9.504/97 também estabelece as normas para as eleições; o parágrafo 3.º do artigo 22 do referido diploma legal é cristalino: “O uso de recursos financeiros para pagamentos de gastos eleitorais que não provenham da conta específica de que trata o caput deste artigo implicará a desaprovação da prestação de contas do partido ou candidato; comprovado abuso de poder econômico, será cancelado o registro da candidatura ou cassado o diploma, se já houver sido outorgado”. Pessoalmente entendo que se existir uma tipificação penal específica para o Caixa 2, seria mais fácil o combate e a punição aos infratores, evitando assim fragilidade no enquadramento.
Feitas estas considerações, passemos às eleições gerais de 2018 e como imaginamos o cenário em relação ao financiamento das campanhas.
Conforme legislação aprovada no Congresso no contexto da chamada reforma política, teremos nas próximas eleições um acréscimo de recursos vindos do Fundo Eleitoral, ou seja,haverá financiamento com doações de pessoas físicas limitadas a 10% dos rendimentos brutos do ano anterior (2017), utilização do Fundo Partidário recebido pelos partidos, e agora um novo fundo chamado de Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC),  oriundo de 30% das emendas de bancadas de deputados e senadores no ano eleitoral, e aprovado para cobrir em parte o valor que era doado pelas empresas e que foi proibido.
Infelizmente, a aprovação deste fundo não veio com as contrapartidas necessárias ao uso de recursos públicos. Ainda é muito incipiente a transparência do uso de recursos públicos pelos partidos e candidatos, bem como as penalidades para os desvios e o mau uso destes recursos, o que torna este novo fundo uma fonte muito apreciada a quem se acostumou às praticas já mencionadas.
Logicamente não se pode generalizar, destacando que existem os bons e maus políticos, mas como já mencionado anteriormente a necessidade de se vencer eleições leva sempre a algumas opções, ou não se disputa eleição por conta da necessidade de se promiscuir ou se joga o jogo, ou se faz uma campanha espartana e sem grandes expectativas e é isto que se busca mudar com a proibição das doações empresarias e o combate ao Caixa 2.
Neste cenário imaginar que não vai existir Caixa 2 seria ingenuidade, mas hoje temos um olhar mais atento para este problema que gerou tantos males para o país e para a política como um todo. A OAB nas eleições de 2016 fez uma campanha contra o Caixa 2, criou um aplicativo para receber denúncias, estruturou comissões de combate ao Caixa 2 e outras organizações em conjunto com a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral buscaram coibir esta prática. Tal esforço certamente se repetirá no próximo pleito.
Hoje os candidatos têm limite de gastos, bem como precisam lançar todos os recebimentos e gastos praticamente online, o que permite ao cidadão comum verificar pela internet esta movimentação e avaliar se o montante recebido com os gastos estão compatíveis. Também é possível verificar a origem das doações, o que é fundamental para se analisar se estão de acordo com um representante político.
Ainda não é o ideal em termos de transparência e de dados fornecidos, mas já avançamos bastante e ainda temos muito a avançar. Tenhamos em mente que a política é um processo de debates e escolhas; que nós eleitores possamos fazer as melhores escolhas.
* Luciano Caparroz Pereira dos Santos é advogado, presidente da Comissão contra Caixa 2 nas Campanhas Eleitorais da OAB-SP.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Brasil: Alvo de ataques, Lei da Ficha Limpa faz reverência à Constituição Federal, por Pedro Barbosa Pereira Neto*

Leia artigo publicado ontem no Conjur :

As eleições de 2018 trarão inúmeras novidades para o Direito Eleitoral nacional. Tem-se falado na inauguração de uma espécie de era do Direito Eleitoral Digital diante de, pelo menos, duas novidades importantes: a previsão do financiamento coletivo das campanhas eleitorais (art. 23, § 4º, IV, da Lei 9.504/97) e do impulsionamento de conteúdo pago através da internet (art. 57-B da Lei 9.504/97)[1].
O financiamento coletivo pode abrir espaço para uma cultura de financiamento cidadão do processo eleitoral, reduzindo o “caixa dois” eleitoral e estabelecendo um vínculo mais forte entre o eleitor e o candidato. É, portanto, esperançoso. Já a utilização amplificada da internet e de aplicativos digitais trazem o assombro das chamadas notícias falsas (fake news), que impõem enormes desafios para a esfera do debate público e do regime democrático.
Não têm sido poucas as eleições mundo afora que têm experimentado o gosto amargo do mundo digital, primeiramente visto como libertador e, agora, como ameaçador. Esses são temas que têm de ser enfrentados, mas, no Brasil de hoje, o tempo é de retrocesso.
Como o passo do caranguejo, em 2018, parece que andamos para trás. E com um misto de olhar casuísta e oportunista muitos têm mirado a Lei da Ficha Limpa. Relembremos: a Lei Complementar 135/2010, sancionada pelo então presidente Lula, resultou de um extraordinário movimento da sociedade civil brasileira[2] no sentido de fazer o Congresso Nacional conferir eficácia ao disposto art. 14, § 9º, da Constituição Federal[3], segundo o qual os impedimentos eleitorais deveriam levar em consideração também a vida pregressa dos candidatos, e que, não obstante, até 2010 quedava sem eficácia normativa entre nós.
Com apoio decisivo da bancada do Partido dos Trabalhadores e do campo da esquerda, e após a decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 29 e 30 e na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4578, em julgamentos históricos acompanhados por todo o país, a Lei da Ficha Limpa passou pelo teste da constitucionalidade e tem regido as eleições brasileiras desde 2012.
Com base nessa lei, a Justiça Eleitoral tem barrado inúmeros candidatos, com especial destaque àqueles que ostentam condenações por atos de improbidade administrativa e algumas espécies de crimes, reconhecidas por órgão judicial colegiado ou com trânsito em julgado. Em suma, impede a legislação que malfeitores assim declarados pela Justiça competente não possam, por um certo período, representar o povo.
Não parece má a regra, que, ademais, vem de cumprir a Constituição. Eloquente pela sua importância histórica, o impedimento reconhecido do então candidato e governador José Roberto Arruda no Distrito Federal, que, flagrado com dinheiro vivo de corrupção, estaria hoje no exercício do mandato político[4], não fosse a incidência da referida lei. Lamentavelmente, aliás, casos de políticos flagrados com malas de dinheiro têm crescido exponencialmente nos últimos tempos, o que vem apenas reforçar a missão da Lei da Ficha Limpa na democracia brasileira.
Surpreende assim o ataque revisionista que vem sofrendo essa legislação. Pretender configurar a opinião pública a partir da ideia de que as eleições teriam poderes absolutos é incorrer em discurso político perigoso. O voto popular pode muito, mas não pode tudo. A Constituição tem regras que devem ser observadas, inclusive pelo povo.
Os caminhos institucionais são longos e os atalhos, perigosos. Atalho institucional foi tomado no impeachment de 2016, e parece que o campo político prejudicado quer dar o troco. Mas isso leva a uma espécie de marcha da insensatez, cujo resultado nunca foi bom para a institucionalidade.
Quando olhamos para a Constituição e para as leis como meros empecilhos a serem removidos por uma razão política, o edifício institucional começa a ruir, e sua queda afetará a todos. Nesses momentos, é bom ficarmos atentos. Leio em Ferrajoli[5], o eminente professor florentino, que: “La democracia implica necesariamente el derecho. Bien puede haber, ciertamente, derecho sin democracia. Pero no puede haber democracia sin derecho”.
A Constituição brasileira de 1988 completará 30 anos de vigência em outubro deste ano, justamente com as eleições gerais de 2018, e é preciso garantir seu vigor para que episódios como o impeachment de 2016 restem isolados. Precisamos dela para superar a crise. Precisamos dela quando a polarização política tem produzido um discurso ideológico que afronta os valores constitucionais que ela abriga, e que, por serem fundadores do pacto democrático de 1988, estão acima das maiorias eventuais. Reverenciar a Constituição Federal e seus valores é um dever cidadão.
A Lei da Ficha Limpa, como qualquer legislação, talvez tenha excessos. Pode ser aperfeiçoada. Mas não é hora de mexer nela. Tem ela cumprido um papel fundamental numa sociedade que precisa melhorar sua representação política.
* Pedro Barbosa Pereira Neto é membro do MPF e associado ao MPD.

[1] Ambos com redação dada pela Lei 13.488/17.
[2] A Lei da Ficha Limpa tem matriz na democracia direta, já que derivou de iniciativa popular de lei (CF, art. 14, III).
[3] Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994.
[4] As pesquisas eleitorais à época, apontavam ampla vantagem de José Roberto Arruda.

[5] Luigi Ferrajoli, Principia iuris, Teoria del derecho y de la democracia, 2. Teoria de la democracia, Editorial Trotta: Madrid, 2011, p.17.