domingo, 31 de maio de 2015

Brasil : Os vícios da emenda aglutinativa do financiamento empresarial, por Cláudio Pereira de Souza Neto*

A Câmara dos Deputados aprovou “emenda aglutinativa” à PEC da Reforma Política que constitucionaliza o financiamento empresarial a partidos políticos. A dita “emenda aglutinativa” incorre em dupla inconstitucionalidade: formal e material.

Sob o ponto de vista formal, a inconstitucionalidade resulta do que estabelece o artigo 60, § 5º, da Constituição da República: “a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa”. A matéria havia sido objeto de deliberação no dia anterior – 3ª feira. Submetida ao Plenário da Câmara, não se formou maioria suficiente para se aprovar alteração no texto constitucional. A deliberação de ontem – 4ª feira – se deu a propósito de “emenda aglutinativa” apresentada às pressas, no próprio dia, pelo Deputado Russomano, dispondo igualmente sobre o financiamento empresarial.

O Presidente da Câmara, Deputado Eduardo Cunha, sustentou, para submeter a matéria a nova apreciação, que, no dia anterior – na 3ª feira, dia 26.05 –, o Plenário teria se manifestado exclusivamente sobre o financiamento de candidatos: estes não mais poderiam receber doações empresariais. Na votação de ontem – 4ª feira, dia 27.05 –, a Casa se manifestaria sobre o financiamento empresarial concedido através de partidos: recebidas as doações pelos partidos, eles poderiam financiar campanhas e candidaturas.

O argumento, com as devidas vênias, é totalmente improcedente, como fartamente ressaltado em sucessivas manifestações de parlamentares ocorridas durante a sessão. Na votação ocorrida na 3ª feira, dia 26.05, não se fez qualquer distinção entre doações feitas diretamente a candidatos e doações realizadas através de partidos. O financiamento empresarial foi rejeitado em suas diversas modalidades. Na reunião de líderes do dia 20.05.2015, chegou-se a um “acordo para a votação de temas” que previa, no tocante ao financiamento de campanhas, a deliberação sucessiva do Plenário sobre 3 alternativas, nos seguintes termos:

“(…)

2. Financiamento da Campanha:

2.1. Público

2.2. Privado – restrito a pessoa física

2.3. Privado – extensivo a pessoa jurídica”

Nenhuma das três alternativas obteve a maioria suficiente para se converter em emenda à Constituição. Nada obstante, no dia seguinte, o Presidente da Câmara surpreendeu a todos pautando a referida “emenda aglutinativa”, que permitia o financiamento empresarial por intermédio de doações para partidos. A matéria submetida à apreciação do Plenário foi a mesma: financiamento eleitoral por empresas. No sistema atual, esse financiamento pode ocorrer por meio de doações a partidos ou de doações diretas a candidatos. A emenda de Russomano procura artificialmente se apresentar como diferente: só permite que a doação seja feita por meio dos partidos, não diretamente a candidatos. Mas cuida, igualmente, do financiamento empresarial de eleições, o qual foi rejeitado no dia anterior.

A hipótese é de típica violação do “devido processo legislativo”. Matéria já apreciada foi novamente submetida ao Plenário na mesma sessão legislativa, em contradição com o que determina o artigo 60, § 5º, da Constituição Federal. A violação ao “devido processo legislativo” é uma das hipóteses em que o Supremo Tribunal Federal tem realizado controle preventivo de constitucionalidade. Deputados e senadores podem impetrar mandado de segurança requerendo a interrupção do processamento de Projeto de Lei ou de Proposta de Emenda à Constituição. Quando a norma procedimental violada encontra-se no regimento interno da casa legislativa, o STF tem deixado de intervir, entendendo que a sua interpretação é questão interna corporis ao Parlamento. Porém, quando a norma insere-se na própria Constituição Federal, o STF garante a sua proteção. O processamento da referida emenda aglutinativa pode, portanto, ser a qualquer momento interrompido por decisão do Supremo Tribunal Federal.

Além de formalmente inconstitucional, a PEC padece também de gravíssimas inconstitucionalidades materiais.

Na ADI n. 4650, a OAB impugnou o financiamento empresarial das campanhas eleitorais por entender que violava, dentre outras normas constitucionais, o princípio democrático e o princípio da igualdade. As duas normas são cláusulas pétreas, não podendo ser violadas tampouco por meio de emendas constitucionais. As referidas normas limitam o constituinte derivado no exercício de seu poder de emendar a Constituição. No Supremo Tribunal Federal, já se formou maioria de 6 ministros para declarar a inconstitucionalidade das normas legais que instituem o financiamento empresarial. Os mesmos parâmetros constitucionais – em especial, o princípio democrático e o direito à igualdade – devem ser aplicados pela Corte para declarar a inconstitucionalidade de eventual emenda.

No tocante ao aspecto material, também há a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal realizar controle preventivo de constitucionalidade. De acordo com o artigo 60, § 4º, da Constituição Federal não será “objeto de deliberação” a Proposta de Emenda (PEC) tendente a abolir cláusulas pétreas. O Supremo Tribunal Federal tem determinado a interrupção do processamento de PECs ao conceder a ordem em mandados de segurança impetrados por parlamentares com o objetivo garantir o direito de não participar de deliberações que impliquem violação de cláusulas pétreas. Às razões anteriormente mencionadas, de cunho formal, agregam-se estas outras, de cunho material, para reforçar a plausibilidade de provimento do Supremo Tribunal Federal que, de imediato, interrompa o processamento da PEC.

Os sucessivos escândalos de corrupção que envergonham o Brasil demonstram que o financiamento empresarial das campanhas eleitorais deve ser urgentemente interrompido. Para além da grave condenação moral que devemos dirigir aos políticos, gestores públicos e empresários envolvidos nesses casos, as causas sistêmicas da corrupção que assola o país devem ser igualmente perquiridas. E uma das causas principais da corrupção sistêmica é o financiamento empresarial das campanhas eleitorais. Empreiteiras não fazem doações, fazem investimentos, como tem demonstrado as investigações reunidas no que se convencionou    chamar de “operação lava-jato”.

Espera-se que o Senado Federal não cooneste a grave violação ao devido processo legislativo ocorrida na tarde de ontem. Mas se o processamento da PEC não for interrompido e ela vier a ser aprovada, certamente a cidadania novamente buscará amparo no Supremo Tribunal Federal. Não cabe ao Judiciário agir de modo ativista, substituindo as opções substantivas feitas pelo Legislador. Mas lhe cabe cuidar, com todo o rigor, para que sejam observadas as normas constitucionais que regulam a participação na vida democrática. Com isso, não estará usurpando atribuições das maiorias, mas permitindo que a vontade majoritária efetivamente prevaleça sobre as pretensões escusas das minorias que controlam as empresas doadoras.
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* Cláudio Pereira de Souza Neto é Secretário-Geral da OAB e Professor de Direito Constitucional da UFF e da UVA 

domingo, 24 de maio de 2015

Brasil: Ministério Público Eleitoral recorre ao STF contra arquivamento pelo TSE das prestações de contas de partidos políticos anteriores a 2009

Aqui no blog, em posts de 29 de setembro e de 16 de outubro de 2014, criticamos a decisão do TSE de autorizar o arquivamento dos processos de prestações de contas de partidos políticos apresentadas antes de 2009.
            Agora o UOL informa que, depois de ter recorrido ao próprio TSE contra o arquivamento por decisão monocrática de cada uma das prestações de contas, e de ter o TSE mantido a sua decisão, a Procuradoria-Geral Eleitoral recorre agora ao STF requerendo que a prescrição seja afastada e que as contas sejam julgadas.
Segundo o UOL, desde o final de abril a PGE tem levado as questões ao Supremo. Já chegaram ao Tribunal ao menos três pedidos para desarquivar prestações de contas –  do PV, do PRB e do extinto PFL, atual DEM.
O principal argumento invocado pela PGE contra a decisão do TSE que determinou o arquivamento das contas é que partidos políticos com prestações de contas anteriores a 2009 ficaram livres de arcar com multas e devolução de valores ao Fundo Partidário. O UOL informa que na época, o vice-procurador-geral Eleitoral, Eugênio Aragão, calculou em entrevista que as perdas com a decisão poderiam superar o montante de R$ 30 milhões, sem incluir a correção monetária.
Segundo o UOL, para o Ministério Público, o TSE retirou do ordenamento o "único instrumento hábil para se obter a recomposição do dano ao erário, pretensão sabidamente imprescritível"."A prestação de contas dos recursos arrecadados e gastos efetuados pelos partidos políticos é um dos pressupostos basilares da vida partidária, objetiva a fiscalização da origem e destinação dos recursos obtidos pelas agremiações e visa garantir que atuem de acordo com o interesse público e o pleno exercício da democracia. Portanto, qualquer iniciativa que impossibilite o exame da prestação de contas deve ser reputada inconstitucional", argumenta o vice-procurador-geral eleitoral ao STF segundo matéria do UOL.

A mesma matéria informa que o Ministério Público irá levar ao Supremo também o caso das contas do PT de 2008, beneficiadas pela decisão do TSE. Há 15 dias, a Corte Eleitoral rejeitou o último recurso do Ministério Público Eleitoral pedindo que o caso não fosse arquivado. Na prestação de contas do partido foram identificados problemas em pagamentos feitos ao publicitário Marcos Valério de Souza. A decisão do TSE liberou os petistas de arcarem com a devolução de cerca de R$ 3,3 milhões aos cofres públicos em razão de irregularidades nas prestações de contas de 2008. Além de PT, PV, PRB e DEM, foram beneficiados pela medida, segundo levantamento da procuradoria, PSDB, PTC, PPS, PSOL, PTB, PTN, PTdoB, PR, PRTB, PSL e PSDC.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Brasil : Pela plena aplicação da Lei da Ficha Limpa aos condenados por abuso de poder

         O MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral), rede de organizações da sociedade civil brasileira que liderou a gigantesca mobilização popular havida em favor da edição da Lei da Ficha Limpa, vem a público uma vez mais defender a aplicação plena, integral e efetiva dessa Lei de grande importância para a legitimidade do processo democrático em nosso País.
            Sempre afirmamos, e o Supremo Tribunal Federal admitiu essa tese desde os primeiros julgados a respeito em 1990, que as inelegibilidades não têm natureza jurídica de pena, mas de condição. Mesmo na hipótese dos condenados por abuso de poder, a sanção a que estão submetidos é a de cassação do diploma eventualmente obtido, sujeitando-se por força da lei, não da condenação, a inelegibilidade por certo tempo.
            Ao proferir a sentença, o juiz apenas declara o que ocorre por força de lei: a inelegibilidade daí decorrente. Por isso, ao sobrevir lei que modifique o período de inelegibilidade, esse novo lapso temporal passa a ser aplicado, já que está alterada a condição a ser observada no momento do registro da candidatura. 
            Se inelegibilidade decorrente da condenação  por um crime em âmbito colegiado pode ser ampliada por lei posterior, o mesmo ocorre com os condenados por abuso de poder nas eleições, não havendo razão para dar tratamento jurídico distinto a situações que, sob a égide da Lei de Inelegibilidades, possuem a mesma natureza. 
            O tema reveste-se da maior urgência e relevância, tendo em vista a existência de decisões proferidas recentemente no sentido de que os políticos que cumpriram o prazo anterior de inelegibilidade, de três anos, devem ter a elegibilidade restaurada antes mesmo do cumprimento do novo prazo, de oito anos.
            Nunca é demais lembrar que a questão foi tratada de modo aprofundado pelo próprio STF, quando decidiu, em 2012, pela constitucionalidade da Lei. De fato, no julgamento da ADI nº 4.578 e das ADCs nºs 29 e 30, o relator, Min. Luiz Fux, invocou a lição de J. J. Gomes Canotilho, que distingue a retroatividade autêntica, na qual a norma possui eficácia ex tunc, gerando efeitos sobre situações pretéritas, e a retroatividade inautêntica ou retrospectividade, na qual a norma atribui efeitos futuros a situações ou relações já existentes. Apenas a retroatividade autêntica seria vedada pela Constituição.
        Em decisões posteriores, o STF consolidou o entendimento de que o agravamento do regime jurídico eleitoral, com imposição do novo prazo de inelegibilidade a políticos que já haviam cumprido o prazo anterior, não constitui afronta ao princípio da irretroatividade das leis.
            Desse modo, afigura-se ilegítima a expectativa de candidatura do indivíduo enquadrado nas hipóteses legais de inelegibilidade. Isso porque não se pode invocar direito adquirido ao regime de inelegibilidades, nem autoridade da coisa julgada, eis que as condições de elegibilidade, assim como as causas de inelegibilidade, devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro de candidatura, momento esse posterior à entrada em vigor da Lei da Ficha Limpa.
            Além de ilegítima, referida expectativa afronta a exigência constitucional de moralidade para o exercício do mandato, considerando a existência de condenação proferida por órgão colegiado, motivada pela prática de condutas da maior reprovabilidade social.
            O que importa ressaltar, nesse passo, é que não há arbitrariedade nas causas nem no prazo de inelegibilidade previsto pela Lei das Inelegibilidades, com redação dada pela Lei da Ficha Limpa. No que se refere especificamente ao prazo, ao longo dos vinte primeiros anos de vigência da LC 64/90, a consciência jurídica nacional aos poucos foi se abrindo para a realidade de que o anterior prazo de inelegibilidade, de apenas três anos, era excessivamente curto e não atendia à exigência constitucional de proteção da moralidade para o exercício do mandato. 
      Sendo assim, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade estão plenamente atendidos pela Lei da Ficha Limpa. O sacrifício à liberdade individual de candidatar-se a cargo público eletivo não supera os benefícios socialmente desejados em termos de moralidade e probidade para o exercício de referido munus público.
       Se a Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma o direito de acesso aos cargos e funções públicas, o faz claramente para evitar a perseguição de opositores do governo, ou a imposição de condições de elegibilidade que repugnam à consciência jurídica, como o auferimento de determinada renda ou o pertencimento a classe social ou casta, critérios que evidentemente nada têm a ver com o anseio de moralidade contido na Lei da Ficha Limpa.
            O que se espera do Supremo Tribunal Federal, e aí fazemos um apelo especial ao seu Presidente o Ministro Ricardo Lewandowiscki e aos demais Ministros, é que cumpra dignamente sua missão de guardião da Constituição, e não retroceda nas conquistas da cidadania no sentido do aperfeiçoamento do nosso processo democrático.



sexta-feira, 1 de maio de 2015

França : Eleições regionais de dezembro de 2015 – forma de votação

            Neste ano de 2015, nos dias 6 e 13 de dezembro, os franceses irão às urnas novamente, para eleger os membros dos conselhos regionais. O mandato é de seis anos.
            A forma de votação é mais complexa do que nas eleições departamentais: escrutínio de lista, em parte proporcional e em parte majoritário, em dois turnos.
            No primeiro turno, a lista que obtiver a maioria absoluta dos votos válidos conquista um quarto das cadeiras a preencher. As demais cadeiras são repartidas pelo método da maior média entre todas as listas que obtiveram mais de 5% dos votos válidos.
            Caso nenhuma das listas conquiste a maioria absoluta dos votos válidos no primeiro turno, realiza-se o segundo turno. Podem participar do segundo turno todas as listas que obtiveram mais de 10% dos votos válidos no primeiro turno. Isso significa que mais de duas listas podem vir a concorrer no segundo turno.
            Além disso, entre o primeiro e o segundo turno as listas podem ser modificadas, podendo ocorrer fusões das listas ditas qualificadas (que obtiveram ao menos 10% dos votos válidos no primeiro turno) com listas que obtiveram pelo menos 5% dos votos válidos no primeiro turno.
            A distribuição das cadeiras segue então as mesmas regras do primeiro turno: a lista vencedora obtém 25% das cadeiras, sendo que as  cadeiras restantes são distribuídas pelo método da maior média entre todas as listas que obtiveram ao menos 5% dos votos no segundo turno.
            Aplica-se às listas o princípio da estrita paridade das candidaturas, pelo qual alternam-se um candidato homem e uma candidata mulher.
            A lei de 16 de janeiro de 2015 relativa à delimitação das regiões não alterou a forma de votação mas redefiniu o número de cadeiras de cada departamento no âmbito dos conselhos regionais.

            As eleições regionais estavam inicialmente previstas para março deste ano, mas foram adiadas para dezembro para dessincronizá-las das demais eleições locais. A concomitância havia sido adotada para lutar contra a abstenção.