segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Brasil : Lei 13.165 criou antinomia sobre perda de mandato no Código Eleitoral, por Márlon Reis*

Leia artigo publicado hoje no site Consultor Jurídico:

Sem dúvida, um ponto importante do debate sobre a Lei 13.165, de 29 de setembro de 2015, repousará na análise do novo § 3º do artigo 224 do Código Eleitoral.
Segundo o aludido dispositivo, “a decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados.”
Referida norma parece haver definido o fim da hipótese em que o segundo colocado assumiria o cargo eletivo em caso de desconstituição do diploma ou do próprio mandato.
Verifica-se, todavia, que o caput do artigo 224 do Código Eleitoral dispõe expressamente de modo contrário. Segundo a disposição legal, “se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias”.
O legislador pretendeu estabelecer uma exceção à regra contida no caput do artigo 224 do Código Eleitoral. Isso, todavia, não ocorreu. Diversamente, incidiu, numa antinomia grave a ponto de afastar a aplicabilidade da inovação normativa.
O fato é que, como será exposto a seguir, o aludido § 3º do artigo 224 do Código Eleitoral não contém uma exceção à regra estipulada pelo caput do dispositivo. Isso porque, excluídas as situações ventiladas pelo parágrafo sob estudo, não resta qualquer outra hipótese de nulidade de toda a votação concedida a um candidato.
O Código Eleitoral previu duas distintas consequências para o reconhecimento da nulidades.
Nas hipóteses ventiladas nos artigos 220 e 221 do Código não se pode falar em nulidade de toda a votação, senão das cédulas e seções comprometidas pelas falhas relacionadas nos dispositivos.
Segundo o artigo 220, "É nula a votação: I - quando feita perante mesa não nomeada pelo juiz eleitoral, ou constituída com ofensa à letra da lei; II - quando efetuada em folhas de votação falsas; III - quando realizada em dia, hora, ou local diferentes do designado ou encerrada antes das 17 horas; IV - quando preterida formalidade essencial do sigilo dos sufrágios; V - quando a seção eleitoral tiver sido localizada com infração do disposto nos §§ 4º e 5º do art. 135."
Já o artigo 221 reputa anulável a votação nos seguintes casos: I - quando houver extravio de documento reputado essencial; II - quando for negado ou sofrer restrição o direito de fiscalizar, e o fato constar da ata ou de protesto interposto, por escrito, no momento; III - quando votar, sem as cautelas do Art. 147, § 2º: a) eleitor excluído por sentença não cumprida por ocasião da remessa das folhas individuais de votação à mesa, desde que haja oportuna reclamação de partido; b) eleitor de outra seção, salvo a hipótese do Art. 145; c) alguém com falsa identidade em lugar do eleitor chamado
Como se percebe, todas as hipóteses previstas nos artigos 220 e 221 do Código Eleitoral têm em comum o fato de não dizerem respeito a faltas atribuídas a um candidato, mas a vícios observados na administração das eleições. Outro ponto de contato entre essas previsões legais reside no seu alcance: não há falar-se na anulação da votação atribuída a um candidato, mas na declaração de nulidade das seções atingidas nos termos do que dita o artigo 187 do Código Eleitoral.
Situação distinta ocorre quando se questiona, em ação ou representação eleitoral, a ocorrência de conduta ilícita ou falta de requisito para a elegibilidade de um candidato.
Segundo preceitua o artigo 222 do Código Eleitoral,"é também anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata o art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei."
Esse artigo 222 contém o enunciado geral que informa todo o tema da cassação de registros, diplomas e mandatos por infringência a normas eleitorais. Em lugar de dispor sobre de nulidade em determinado ato do processo eleitoral, ele estenderá seus efeitos sobre toda a votação obtida pelo candidato. A ele claramente se dirige a regra contida no artigo 224 do Código Eleitoral.
A diferença entre as consequências previstas no Código Eleitoral para os casos de nulidade reside, pois, na seguinte fórmula:
a) ocorrente a nulidade de votos, cédulas e sessões eleitorais (artigos 165, 166, 220 e 221 do Código), realizam-se, caso necessário, eleições suplementares, convocados apenas os eleitores inscritos nas sessões atingidas;
b) se, todavia, a nulidade se abate sobre toda a votação atribuída a um candidato, aí o caso se resolve nos termos docaput do artigo 224 do Código Eleitoral.
Assim, a nulidade capaz de acarretar a renovação das eleições ou a posse do segundo colocado, sempre será aquela “que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito”, já que a isso se refere todo o artigo 222.
Isso quer dizer que o artigo 224 nunca será aplicável a outros casos que não àqueles a que se refere o parágrafo 3º agora introduzido no dispositivo de lei.
Sendo assim, a pretexto de estabelecer uma exceção à regra do caput, o parágrafo 3º entrou em choque aberto com aquela primeira disposição. O caput do artigo 224 só é aplicável aos mesmos casos a que se reporta o § 3º do caput do mesmo dispositivo. Não houve exceção à regra geral contida no caput, mas disputa aberta entre esta última disposição e o teor do § 3º.
Dá-se a isso o nome de “antinomia”.
Ocorre a “antinomia”, ou “lacuna de conflito” [1], sempre que duas ou mais normas jurídicas expressam enunciados de conteúdo conflitante, cobrando do aplicador do direito a adoção de uma ou outra.
Discorrendo sobre o tema, Hans Kelsen prelecionou:
“Um tal conflito de normas surge quando uma norma determina uma certa conduta como devida e outra norma determina também como devida uma outra conduta, inconciliável com aquela. Assim sucede, por exemplo, quando uma das normas determina que o adultério deve ser punido e a outra que o adultério não deve ser punido; ou quando uma determina que o furto deve ser punido com a morte e a outra determina que o furto deve ser punido com prisão (e, portanto, não é com a morte que deve ser punido).” (1998, 143).
A antinomia pode ser igualmente compreendida como um paradoxo que, nas palavras de Rescher, citado por Perez, constitui um “set of propositions that are individually plausible but collectivelly inconsistent” (2006, 5). A antinomia, constitui, assim, uma contradição interna ao sistema normativo (self-contradiction) marcada pelo entrechoque de enunciados isoladamente válidos, mas inconciliáveis entre si.
É papel do aplicador do direito, após se assegurar “(…) dos fatos estabelecidos ou para provar, (…) escolher a regra de direito que lhe é aplicável ali” (Rigaux, 2000, 48). Essa operação lógica é dificultada pela antinomia, que precisa ser submetida à atividade do intérprete para que se opere a sua remoção.
Três são os critérios ou princípios comumente aceitos para a superação das antinomias: o cronológico, o da especialidade e o hierárquico.
Interessa-nos o critério hierárquico.
Sobre esse ponto nos ensinava Kelsen que “(…) os conflitos de normas no material normativo que lhe é dado — ou melhor, proposto — podem e devem necessariamente ser resolvidos pela via da interpretação.” (1998, 144). E afirmava a existência de uma “construção escalonada de normas supra e infra-ordenadas umas às outras, em que uma norma do escalão superior determina a criação da norma do escalão inferior” (1998, 144).
Posteriormente, em sua Teoria Geral do Direito e do Estado, Hans Kelsen proporia:
“O caráter alternativo da norma superior que determina a norma inferior impede qualquer real contradição entre a norma superior e a inferior. (…) qualquer opinião referente à existência de uma contradição que não a dessa autoridade é juridicamente irrelevante. A autoridade competente estabelece a existência jurídica de tal contradição anulando a norma inferior” (1998b, 232).
A hierarquia que rege a relação entre normas, posicionando-as como superiores ou inferiores, não diz respeito apenas ao escalonamento entre a normas fundamentais e as previstas nas leis. Ela também se observa no interior de um mesmo dispositivo.
A redação de um artigo deve observar rigorosa previsão contida na Lei Complementar 95/1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, em conformidade com o que preceitua o parágrafo único do artigo 59 da Constituição Federal.
Consoante estabelece o artigo 10 da referida lei,
“Art. 10. Os textos legais serão articulados com observância dos seguintes princípios:
I - a unidade básica de articulação será o artigo, indicado pela abreviatura "Art.", seguida de numeração ordinal até o nono e cardinal a partir deste;
II - os artigos desdobrar-se-ão em parágrafos ou em incisos; os parágrafos em incisos, os incisos em alíneas e as alíneas em itens; (…)”.
A cabeça, ou caput, do dispositivo deve conter a proposição básica sobre a qual ele versa. Os demais componentes do artigo — parágrafos, incisos, alíneas — devem constituir desdobramentos lógicos do enunciado contido na parte inaugural do comando normativo.
Por isso mesmo, o artigo 11, III, c, da LC 95/98, estipula:
“Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas:
III - para a obtenção de ordem lógica;
c) expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida;”
A referida norma estabelece, como se vê, uma função dúplice para o parágrafo: complementar o sentido do enunciado contido na cabeça do dispositivo e definir eventuais exceções à sua aplicabilidade.
Em ambos os casos, não é autorizada a redação de parágrafos em conflito com o enunciado principal do artigo. Estipular exceções não corresponde a estabelecer essa conflitividade. Diversamente, implicam em articular os casos em que a proposição receberá solução diversa da genericamente contemplada no caput.
Essa afirmativa é corroborada por Felipe Fernandes:
“O parágrafo constitui-se numa divisão do artigo destinada a tratar de uma disposição secundária que explica ou modifica (excepciona ou restringe) a disposição principal (art. 11, III, “c”, LC no 95). Portanto, o parágrafo não deve formular regras gerais nem princípios básicos, mas limitar-se a complementar o caput do artigo. Deve haver uma conexão material entre o parágrafo e o caput do artigo. O enunciado do parágrafo não é autônomo, devendo estar intimamente relacionado à parte inicial do artigo.” (s.a., online).
Como se percebe, o parágrafo está logicamente submetido ao conteúdo da cabeça do artigo, não podendo com este rivalizar. Eis uma premissa a ser observada na interpretação do dispositivo. Em caso de antinomia entre o parágrafo e o caput deve o hermeneuta privilegiar este em detrimento daquele.
Como se viu no início deste artigo, existe uma evidente contradição entre o texto do caput do artigo 224 do Código Eleitoral e § 3º. Enquanto o primeiro afirma que a renovação das eleições só correrá quando ocorrer a anulação de mais de 50% dos votos, o segundo parece dispor que a designação de novo pleito que é medida que sempre se imporá em todos os casos de desconstituição do diploma eleitoral ou do mandato eletivo.
Não há nisso a abertura de uma exceção, mas, pelas razões acima pontuadas, franca divergência entre o § 3º e o caput do artigo 224 do Código Eleitoral.
Forçoso reconhecer que o parágrafo 3º introduzido no artigo 224 não pode pretender revogar o quanto definido no caput do mesmo artigo de lei, o que atentaria contra todo bom senso. Isso implica afirmar que a regra da posse do segundo colocado nos casos que o candidato cassado teve menos de 50% dos votos é medida que continua a se impor sem qualquer alteração substancial.
Trata-se de regra de antiga aplicação no foro eleitoral, declarada acorde com a Constituição por diversas vezes no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, e que tem diversos méritos:
·                     trata de forma diversa situações essencialmente distintas, reservando a medida extrema da renovação das eleições para os casos em que os candidatos destituídos de suas posições conseguiram votação de grande envergadura;
·                     reserva aos casos de evidente necessidade a realização do grande investimento de recursos econômicos necessários para a mobilização do aparato administrativo exigido para a organização do novo pleito.
Com efeito, a posse do segundo colocado, nas hipóteses em que a lei a admite, é medida que vem sendo adotada sem qualquer questionamento social. Além disso, tem o mérito de mobilizar a atenção de todos os participantes do prélio eleitoral com relação ao modo com que seus adversários se portam.
Grande parte das demandas eleitorais em que se atribui aos candidatos a utilização de vias ilícitas é justamente proposta por aqueles que têm a expectativa de ver reparada a injustiça de serem derrotados por quem desafiou a legislação ao longo do pleito
O artigo 224 do Código Eleitoral institui verdadeira política institucional que estimula a participação de todos os concorrentes na fiscalização da legitimidade do pleito.

* Márlon Reis é juiz de Direito, doutor em Sociologia Jurídica e Instituições Políticas pela Universidad de Zaragoza, autor do livro Direito Eleitoral Brasileiro.



Referências bibliográficas
- Kelsen, Hans. Teoria pura do direito. T. Joa
̃o BaptistaMachado]. 6a ed. - São Paulo: Martins Fontes, 1998.
- Kelsen, Hans. Teoria geral do direito e do estado. T. Luís Carlos Borges. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2000.
- Rigaux, François. A lei dos juízes. T. Edmir Missio. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2000.
- Perez, Oren. Law in the air; a prologue to the world of legal paradoxes. In: Perez, Oren e Teubner, Gunther (editores). Paradoxes and inconsistencies in the law. Portland: Hart Publishing. pp. 3-37.
- Ráo, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 5ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
- Fernandes, Felipe Nogueira. Legística aplicada ao Poder Executivo. Disponível em http://abejur.org.br/Anexos/Portal/Cursos/Leg%C3%ADstica%20Aplicada%20ao%20Poder%20Executivo.pdf. Acesso em: 13 de novembro de 2015.



[1] Sobre a expressão “lacuna de conflito”, Kelsen afirmava: “Como, porém, o Direito vigente é sempre aplicável, pois não há “lacunas” neste sentido, esta fórmula, quando se penetre o seu caráter fictício, não opera a pretendida limitação do poder atribuído ao tribunal, mas a auto-anulação da mesma” (1998, 173).

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

EUA: O que é a Super Terça-Feira

            Ao longo do processo de escolha dos candidatos que irão concorrer à presidência dos EUA pelo partido Republicano e pelo partido Democrata, processo esse que se estende por vários meses, um dia se destaca dos demais – é a chamada Super Terça-Feira, que este ano ocorrerá no dia 1º de março.
            Esse dia tem de especial o fato de que nessa data são realizadas eleições prévias – primárias ou caucases – num grande número de Estados.  Não são sempre os mesmos Estados que escolhem delegados na Super-Terça-feira. Este ano em 12 Estados e em um território norte-americanos serão escolhidos no dia 1º de março os delegados que vão votar nas convenções nacionais dos dois partidos.
Realizarão primárias na Super Terça-Feira os Estados de Alabama, Arkansas, Georgia, Massachusetts, Minnesota, Oklahoma, Tennessee, Texas, Vermont e Virgínia. O Alaska vai realizar um cáucus republicano e Colorado realiza um cáucus democrata nesse dia. No território de Samoa haverá um cáucus democrata.
Vão ficar definidos na Super Terça-Feira 595 delegados do partido Republicano – sendo que é preciso obter o voto de 1.237 delegados para vencer a convenção republicana; e 1.004 delegados do partido Democrata – são necessários 2.383 delegados democratas para vencer. Os Estados envolvidos na Super Terça-Feira representam também cerca de 130 Super Delegados (sobre os Super Delegados, ver post de 08/02/16).
           
A Super Terça-Feira tem sido um turning point na maior parte dos anos eleitorais, funcionando como um indicador-chave dos nomes que serão finalmente escolhidos como candidatos nas convenções. Isso porque nesse dia votam eleitores de Estados situados em diferentes regiões geográficas e diferentes também socialmente, o que faz da data o primeiro grande teste de popularidade dos pré-candidatos. Em anos anteriores vitórias convincentes na Super Terça-Feira quase sempre significaram a indicação.

            A Super Terça-Feira este ano foi apelidada de “Sec Primary”, pelo acréscimo de Estados do sul que realizarão prévias nesse dia. Esses estados do sul têm todos times esportivos que competem na Southeastern Conference – daí o apelido.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Brasil : Proposta de Jorge Viana reduz número de deputados e senadores

Por Teresa Cardoso, da Agência Senado  

Por entender que nem as dimensões continentais do Brasil nem a complexidade de nossa sociedade justificam a eleição de tantos parlamentares por cada unidade da federação, o senador Jorge Viana (PT-AC) quer aprovar emenda constitucional reduzindo o número de deputados e senadores. Com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 106/2015, apresentada no dia 15 de julho, ele pretende reduzir em um terço o número de assentos no Senado e em 25% o número de deputados.
Para mostrar que o Brasil pode fazer essa mudança, Viana cita o exemplo dos Estados Unidos, país igualmente extenso, cujos estados elegem apenas dois senadores cada um. O senador destaca a economia que isso significará para os cofres públicos e observa que preserva, no projeto, o equilíbrio hoje existente no Congresso. A proposta assegura os mandatos dos atuais deputados e senadores, ocupantes das vagas a serem extintas.
— No Senado, haverá a paridade entre os estados e o Distrito Federal. Na Câmara, mantém-se o critério de representação proporcional à população de cada unidade da federação. Por isso, sem prejuízo do caráter representativo do Congresso, a proposta aumenta a eficiência do uso dos recursos públicos. Afinal, cada parlamentar, para a consecução de seus deveres constitucionais, exige considerável estrutura de assessoramento e de apoio administrativo — diz ele.
O texto, que vai agora à deliberação da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), altera os artigos 45 e 46 da Constituição e reduz de 513 para 385 o número de deputados, estabelecendo que nenhuma unidade da federação terá menos de seis ou mais de 53 deputados. Fica assegurada a irredutibilidade da atual representação da Câmara.
Ao definir que cada estado e o Distrito Federal elegerão dois senadores, a proposta determina que a composição do Senado baixará de 81 para 54 integrantes. É mantido o mandato de oito anos, assim como a renovação da Casa pela metade, de quatro em quatro anos. E os senadores eleitos na última renovação de dois terços do Senado, bem como os respectivos suplentes, terão seus mandatos assegurados.
Embora reconhecendo o papel do Congresso para a democracia representativa, com as diferentes ideologias representadas na Câmara, e o equilíbrio da federação assegurado pelo Senado, Jorge Viana considera sensato o enxugamento das duas Casas.
— Cremos que é possível exercer as funções típicas do Poder Legislativo com uma estrutura mais enxuta em ambas as Casas, sem prejuízo da representatividade popular.
Na justificação do projeto, o senador lembra que foi constante o crescimento da composição da Câmara na história republicana.  Ele afirma que o número atual de deputados — 513 — se deve à criação de novos estados e ao aumento do número máximo de representantes por unidade da federação. Mas, no seu entender, esse crescimento não significou melhora da representação.
Em defesa do projeto, Jorge Viana diz ainda que essa mudança engendrará reflexos positivos na composição das Câmaras existentes nos estados e no Distrito Federal, porque a Constituição exige que a composição dessas Casas seja calculada com base no número de deputados da respectiva unidade da federação. Ele se diz confiante na economia e na eficiência que essa emenda será capaz de produzir.

Fonte : Agência Senado

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Brasil : TSE inclui Rede Sustentabilidade no rateio do Fundo Partidário

Leia matéria publicada hoje no site do TSE :

O Plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deferiu, na noite desta terça-feira (16), a inclusão do partido Rede Sustentabilidade (Rede) no rateio da distribuição do Fundo Partidário. Os ministros seguiram, por unanimidade, o voto do relator, ministro Herman Benjamin. A Rede foi o 34º partido registrado no TSE, tendo seu pedido de registro aprovado em 22 de setembro de 2015.
Em seu voto, o relator citou decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de outubro de 2015, que considerou inconstitucionais as regras que restringem o acesso de novos partidos políticos ao Fundo Partidário e à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão. Com base nesse entendimento, o ministro Herman Benjamin ressaltou que o valor reservado à Rede, quando definido, será bloqueado.
A decisão do STF foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5105, ajuizada pelo partido Solidariedade contra os artigos 1º e 2º da Lei nº 12.875/2013, que estabelecem limitações a legendas criadas após a realização de eleições para a Câmara dos Deputados. Os artigos preveem que, no caso de criação de novos partidos após eleições para a Câmara, esses não terão acesso ao Fundo Partidário e ao horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão.
O Fundo
O Fundo Partidário é constituído por dotações orçamentárias da União, recursos financeiros destinados por lei, em caráter permanente ou eventual, e por doações de pessoa física ou jurídica efetuadas por intermédio de depósitos bancários diretamente na conta do Fundo Partidário. Também é composto de dotações orçamentárias da União em valor nunca inferior, cada ano, ao número de eleitores inscritos em 31 de dezembro do ano anterior ao da proposta orçamentária.
As verbas do Fundo Partidário devem ser aplicadas, entre outros: na manutenção das sedes e serviços do partido, permitido o pagamento de pessoal, a qualquer título, observado, do total recebido, os limites de 50% para o órgão nacional e de 60% para cada órgão estadual e municipal; na propaganda doutrinária e política; no alistamento e campanhas eleitorais; na criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política, sendo esta aplicação de, no mínimo, 20% do total recebido; e na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 5% do total.
BB/LC
Processo relacionado: PET 48132

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Brasil : Leia artigo publicado no site Jota.info

e-Leitoral: Publicidade institucional e a minirreforma eleitoral de 2015, por Luiz Magno P. Bastos Jr.

Luiz Magno P. Bastos Jr. é Advogado eleitoralista. Doutor em Direito (UFSC) e Pós-Doutor em Direitos Humanos (McGill University, Montreal). Membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político e da Academia Catarinense de Direito Eleitoral. Membro das Comissões de Direito Eleitoral e de Direito Constitucional da OAB/SC. Professor do Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica e da Graduação em Direito da Universidade do Vale do Itajaí.


Desde que foi aprovada a Emenda da Reeleição (EC n. 16/97), a Lei Geral das Eleições procurou conter um dos efeitos imediatos daí decorrentes: a flagrante desigualdade de oportunidades entre o atual mandatário e qualquer outro candidato que pretenda sucedê-lo.
A desigualdade é tamanha (e insuperável) que, em minhas aulas de direito constitucional, costumo de dizer que só consigo compreender a legitimidade do instituto da reeleição se o mandato do Executivo for compreendido como um mandato de 8 (oito) anos, com a necessidade de submissão a um referendo popular no meio do percurso. Um recallinstitucionalizado e pré-definido que faria as vezes de uma moção de confiança. Ou seja, muito mais do que uma decisão de revogação de mandato, seria uma espécie de renovação da confiança depositada no representante.
É óbvio que essa analogia é precária e representa, muito mais, uma percepção pessoal sobre o impacto que a reeleição causa na garantia constitucional de igualdade de oportunidades. Reconheço ainda que esta medida é saudada por alguns como um incentivo ao “voto prospectivo” (voto centrado na premiação do “bom” administrador) e, ainda, que existem estudos que demonstram não ter sido significativa a vantagem em eleições municipais realizadas desde então.
O fato é que, exitosa ou não a empreitada, o empenho do mandatário em obter êxito no pleito em que concorre a reeleição é, em geral, mais intenso do que o esforço empreendido para emplacar o seu sucessor. Afinal de contas, ninguém gosta de perder eleições e, mais ainda, perder uma disputa em que concorre à reeleição pode representar risco concreto à sua “sobrevivência política”.
Esse maior engajamento, não raras vezes, repercute em um maior envolvimento da máquina administrativa no esforço eleitoral. Ou melhor, o esforço de determinados servidores motivados por convicção política, por espírito cívico e, também, por óbvio, com desejo de manutenção de suas posições. Todos elas motivações igualmente legítimas.
A questão fundamental (e de difícil equacionamento) consiste em discutir qual o limite para esse engajamento. Quais condutas administrativas podem ser reconhecidas como aceitáveis? E, entre essas irregularidades, quais seriam aquelas capazes de justificar a mais graves de todas as sanções em matéria eleitoral: a perda do mandato.
Trata-se da mais grave sanção porque ela atinge (e pune) não somente o agente político que a realiza (ou dela se beneficia), mas retira do eleitor o direito de escolha, ou pior ainda, anula a escolha que fez no exercício de seu direito fundamental de participação democrática. A intervenção da Justiça Eleitoral, portanto, só estaria constitucionalmente autorizada tendo em vista o dever constitucional de se assegurar a legitimidade do pleito (abuso de poder econônico, corrupção ou fraude), nos termos do art. 14, § 10 da Constituição Federal.
A (tentativa) de resposta veio com a edição da Lei Geral e com a estabilização das condutas proibidas com uma pretensão de permanência. A lei passou a definir um conjunto de situações em que se presumia a existência de desequilíbrio eleitoral: as chamadas condutas vedadas.
Pronto. Fiat lux! A desigualdade de oportunidades seria combatida através da definição de um conjunto de proibições, definidas a partir da consolidação de práticas institucionais a serem combatidas.
Mas a estória não é bem assim. Se as transformações sociais dependessem da edição de boas leis e de virtuosas boas intenções, estaríamos mais próximos da consciência cívica das democracias escandinavas do que atualmente estamos.
Além disso, a própria lei também tem os seus problemas que, muitas vezes, parecem ser válvulas de escape colocadas intencionalmente na norma por parte daqueles que podem se beneficiar delas: a classe política. Essa, no entanto, é questão a ser discutida em outro post.
Voltemos, pois, às condutas vedadas. Mais especificamente, àquela a que me propus discutir nessa postagem: a regulação da publicidade institucional.
A lei previu originariamente dois tipos de restrição à veiculação de publicidade institucional em anos eleitorais: (i) proibiu que fosse veiculada durante o período crítico das eleições (nos três meses que antecedem o pleito); e (ii) restringiu o limite de gastos com esta rubrica durante o ano eleitoral.
Qual o critério a ser utilizado para estabelecer este limite? A lei estabelecia ser vedado ao administrador “realizar, em ano de eleição, despesas com publicidade” “que excedam a média dos gastos nos três últimos anos que antecedem o pleito ou do último ano imediatamente anterior à eleição”.
Este dispositivo apresentava, de imediato, duas questões interpretativas relevantes: a primeira, qual dos valores deve ser considerado o teto já que a lei usa a conjunção “ou”?; a segunda, a lei autoriza que sejam efetuados gastos em um único semestre equivalentes a média dos gastos do ano anterior ou a metade dos gastos?
Em relação à primeira questão, a Justiça Eleitoral consolidou o entendimento de que deveria ser adotado o “menor” dos dois valores obtidos. Pretendia-se diminuir, dessa forma, as diferenças de uma relação já diferenciada. A questão revelar-se-ia ainda mais evidente nas hipóteses em que o administrador aumentasse, no ano imediatamente anterior ao das eleições, as despesas com essa rubrica (o que o beneficiaria, em tese, duas vezes: pelo aumento da exposição de mensagens positivas sobre a administração e o próprio aumento do limite para gastos no ano eleitoral propriamente dito).
Uma vez mais, a Justiça Eleitoral via-se diante de uma difícil “escolha”: aplicar interpretação de norma restritiva de direitos de forma extensiva (contrariando sua função contramajortiária de garantia de direitos) ou avalizar condutas destinadas a fraudar o limite legal fixado (guardiã da legitimidade dos pleitos eleitorais)?
Em relação à segunda questão, a Justiça Eleitoral aplicou o entendimento mais garantista segundo o qual o Judiciário não poderia ampliar a restrição para além do limite textual da norma. Esse entendimento, no entanto, mudou. Por provocação da Corte Eleitoral catarinense, que deliberadamente defendia a necessidade de revisão desse critério de interpretação, o Tribunal Superior Eleitoral sinalizou que iria mudar o seu entendimento sobre o tema.
Em decisão proferida em 24.3.2015 (REspE n. 336-45), o Tribunal Superior Eleitoral manteve a cassação de prefeito por prática de conduta vedada relacionada à veiculação de publicidade institucional. Apesar de não ter sido o fundamento único do acórdão (já que o Regional havia reconhecido que existia ofensa ao princípio da impessoalidade nessas publicações institucionais), o TSE não infirmou essa premissa. E, nesse julgamento, admoestou sobre a necessidade de mudança desse critério.
Como resposta a essa provocação (?), a questão foi incluída na agenda da reforma política e eleitoral, que tramitou durante o ano de 2015, de maneira açodada e virada de costas para as ruas. A matéria foi, enfim, incorporada ao texto da Lei Geral das Eleições, por força da (mais nova) minirreforma (a Lei n. 13.165/2015).
O parâmetro de aferição dos gastos passou a ser o primeiro semestre de cada ano. Tanto na definição da conduta a ser regulada (as despesas com publicidade no primeiro semestre do ano), quanto na definição do parâmetro de referência (leva-se em conta, exclusivamente, a média dos gastos realizados no primeiro semestre dos três últimos anos).
Sem dúvida, a alteração provoca uma racionalização da utilização dos recursos e oferece uma solução aparentemente mais equânime em relação à utilização de uma importante ferramenta de propaganda eleitoral antecipada (a veiculação da imagem de boa administração).
Refiro-me propositadamente à expressão “propaganda eleitoral antecipada” sem deixar de reconhecer que, de acordo com a jurisprudência consolidada do TSE, não é qualquer publicidade institucional que está apta a configurar “propaganda antecipada”, mas aquela por meio da qual ocorre alusão ao pleito vindouro, ou ainda, que promove a imagem do próprio administrador (configurado ofensa autônoma ao princípio da impessoalidade).
Refiro-me aqui à “propaganda antecipada” em um sentido mais amplo. Em relação à vantagem (lícita) decorrente da exposição reiterada da imagem de “boa administração” que, em um contexto de redução do tempo de propaganda eleitoral estrito senso, representa um aumento significativo na vantagem competitiva do atual ocupante do cargo público (ou daquele por si apoiado). Questão muito bem apontada no paradoxo apresentado pelo brilhante e provocativo colega Fernando Neisser, no post que me antecedeu em nosso e-Leitor (clique aqui).
Indubitavelmente, nesse ponto, a minirreforma andou bem ao estabelecer critérios mais condizentes com o propósito definido na norma de preservar a igualdade de oportunidades. Questão igualmente ressaltada de maneira bastante precisa pelo eminente Ministro do TSE, Henrique Neves, no post que inaugurou essa coluna (clique aqui).
A crítica aqui dirigida vai em duas direções: a primeira, naquilo em que a norma deixou de regular e, por conseguinte, deixa margem a inúmeras controvérsias quanto à configuração do ilícito eleitoral; a segunda, na falta de clareza por parte da jurisprudência eleitoral quanto aos critérios a serem utilizados para se aferir o abuso a justificar a medida extrema de cassação do registro do candidato, ou seu diploma caso tenha sido eleito.
A primeira questão diz respeito à qualificação do que vem a ser “publicidade institucional”. A segunda diz respeito aos critérios a serem utilizados para que a Justiça Eleitoral aplica a sanção mais extrema de cassação do mandato.
O enfrentamento dessas questões é ainda mais necessário quando se está às vésperas de eleições municipais gerais. Maravilhoso palco para experimentação jurisprudencial. Quando ocorrem eleições em mais de 5 mil municípios, com as mais variadas características.
A primeira dificuldade decorre da falta de definição legal sobre o sentido e alcance a ser atribuído à expressão “publicidade institucional”. Afinal de contas, quais tipos de gastos este conceito engloba. Isso é assim porque o conceito pode compreender diversas espécies de despesas: publicações legais, confecção de material publicitário de campanhas específicas, despesas com informações de obras públicas, diferentes ações junto às empresas de comunicação (produção de programas de rádios e TV) e, inclusive, diversas despesas “ordinárias” do setor de comunicação social da entidade.
Ocorre que esse conjunto tão díspar de despesas não é classificado sob a mesma rubrica orçamentária. As leis orçamentárias distribuem esses gastos em diferentes rubricas que, ainda, são objeto de regulamentações específicas por parte dos Tribunais de Contas que impedem (ou dificultam) um inteiro controle sobre a execução dessas despesas. Tanto em relação aos órgãos internos de controle. Quanto em relação às instâncias de controle da aplicabilidade do limite definido na lei eleitoral.
Nos processos eleitorais, chegam-se a números que são adotados como verdades insofismáveis, sem que se tenha, muitas vezes, apreciada a natureza dessas despesas. Despesas são glosadas (excluídas do montante), ou são incluídas no cálculo, com base em informações pouco precisas. Muitas vezes, tão-somente, pela descrição feita na nota de empenho.
Esta imprecisão da norma (e o descompasso entre o seu propósito e o que ela consegue regular) está diretamente relacionada à inclusão de um elemento estranho ao direito eleitoral, o direito orçamentário. Ao utilizar de parâmetro externo para aferição das condutas vedadas, notadamente, afeito ao controle externo exercido pelos Tribunais de Contas, essas imprecisões tendem a se avolumar pela falta de um diálogo claro entre estas instâncias de controle.
Ainda que a norma regulamentasse com mais precisão esse aspecto, ela seria capaz de dirimir estas controvérsias? Em que medida o Tribunal Superior Eleitoral está legitimado a regulamentar essa questão? A necessidade de clareza sobre este elemento (publicidade institucional) se compatibiliza com as necessidades de definição de parâmetros de controle (interno e externo) da Administração Pública? Há espaço para harmonização regulamentar dessa matéria em relação aos diferentes tribunais de contas do país?
Nesse quesito, não faltam incertezas. Há muitos caminhos para burlar o sistema de controles. Há muitas surpresas que podem se apresentar aos administradores que pretendem ater-se aos limites legais.
A segunda questão, relacionada à aplicação da sanção extrema de cassação do diploma, diz respeito à própria percepção sobre o papel a ser exercido pelo Poder Judiciário no exercício do controle de legitimidade do pleito.
A Justiça Eleitoral tem a função messiânica de purificação das eleições e das práticas institucionais? Ou a Justiça Eleitoral deve atuar como última barreira do controle da legalidade?
Mais uma vez, estamos diante de uma tormentosa questão que está a desafiar uma postagem especifica, ou melhor, uma reflexão bastante abrangente sobre qual Justiça Eleitoral temos e queremos ter.
Pois bem, por hora, voltemos à questão referente à publicidade institucional.
O problema que se apresenta é quais os critérios devem ser levados em conta para que a Justiça Eleitoral reconheça que a extrapolação dos gastos permitidos seja capaz de ferir de morte a legitimidade do pleito?
É necessário que discutamos isso de maneira mais clara para que sejam evitadas restrições indevidas no direito de sufrágio da população, manifestado através de eleições livres, diretas e periódicas.
De plano, contudo, creio que algumas premissas parecem-me inaceitáveis.
(i) toda reeleição, per si, afeta o desequilíbrio do pleito. Portanto, a Justiça Eleitoral deve ser menos tolerante a extrapolações nas condutas vedadas.
Esse argumento é perigoso. No fundo, ele está ancorado em uma pré-compreensão de que a reeleição é um mal em si e deve ser combatida. Posso não gostar da reeleição (e como vocês puderam perceber antes, possuo profundas reservas quanto ao instituto), mas ele tem índole constitucional. Enquanto essa regra se mantiver, ela integra o parâmetro de controle de legitimidade das eleições. Isto posto, a medida extrema de cassação não pode ser feita com base em juízo baseado em violação a dispositivo que presume o desequilíbrio do pleito (art. 73 da Lei Geral das Eleições), mas deve estar assentada em um juízo fundamentado sobre a existência concreta de abuso, corrupção ou fraude (art. 14, § 10 da CF). Em se tratando de publicidade institucional, esse juízo concreto exige que sejam considerados outros elementos que não a extrapolação dos gastos.
(ii) gastos públicos com publicidade institucional são excessivos e acabam por desviar recursos de outras áreas sensíveis.
Essa premissa é igualmente perigosa. Ao proceder dessa forma, corre-se o risco do Judiciário usurpar a competência do Poder Legislativo (responsável por aferir a legitimidade da decisão política de alocação de recursos) e, ultima ratio, da própria população a quem os representantes possuem o dever de accountability. Na arena política, é legítimo perquirir as escolhas políticas e as prioridades na alocação dos recursos públicos. Nesta seara, compartilho integralmente com essa premissa. Na arena judicial, este critério não pode ser utilizado como razão, per si, a justificar a imposição da sanção mais gravosa.
Como vocês podem perceber, trago mais inquietações do que respostas. Mas, creio, seja exatamente esta a proposta desta coluna: provocar o debate, fomentar a crítica, desinstalar.
Se por um lado, acredito que a igualdade de oportunidades representa uma quimera irrealizável. Por outro lado, creio que o desenvolvimento das instituições democráticas depende da adoção deste ideal regulativo como diretriz, como norte, como luzeiro a orientar todo nosso caminhar.

Afinal de contas, prover mecanismos capazes de assegurar o máximo de oportunidades, “em condições de igualdade”, representa exigência que transcende o nosso compromisso constitucional, mas que decorre do concerto que une a comunidade de nações latino-americanas, tendo em vista a “consolidação dos valores democráticos e para a liberdade e a solidariedade no hemisfério” (Carta Democrática Interamericana).

Brasil: Leia artigo publicado no site Jota.info

e-Leitor: Tempo reduzido das campanhas atuará contra a renovação política, por Fernando Neisser

Fernando Neisser é Advogado, mestre e doutorando pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP). Membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP) e do Instituto Paulista de Direito Eleitoral (IPADE). Membro das Comissões de Direito Eleitoral e Penal da OAB/SP. Diretor de Relações Institucionais do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).

Conta a história que certa feita, ainda quando o Império Britânico dominava o subcontinente indiano, houve uma infestação de cobras na região de Délhi. Para se contrapor às pestilentas criaturas, os administradores acionaram uma inventiva resposta: recompensar financeiramente quem lhes trouxesse cabeças das víboras. De início, viu-se uma redução sensível no problema.
Paulatinamente, contudo, o número de animais na região retornou aos números anteriores. Intrigados, os bretões partiram a investigar, descobrindo que o incipiente espírito empreendedor vicejava também entre os povos colonizados. Muitos indianos estavam criando as serpentes em suas casas e, quando estas atingiam tamanho razoável, matavam-nas para apresentar às autoridades.
Indignados com tamanha deslealdade, imediatamente cancelaram o programa de recompensas. Percebendo que seu estoque perdera o valor, nada restava a não ser soltar os ofídeos. Esse é o Efeito Cobra, conhecido na economia como a tentativa de solução de um problema, que o torna ainda mais grave por não se levar em conta as possíveis consequências da medida adotada.
Situação semelhante pode ocorrer e ocorre, com frequência, em outros ramos não econômicos da atividade humana, tal qual na regulação das campanhas eleitorais.
A Lei nº 13.165/15, última minirreforma eleitoral, aprovada no ano passado, trouxe mudanças substanciais para a propaganda eleitoral. Sob o argumento da necessidade de redução dos custos das campanhas, diminuiu-se à metade o tempo para divulgação das candidaturas. Retirou-se dez dias de horário eleitoral gratuito em rádio e TV e proibiu-se, quase absolutamente, a propaganda de rua.
Mesmo em imóveis privados, nas residências das pessoas, instituiu-se um limite de meio metro quadrado para a exposição de um cartaz em apoio a estou ou aquele candidato. Mal se permite que o cidadão possa afirmar, publicamente, sua preferência eleitoral.
De outro lado, a mesma lei flexibilizou a mais não poder a propaganda eleitoral antecipada. Com a nova redação, apenas o explícito pedido de votos, feito antes de 15 de agosto do ano das eleições, é que acarretará a punição do pré-candidato.
A combinação destas duas grandes alterações, que à primeira vista se justificariam pela economia de recursos e em prol da liberdade de expressão, respectivamente, pode trazer consequências graves para nossa Democracia. A questão pode ser mais bem compreendida com dois exemplos que vêm do mundo comercial: cigarros e cervejas.
Há hoje um consenso em prol do banimento da publicidade dos cigarros. Pesquisas demonstram que milhões de potenciais usuários deixam de iniciar o consumo sem a propaganda para lhes atrair. O que se ignora é que, de certo modo, o banimento beneficia as marcas já consolidadas no mercado.
O motivo é simples. Quem fez propaganda quando ela era permitida, continua sendo conhecido. Basta lembrar o caubói do Marlboro, o Free Jazz Festival ou as maravilhosas peças publicitárias do Hollywood com pranchas de windsurfe saltando as ondas.
Uma empresa que queira entrar no setor, contudo, encontra as portas fechadas. Não há forma de se fazer conhecida pelos potenciais consumidores, mesmo aqueles que já são fumantes de outras marcas. Ainda que no longo prazo a restrição reduza o mercado, é indiscutível que para os interesses imediatos da indústria não há do que reclamar: novos concorrentes simplesmente não existem.
No caso da cerveja o problema é o exato oposto: o excesso de publicidade. A AMBEV gastou, em 2014, R$ 1.8 bilhão de reais no Brasil, segundo pesquisa do IBOPE. Esse gasto passa longe de ser racional economicamente, sob um ponto de vista tradicional. Dito de outro modo, não há ganho marginal positivo, pois cada real gasto não repercutiu proporcionalmente no aumento do consumo ou em evitar sua queda.
Não há, como se sabe, qualquer concorrente de peso, apto a disputar o mercado cativo da AMBEV, com sua onipresente rede de distribuição. Gastar mais de dez por cento de seu lucro em uma publicidade praticamente inútil serve, contudo, para erigir uma barreira artificial à entrada de novos concorrentes.
O conceito de barreira à entrada, oriundo da economia, representa o custo que um novo empreendedor precisa fazer para entrar em um mercado. Para produzir aviões de grande porte, é necessário dispor de uma fábrica compatível, know-how, etc., o que implica um custo mínimo alto. Se a pretensão é produzir cerveja, por outro lado, em tese só seria necessária uma linha de produção, uma boa receita e fornecedores de insumos.
Aqui entra a despesa descomunal com publicidade da líder do mercado. Para competir com ela, não basta ter uma fábrica, rede de distribuição e um bom produto. É necessário, ainda, gastar bilhões de reais todo ano para se fazer ouvir e conhecer pelos consumidores. É um investimento que, de antemão, tira do mercado diversos players que poderiam ter interesse em participar.
Volta-se assim à propaganda eleitoral, onde há um cenário similar aos exemplos trazidos.
Um cidadão que pretenda ingressar na atividade política, colocando seu nome à disposição da coletividade, encontrará hoje as portas hermeticamente fechadas. Com menos tempo e meios para se fazer conhecido, ele precisará torcer para cair nas graças da cúpula partidária. Só assim é que poderá, ao menos, dispor de parte do horário eleitoral gratuito.
Caso seja um outsider da hierarquia partidária, suas chances residem em já ser conhecido pelo público por outros motivos. Radialistas, ministros religiosos, celebridades de toda sorte; estes sim poderão enfrentar uma eleição sem a possibilidade de aumentar sua taxa de conhecimento.
Estes e aqueles que já detêm cargos eletivos, aos quais a ciência política chama de incumbentes. Aos dois grupos, incumbentes e celebridades, é possível obter atenção da mídia – e consequentemente da sociedade – fora do período eleitoral. Para eles a flexibilização das regras da pré-campanha traz valiosa vantagem.
A regulação da campanha eleitoral deve passar, deste modo, por uma análise do conflito entre incumbentes e entrantes, estes últimos representados por aquele cidadão mencionado três parágrafos acima.
A mudança legislativa teve um forte viés pró-incumbentes. Ao reduzir o tempo total de propaganda a um mês e meio e a de rádio e TV a pouco mais de um mês, além de limitar bruscamente os tipos de publicidade à disposição de candidatos, quis-se sair de um modelo “cerveja”, para outro “cigarro”, sem passar pelo meio termo.

Ambos beneficiam os incumbentes, ou seja, os que estão no mercado. Ambos alijam os concorrentes. E, enquanto isso, a opinião pública aplaude, achando que campanhas mais baratas são um bem em si, mesmo que sepultem a possibilidade de alternância no poder.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Brasil : Declarações de Márlon Reis ao jornal “A Tribuna” (ES)

Leia matéria publicada no jornal A Tribuna (ES):

Fiscalização fica mais fácil, diz juiz
            O juiz de Direito Marlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, afirmou que, com o fim das doações empresariais para campanhas políticas, será possível fiscalizar verbas não declaradas, ou seja, o chamado caixa dois.
            “O caixa dois sempre foi predominante nas eleições brasileiras. Estima-se que as campanhas movimentavam em média 10 vezes mais do que era declarado. Com a imposição de limites, teremos agora como fiscalizar o uso de verbas de campanha não declaradas”.
            Márlon Reis declarou que a mudança não pode ser apenas no plano legal: também deve fazer parte da cultura política brasileira. “Precisamos de eleições baratas, nas quais prevaleça o civismo e o espírito coletivo. Ninguém joga dinheiro nas campanhas esperando apenas um muito obrigado”, frisou.
            O magistrado acredita que a prestação de contas será o ponto-chave para fiscalizar o caixa dois.
            Ele também destaca o cumprimento da Lei da Ficha Limpa:
            “Pessoas que ostentam máculas graves no seu passado não são bem-vindas à política. É preciso também assegurar o cumprimento pleno à legislação”, enfatizou.
            A ordem dos Advogados do Brasil (OAB) quer pressionar o Congresso a aprovar a tipificação do crime de caixa dois. Porém, para Márlon Reis, essa não é a melhor forma de combater a prática.
            “Criminalizar é importante. Mas corrupção se combate com transparência, educação e com a imposição de medidas restritivas rápidas nos campos civil e administrativo, com a devida recuperação dos ativos desviados”, explicou.
             Ele disse, ainda, o que os candidatos devem fazer para conquistar o eleitor com as novas regras. “A honestidade é a melhor esperteza na política”, afirma Márlon Reis.