quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

França : Deslocamentos do candidato-presidente são questionados à luz das normas que regem o financiamento eleitoral

            Quando o presidente da República tem o direito de se candidatar à reeleição sem ter que se desincompatibilizar, como ocorre no Brasil e na França, a tendência é que ocorram abusos no uso de meios e recursos inerentes ao cargo, em atividades que são na verdade eventos de campanha. 
            Como se sabe, no primeiro semestre de 2012 haverá eleições presidenciais na França e o atual presidente é candidato à reeleição. O Partido Socialista, principal partido de oposição, acusa Nicolas Sarkozy de se valer do cargo para fazer campanha eleitoral. 
Os líderes do PS questionam a recente visita do presidente à central nuclear de Tricastin, e a grandiosidade do evento realizado em Toulon, no qual Sarkozy discursou para 5.000 convidados, grande parte militantes do seu partido, a UMP.
O candidato do PS à presidência, François Hollande, aludiu à “confusão de gêneros” da parte “de um presidente em fim de mandato e de um candidato em início de campanha”.
Em carta dirigida à Comissão Nacional das Contas de Campanha e dos Financiamentos Políticos, dois políticos do PS pedem que a Comissão esclareça “se é legítimo que as despesas feitas pelo presidente da República por ocasião de seus deslocamentos que configuram atos de propaganda sejam custeadas pelo contribuinte, e se elas devem ou não figurar na prestação de contas”.
     Na França as despesas de campanha submetem-se a um teto fixado em lei. O financiamento público funciona por meio de reembolso, e abrange as despesas de campanha equivalentes a metade desse teto. Caso a Comissão estime que Sarkozy deve integrar as despesas relativas aos referidos deslocamentos e eventos nas contas de campanha, tais gastos serão contabilizados para efeito de verificação da observância do teto dos gastos.
         Interrogada pelo jornal Le Monde, a presidência negou-se a informar o montante gasto e se as despesas foram integralmente pagas pelo Estado. O chefe de gabinete de Sarkozy disse apenas que essas informações estarão disponíveis no próximo relatório da Corte de Contas relativo às contas da presidência.
      Os defensores de Sarkozy dizem que o PS não vai impedir o presidente de presidir. Dizem que o chefe de Estado vai continuar até o fim do mandato a fazer de dois a três deslocamentos por semana, como tem feito desde 2007.
       No Brasil, o art. 73 da Lei das Eleições, que trata das condutas vedadas aos agentes públicos durante as campanhas eleitorais, permite que o presidente da República use transporte oficial em campanha, devendo ressarcir os cofres públicos depois do pleito. 

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

EUA : Novas leis estaduais sobre identificação do eleitor geram polêmica

      Neste ano de 2011 foram editadas em diversos Estados norte-americanos leis que impõem a exigência de identificação do eleitor, no momento da votação, por meio de documento com foto. Até então, em múltiplos Estados, o eleitor podia se identificar apresentando até mesmo documentos não oficiais e sem foto.
Essa alteração tem gerado polêmica e sua constitucionalidade está sendo questionada, com base em possíveis implicações raciais. É que nos Estados Unidos a titularidade de documento de identidade com foto é menos difundida entre os membros de certas minorias raciais. Por essa razão, há quem veja na medida a intenção velada ou o efeito de dificultar o exercício do direito de voto aos integrantes desses grupos étnicos.  
De fato, um estudo recente da Associated Press constatou que eleitores afro-descendentes da Carolina do Sul seriam atingidos muito mais duramente pela lei estadual relativa à identificação do que os demais, porque muitos deles não têm o documento adequado.
         Antes de entrar em vigor, essas leis estaduais devem passar por um exame prévio, cabendo aos Estados provar a neutralidade racial da medida. Esse exame prévio foi instituído pelo Voting Rights Act de 1965, para impedir que Estados com histórico de discriminação racial editassem leis que alterassem as práticas eleitorais sem antes obter a permissão do Departamento de Justiça ou de uma Corte composta por três juízes federais. Essa imposição, prevista pela primeira vez em 1965, teve sua vigência prolongada por diversas vezes, e atualmente está prevista para vigorar até 2031.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Brasil - Ficha Limpa : o que está em debate no STF, por Márlon Reis

“No centro das discussões está a resposta a uma indagação primária: inelegibilidade é pena criminal ou condição para o registro da candidatura?”

MÁRLON REIS *

A sociedade brasileira está à espera do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 30, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em que se afirma a plena compatibilidade da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar n° 135/2010) com os princípios afirmados pela Constituição Cidadã.

No centro do debate está a resposta a uma indagação primária: inelegibilidade é pena criminal ou condição para o registro da candidatura?

A resposta a essa pergunta conduz à solução dos dois principais impasses a serem finalmente resolvidos pelo Supremo Tribunal Federal. Um é relativo à aplicabilidade do princípio da presunção de inocência; outro se refere à incidência do princípio da irretroatividade da lei penal.

Ambos os princípios a que acabo de me referir são inerentes ao Direito Penal. O saber jurídico possui muitos campos (Administrativo, Ambiental, Penal, Trabalhista, Civil, Eleitoral etc.), cada um dos quais regido por uma principiologia própria. É especialmente no campo dos princípios que as disciplinas jurídicas se distinguem.

Enquanto no Direito Penal uma sentença só pode ser executada quando se esgotam os recursos, no Direito Processual Civil, por exemplo, é comum a execução provisória dos julgados (art. 520 do CPC). Já em matéria eleitoral, a regra é a execução imediata das decisões (art. 257 do CE).

Então, o que de fato é uma inelegibilidade? Qual é a sua natureza jurídica?

Os que afirmam ser a inelegibilidade uma sanção, se apegam a seus aspectos exteriores. Consideram que o fato de ela impedir o acesso de alguém ao registro válido da candidatura constitui uma punição, uma reprovação de uma conduta baseada num juízo de perfil condenatório.

Não é isso, todavia, o que ocorre. Inelegibilidade não é uma sanção, é uma condição jurídica. Enquanto as sanções implicam em limitação ao exercício de direitos preexistentes, as condições constituem requisitos para o acesso a novos direitos.

Segundo o art. 121 do Código Civil, “Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto”. A condição é, assim, um requisito para o exercício de um direito. Em muitas situações, as normas permitem que se cobre o preenchimento de certas exigências para que um direito possa ser exercido. As condições permitem verificar se o pretendente possui as qualidades necessárias ao alcance do direito.

Isso acontece em muitos campos. Se alguém pretende vender uma casa e aceita receber o valor em parcelas, pode estipular que só negociará com quem se predispuser a adiantar certo montante. Trata-se do estabelecimento de uma condição. Se alguém oferece uma vaga de emprego, pode exigir do pretendente prova de habilitação técnica.

Em matéria eleitoral, as condições aparecem como características que os postulantes devem ostentar como requisito para a obtenção do registro da sua candidatura. Nesse contexto, as inelegibilidades aparecem como condições negativas cujo preenchimento impede alguém de se ver registrado candidato pela Justiça Eleitoral.

A Constituição foi emendada em 1994 para determinar ao legislador que editasse lei complementar fixando inelegibilidades que levassem em conta a “vida pregressa” do candidato. Como o Congresso não adotou essa providência, mantendo inalterada a Lei de Inelegibilidades (publicada em 1990), a sociedade lançou mão do instrumento da iniciativa popular de projeto de lei (art. 14, III, da CF) para reclamar a adoção da medida legislativa negligenciada.

A Lei da Ficha Limpa instituiu novas condições para as candidaturas. Por meio dessas novas cláusulas, se estabeleceu o novo perfil que a sociedade espera dos candidatos.

Quando se afirma que alguém já condenado por um tribunal (órgão colegiado) por narcotráfico, pedofilia, homicídio ou corrupção não pode lançar-se candidato, não se leva em conta sua eventual culpa pelo delito que lhe é atribuído, mas tão somente a existência de um dado objetivo: a condenação.

Segundo as normas brasileiras, os analfabetos e, em certas condições, os cônjuges de mandatários são inelegíveis. É uma boa demonstração de que a inelegibilidade não possui caráter punitivo.

Além desses, a Lei da Ficha Limpa quer inelegíveis os que renunciam a mandatos para escapar da aplicação de sanções de natureza política, como nos casos de quebra do decoro parlamentar. A sociedade, por meio do Congresso Nacional, tem todo o direito de afirmar que tais candidaturas são indesejáveis.

Da mesma forma, os condenados por tribunais nos casos gravíssimos que a lei menciona são afastados, pela lei, do acesso à candidatura, pouco importando se são ou não culpados. A culpa – elemento subjetivo – haverá de interessar apenas à Justiça Criminal. À Justiça Eleitoral, no momento de processar os pedidos de registro de candidatura, importará apenas a verificação de dados de natureza objetiva (se é alfabetizado, se atingiu a idade exigida, se não possui condenações em certas hipóteses etc.).

Enquanto a pena tem suas lentes voltadas para o passado (um fato que torna o responsável passível de punição), a inelegibilidade tem sua vista projetada para o futuro: interessa-lhe a proteção dos mandatos, dificultando o seu acesso por parte de pessoas que ostentem indicadores objetivos de que podem pô-los em risco.

É a própria Constituição quem afirma essa particularidade:

“Lei Complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato (…)” (§ 9° do art. 14 da CF).

Como se vê, enquanto a sanção penal tem propósitos punitivos, a inelegibilidade tem por meta o estabelecimento do perfil esperado dos candidatos. Essa é a finalidade de todas as exigências fixadas na Lei da Ficha Limpa. Isso é assim porque nos domínios eleitorais prevalece o PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO, afirmado expressamente no citado § 9º do art. 14 da Constituição Federal.

Visto que inelegibilidade não é pena, o que atrairia o princípio da presunção de inocência, afasta-se desde logo a exigência do trânsito em julgado.

Pode-se afirmar, então, que inelegibilidade não é pena, é uma condição jurídica.

Não há nisso nada de novo. Essa já é a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal.

Veja-se, a respeito, o precedente abaixo transcrito:

“(…) inelegibilidade não constitui pena. Destarte, é possível a aplicação da lei de inelegibilidade, Lei Complementar n° 64, de 1990, a fatos ocorridos anteriormente à sua vigência” (MS 22087-2, Rel. Min. Carlos Velloso. Diário da Justiça, 10/05/1996. Ementário nº 1827-03).

Observe-se que a jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal afasta da inelegibilidade o caráter de pena. Por razões lógicas, se reconhece sua aptidão para alcançar fatos ocorridos no pretérito. É a própria Constituição quem o declara: a inelegibilidade levará em conta a “vida pregressa” do candidato.

Digamos que a norma até aqui não considerasse que as pessoas casadas com atuais mandatários fossem inelegíveis. Se ela passasse a fazê-lo a partir de hoje, seria razoável imaginar que os que se casaram antes da inovação legislativa permaneceriam elegíveis? É a esse raciocínio absurdo que se chega ao adotar-se a idéia de que a inelegibilidade não pode considerar fatos ocorridos no passado.

Na verdade, não ocorre na Lei da Ficha Limpa qualquer aplicação retroativa de normas. A referida lei estipulou novas condições (causas de inelegibilidade), que passarão a ser aplicadas a partir das eleições de 2012.

Se até 2010 foram aplicadas as flácidas normas até então vigentes, a partir de agora o rigor aumentará em razão da vontade manifestada pelo Congresso Nacional sob a forma de lei complementar à Constituição.

Trata-se de inovação que não altera fatos ocorridos no passado nem deles lança mão para finalidades punitivas. Observam-se apenas os dados escolhidos pelo legislador como relevantes para, cumprindo a missão constitucional, verificar os dados objetivos que marcam a “vida pregressa dos candidatos”.

Só haveria retroatividade, nesse caso, se a nova lei pretendesse alterar o resultado de eleições anteriores, realizadas sob o pálio de normas diversas. Nada disso ocorre neste caso.

Gostaria de rememorar um momento importante desse debate. Em 21 de setembro de 2010 foi lançado manifesto em que se afirmava:

“Nenhuma inelegibilidade se baseia na idéia de culpa, mas na de proteção, segundo o declara a própria Constituição Federal. É por isso que é aceita normalmente a inelegibilidade dos cônjuges, dos analfabetos e dos que não se desincompatibilizaram de seus cargos e funções dentro de certos prazos. Que ilícito praticaram? Por que estariam sendo “punidos”? E o que dizer da inelegibilidade decorrente da rejeição de contas, decidida por um órgão auxiliar do Legislativo, os Tribunais de Contas, que não exercem função jurisdicional?

Tais casos bastam para demonstrar que não estamos diante de medidas de caráter punitivo, mas de regras de proteção fundadas em presunções constitucionalmente admitidas e que têm por escopo a proteção das nossas instituições políticas. Mandato é múnus público, não se configurando como bem individual. A inelegibilidade não é pena, mas apenas critério de dispensa do sacrifício de servir ao povo.

O princípio do estado de inocência simplesmente não é aplicável às inelegibilidades. Aqui vigora outro princípio constitucional: o da proteção. A sociedade tem o direito político negativo de fixar critérios para a elegibilidade, desde que o faça – tal como empreendido por meio da LC nº 135/2010 – por via legislativa complementar à Constituição. Ao fazê-lo, não considera a lei que os condenados por tribunais sejam culpados de qualquer coisa, apenas estabelecendo que suas candidaturas não são convenientes segundo o crivo do legislador.”

Tal documento foi subscrito por ninguém menos que Paulo Bonavides, Celso Antonio Bandeira de Mello, Fabio Konder Comparato e Dalmo de Abreu Dallari. Além destes, também o assinam os presidentes do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (junto com onze ex-presidentes daquele conselho), da Associação dos Magistrados Brasileiros, da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, da Associação Nacional dos Procuradores da República e da Associação dos Juízes Federais. Outros acadêmicos e autores de obras jurídicas estavam na lista de responsáveis pela edição do manifesto.

Em resumo, o Supremo Tribunal Federal precisa apenas seguir os seus próprios precedentes para afirmar a plena compatibilidade da Lei da Ficha Limpa com a Constituição da República. Se desejar seguir caminho inverso, terá que realizar a tarefa de dizer que inelegibilidade é pena de natureza criminal, malferindo assim os rudimentos da Teoria do Direito e a sua própria jurisprudência.


* Juiz de Direito no Maranhão, membro do Comitê Nacional do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, um dos redatores da minuta da Lei da Ficha Limpa, coordenador e professor em cursos de pós-graduação, palestrante e conferencista.

domingo, 11 de setembro de 2011

Brasil : OAB propõe ADI contra regime jurídico do financiamento eleitoral

    O Conselho Federal da OAB ajuizou em 5/9 perante o STF Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar. A entidade sustenta que os principais pilares sobre os quais se assenta a atual disciplina do financiamento eleitoral afrontam a Constituição.
Os dispositivos impugnados da Lei das Eleições e da Lei dos Partidos Políticos são os que admitem as doações de pessoas jurídicas para candidatos, partidos e para o Fundo Partidário, os que fixam o limite das doações de pessoas físicas em porcentagem da renda auferida pelo doador no ano anterior ao ano da eleição, e os que não fixam limites para o uso de recursos próprios do candidato.
A petição começa por evocar o alto custo das campanhas eleitorais nas sociedades de massas e a consequente dependência da política em relação ao poder econômico ; qualifica essa interação como nefasta para a democracia, por engendrar desigualdade política e vínculos perniciosos entre doadores e políticos. Ressalta a importância da disciplina do financiamento eleitoral para corrigir essas mazelas e dar efetividade aos princípios constitucionais da igualdade, da democracia, e da República.
Sustenta que as doações de pessoas jurídicas para partidos e candidatos, admitidas atualmente, violam a Constituição, por não serem as pessoas jurídicas titulares de direitos políticos.
Quanto às doações das pessoas físicas, defende que o teto deve ser fixo e igual para todos, e não proporcional aos rendimentos, para que a desigualdade econômica não se converta, automaticamente, em desigualdade política. Propõe um diálogo interinstitucional entre o STF e o Congresso, para evitar a criação de uma “lacuna jurídica ameaçadora”, decorrente da ausência de parâmetros para limitar esse tipo de doação. Pede que seja o Congresso exortado a estabelecer, em até 18 meses, um limite uniforme para doações de pessoas físicas e para o uso em campanha de recursos próprios dos candidatos.
Considera que ineficácia social das normas que regem o financiamento eleitoral, consubstanciada na prática do “caixa 2” , não impede que se busque aperfeiçoar o arcabouço normativo vigente. Argumenta que é preciso conjugar as estratégias de coibir os abusos e de alterar o marco normativo vigente.
Demonstra a inconstitucionalidade dos preceitos legais questionados confrontando-os com o princípio da igualdade, da democracia e da República. Argumenta que ocorre violação do princípio da proporcionalidade não apenas quando a ação estatal é excessiva, mas também quando ela se apresenta manifestamente deficiente.
Repele o argumento de que o ato de doar para campanhas eleitorais seria uma forma de exercer a liberdade de expressão, uma vez que os grandes doadores costumam doar simultaneamente para candidatos rivais.
Aduz que o controle de constitucionalidade recai sobre a norma que resulta da interpretação do texto legal, de modo que nada impede que seja declarada a invalidade das normas que permitem, a contrario sensu, as doações das pessoas jurídicas a partidos e candidatos.
Pede que sejam atribuídos efeitos ex nunc à declaração de inconstitucionalidade, e que seja fixado um termo final para a eficácia das normas questionadas, permitindo que nesse ínterim os órgãos competentes editem novo ato normativo sem os vícios apontados.
Indica as razões para uma enérgica intervenção da jurisdição constitucional : importância da matéria como pressuposto do funcionamento da democracia; maior imparcialidade do Poder Judiciário do que de representantes eleitos para tratar da matéria; e maior vulnerabilidade dos cidadãos destituídos de poder econômico.
Requer seja concedida medida cautelar com o fito de suspender até o julgamento definitivo da ação a eficácia das normas impugnadas.
Pede a procedência do pedido de mérito para que seja declarada a inconstitucionalidade das normas impugnadas e para que seja instado o Congresso Nacional a editar em até 18 meses legislação que fixe limite per capita uniforme para as doações das pessoas físicas e que restrinja o uso de recursos próprios de candidatos em campanhas eleitorais, sob pena de se atribuir ao TSE competência para regular provisoriamente a questão.
             

domingo, 4 de setembro de 2011

Brasil : OAB decide questionar constitucionalidade de doações de pessoas jurídicas a partidos e candidatos


          Diferentemente do que se passa na França e nas eleições federais americanas, no Brasil tanto a Lei nº 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos) quanto a Lei nº 9.504/97 (Lei das Eleições) admitem que pessoas jurídicas façam doações a partidos e candidatos. Além de representarem essas doações significativa influência do poder econômico nas eleições, vedada pela Constituição, a permissão contraria a Constituição também por macular o princípio da moralidade para o exercício do mandato, pois as doações atuam como um “investimento” com expectativa de retorno sob a forma de decisões governamentais, em detrimento do bem comum.  Por todas essas razões é que a OAB decidiu em 22/8 propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o STF para questionar a constitucionalidade dos dispositivos das referidas leis que admitem esse tipo de doação.
            Leia matéria do Estadão :

OAB pede veto a doações eleitorais de empresas
23 de agosto de 2011 | 0h 00

- O Estado de S.Paulo
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) decidiu ontem pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) que proíba empresas de fazerem doações para campanhas eleitorais. A entidade quer que o STF declare inconstitucionais dispositivos da legislação eleitoral que autorizam esse tipo de doação.
De acordo com a OAB, as contribuições financeiras por empresas são uma forma de incentivo à corrupção, ao tráfico de influência e à supremacia do poder econômico sobre o político.
"Procuramos com este ato dar uma pancada forte na corrupção, atacando esse comprometimento, essa promiscuidade entre empresas e candidatos já a partir das campanhas eleitorais", afirmou o presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante. "A experiência dos últimos anos tem mostrado diuturnamente que grande parte do dinheiro investido nas campanhas é depois subtraído dos cofres públicos."
No Supremo, a OAB vai defender que as legislações que permitem o financiamento por empresas violam artigos da Constituição que estabelecem os princípios democrático, republicano, da igualdade e da proporcionalidade. Pessoas jurídicas podem fazer doações, mas ficam restritas a 2% do faturamento bruto do ano anterior à eleição. 

domingo, 21 de agosto de 2011

EUA : Estados alteram regras da eleição presidencial

Está em curso atualmente nos EUA uma mudança na legislação eleitoral de diversos Estados que pode alterar o modo de funcionamento do colégio eleitoral que elege o presidente.
       O regime jurídico da eleição presidencial americana resulta da concatenação de normas federais e estaduais. Até hoje, as leis eleitorais da maioria dos Estados determinam que quando um candidato vence a eleição popular no Estado, em novembro, são eleitos para votar no colégio eleitoral, em dezembro, todos os grandes eleitores que representam esse candidato, independentemente da quantidade de votos populares a mais que garantiram a sua vitória no Estado (winner-take-all), e independentemente de ter esse candidato ganho ou perdido a votação popular em todo o país.      
     Esse sistema acarreta o risco de ser eleito presidente pelo colégio eleitoral um candidato diferente daquele que obteve o maior número de votos populares na contagem nacional. Basta que o candidato vença a eleição popular num Estado populoso por uma pequena diferença, assegurando assim para si o voto de todos os grandes eleitores desse Estado no colégio eleitoral, mesmo que tenha perdido na soma total dos votos populares em todo o país.
         Além desse risco, essa regra tende a predispor os candidatos a concentrar seus esforços de campanha nos Estados em que o resultado da eleição ainda não está definido (doubtful states), e onde eles têm concreta chance de eleger todos os grandes eleitores do seu lado, terminando por ignorar os Estados que parecem solidamente favoráveis a um ou outro candidato.
    Todos esses inconvenientes estão levando diversos Estados a mudar suas regras eleitorais, no sentido de que votem pelo Estado no colégio eleitoral os grandes eleitores que representam o candidato vitorioso na eleição popular nacional, e não mais o vitorioso na eleição popular estadual.
        A chamada Lei do Voto Nacional Popular (National Popular Vote) já  entrou em vigor em 9 Estados, que representam 132 votos no colégio eleitoral (Vermont, 3 votos ; Maryland, 10 votos ; Washington, 12 votos; Illinois, 20 votos; Nova Jersey, 14 votos ; Washington DC, 3 votos ; Massachusetts, 11 votos; California, 55 votos ; Havaí, 4 votos).
        Para que um candidato vença a eleição presidencial no colégio eleitoral é preciso obter a maioria absoluta, isto é, 270 votos.

domingo, 24 de julho de 2011

EUA : Redistritalização – Califórnia evita gerrymandering

            A cada dez anos, é realizado um censo populacional nos EUA. Para que o princípio “uma pessoa, um voto” seja respeitado, é preciso que todos os distritos destinados à eleição dos deputados federais e dos deputados e senadores estaduais tenham o mesmo número de habitantes. Em razão das alterações populacionais que ocorrem em uma década, a cada dez anos é preciso redesenhar os contornos dos distritos.
            Desde 1812, quando o neologismo “gerrymandering” foi criado por um jornal, em razão da manipulação dos contornos de um distrito pela base de apoio do então governador de Massachusetts Elbridge Gerry, instaurou-se na política americana a prática de manipular os contornos dos distritos com propósitos eleitorais.
Como na maioria dos Estados, até hoje, o redesenho dos distritos incumbe às Assembléias Legislativas, o partido majoritário na Assembléia, seja ele o Republicano ou o Democrata, tende a desenhar os distritos com base nos mapas eleitorais, de modo a assegurar que os seus eleitores sejam maioria em todos os distritos. Mesmo que para tanto seja preciso desenhar distritos com formatos absurdos.
A Califórnia, o mais populoso Estado dos EUA, é um dos quatro Estados americanos que recentemente retiraram a atribuição de redesenhar os distritos da Assembléia Legislativa e passaram essa incumbência a uma comissão independente.
            A comissão independente que redesenhará os distritos na Califórnia é composta por 14 membros, escolhidos segundo critérios que levam em conta capacidade analítica, imparcialidade e diversidade. São 5 Democratas, 5 Republicanos e 4 independentes. Esses 14 membros passaram por um processo de escolha complexo, tendo tido que preencher algumas condições : ter votado em pelo menos duas das últimas três eleições de âmbito estadual ; não ter mudado de filiação partidária nos últimos cinco anos, pelo menos ; nenhum dos comissários nem seus familiares próximos podem ter sido, nos últimos dez anos, candidato a cargo eletivo federal ou estadual, ou membro do comitê central de um partido ; nem ter trabalhado profissionalmente junto a candidato a cargo eletivo federal ou estadual ou partido político ; nem ter sido lobista registrado ou assessor junto ao Poder Legislativo ; nem ter doado mais de US$ 2.000,00 para a campanha de um candidato eleito. Além disso, nenhum comissário nem seus familiares próximos podem atuar como funcionários, consultores ou contratantes junto ao governo federal ou estadual enquanto estiver exercendo suas funções na comissão.
A Califórnia é talvez o Estado que levou mais longe o esforço para evitar o gerrymandering, fenômeno altamente nocivo para a democracia por assegurar a perpetuação de um partido no poder. Porém, na maior parte dos Estados americanos a redistritalização continua a cargo das Assembléias legislativas, com grande risco de se manter essa prática.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

França : Primárias cidadãs do Partido Socialista

            Para definir quem será o seu candidato ou candidata a presidente da República na eleição de 2012, o Partido Socialista francês, principal partido de oposição ao governo do presidente Nicolas Sarkozy, decidiu adotar um método inédito em sua história : a realização de primárias ditas “cidadãs”, isto é, abertas a todos os eleitores, tal como acontece nos EUA em numerosos Estados.
            De fato, o voto nas primárias “abertas e populares” do Partido Socialista, que ocorrerão em outubro próximo, não será restrito aos filiados ao partido. Poderão votar todos os eleitores alistados no cadastro de eleitores. Na França têm o direito de se alistar e votar todos os nacionais franceses maiores de 18 anos, gozando de seus direitos civis e políticos e que não se enquadrem em nenhum caso de incapacidade previsto pela lei.
            Além dos nacionais franceses devidamente alistados no cadastro de eleitores, poderão votar nas primárias do PS também os estrangeiros que preencherem simultaneamente os seguintes requisitos: ser titular de visto de residência, estar filiado ao partido até 31 de maio, e se inscrever até 31 de julho no site das primárias.
            No momento da votação nas primárias do PS será preciso pagar uma taxa de 1 euro no mínimo (no máximo 150 euros em espécie), para financiar sua organização, e também assinar um documento declarando a adesão aos valores da esquerda.
         A pergunta mais óbvia é se não haveria o risco de comparecimento maciço de eleitores de direita, com a intenção de conduzir à escolha do candidato socialista mais fraco nas urnas. Esse risco é refutado pelos dirigentes do PS, que invocam experiências estrangeiras reveladoras da impossibilidade de adulterar um exercício democrático que envolve milhões de participantes, concluindo que “o grande número protege a primária”.
            Os candidatos às eleições primárias deverão se apresentar entre 28 de junho e 13 de julho. Dentre esses, só estarão aptos a concorrer os que demonstrarem ter um mínimo de legitimidade, o que se prova não apenas pela filiação partidária, mas também pela apresentação de uma lista contendo as assinaturas ou de 5% dos parlamentares socialistas (17 assinaturas) ou de 5% dos membros titulares do Conselho Nacional (instância de decisão partidária) (16 assinaturas) ou de 5% dos conselheiros regionais ou conselheiros gerais socialistas (100 assinaturas), oriundos de pelo menos 10 departamentos e 4 regiões, ou 5% dos prefeitos socialistas de municípios com mais de 10.000 habitantes (16 assinaturas) de pelo menos 4 regiões. Cada uma dessas autoridades pode apoiar uma única candidatura.  
A validação das candidaturas compete à Alta Autoridade, instância partidária constituída de três personalidades incontestáveis, que em 20 de julho declarará os nomes dos concorrentes. Uma vez realizada a primária, nos dias 9 e 16 de outubro (se houver dois turnos), incumbirá também à Alta Autoridade a proclamação do resultado. Além da Alta Autoridade, há outras duas instâncias partidárias nacionais incumbidas da administração das primárias: o Comitê Nacional de Organização das Primárias e o Comitê Técnico de Organização das Primárias. No âmbito departamental, atuarão o Comitê Departamental de Organização das Primárias e o Comitê Departamental de Apuração dos Votos.
A eleição presidencial francesa se realizará nos dias 22 de abril e 6 de maio de 2012.


sexta-feira, 6 de maio de 2011

Estados Unidos : Início da campanha para a eleição presidencial de 2012

Em 4 de abril deste ano, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, iniciou sua campanha pela reeleição, 19 meses antes do pleito, a se realizar em 6 de novembro de 2012.
Os Estados Unidos não conhecem a noção de propaganda antecipada tal como existe no Brasil. No Brasil antes de 6 de julho do ano da eleição toda propaganda eleitoral é extemporânea, antecipada, vedada pela legislação, sujeitando os infratores a pena de multa.
O legislador brasileiro optou pelo banimento da propaganda eleitoral antes de 6 de julho para conferir igualdade a todas as campanhas, e também para limitar a duração das campanhas, impedindo que elas se antecipem muito e se tornem demasiado caras, o que só pode ser suportando pelos grandes partidos.
Essa noção de propaganda antecipada não existe nos Estados Unidos. Inclusive não há sequer uma data fixa e igual para todos para o início da campanha para as primárias.
As primárias são eleições prévias, organizadas pelo poder público tanto quanto as eleições gerais, mas que são destinadas a escolher os candidatos dos partidos que vão concorrer à eleição presidencial geral.
A maioria dos Estados norte-americanos realiza eleições primárias para escolher os candidatos a presidente de cada partido. Como isso funciona ? Em cada Estado, os eleitores assinalam na cédula o nome do candidato de sua preferência. Quando um candidato vence a eleição primária, na realidade é eleita a lista de delegados que vão votar na convenção nacional do partido,  lista essa comprometida com o candidato que venceu a eleição primária naquele Estado.
Quanto ao eleitorado que vota nas eleições primárias, existem as primárias abertas e as primárias fechadas. Nas primárias abertas votam todos os eleitores, independentemente da filiação partidária. Nas primárias fechadas votam apenas os que declararam, no momento do alistamento eleitoral, filiação ao partido político em questão. Existem ainda as primárias semi abertas, nas quais votam os filiados e os independentes.
            Como dito as primárias são eleições tanto quanto as eleições gerais, no sentido de que são organizadas pelo poder público e sua realização é prevista e disciplinada, para cada partido político especificamente, pelo Código Eleitoral estadual.
Até o presente momento o presidente Obama não tem concorrentes para as primárias do Partido Democrata.
A campanha para as primárias tem início um ano antes da primeira eleição primária, que ocorre em New Hampshire. Em 2008 ocorreu em 8 de janeiro. Ou seja, quase dois anos antes da eleição geral (que ocorre em novembro). Durante a campanha para as primárias já há grande exposição dos candidatos na mídia, além da compra de espaços para propaganda eleitoral no rádio e na TV. A maioria das primárias ocorre numa mesma “super terça-feira” de fevereiro ou março do ano da eleição.
O cidadão que decide concorrer começa a viajar por seu Estado, como eles dizem para “testar as águas”, isto é, apurar a viabilidade da candidatura, e quando sua campanha atinge US$ 5.000,00 em arrecadação ou em gastos, ele passa a ter que se registrar junto à FEC (Federal Election Commission) e se torna aspirante a aparecer na cédula da eleição primária do seu partido.
Obama já registrou sua candidatura junto à FEC, e já deu início à arrecadação de doações.
Não são todos que se lançam dessa maneira que vão aparecer na cédula da eleição primária do partido no Estado. Existem outros requisitos, como ser escolhido pelo secretário de Estado, em caso de notoriedade, ou apresentar um abaixo-assinado com um certo número de assinaturas. Isso é previsto pelas ballot access laws, que são disposições de leis estaduais que fixam os requisitos para aparecer na cédula das eleições primárias, consideradas por alguns como sendo muito restritivas. 
Alguns Estados escolhem os delegados que vão votar na convenção não por eleições primárias, mas por meio de caucuses, que não são eleições organizadas pelo poder público e sim reuniões fechadas dos membros do partido.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Brasil: Para esquecer o voto distrital, por Marlon Reis*

“O voto distrital é um sistema de seleção de poderosos, não de inclusão política dos diversos segmentos sociais”
 
Antes de tudo, peço-lhe que abra mão de ideias preconcebidas. Esqueça os sistemas eleitorais dos outros países e pense no Brasil como você o conhece. Compare-o com o que lerá adiante. Pense. Então decida se é isso mesmo o que você quer para o nosso país.

                                           *  *  *

Imagine o seu município dividido em distritos eleitorais. Considere que serão tantos distritos quantas são as vagas em disputa para a Câmara de Vereadores. Sua cidade e a zona rural estarão recortadas em unidades políticas que incluirão diversos bairros e, às vezes, vilas e povoados. Agora responda: quem serão os eleitos em cada um desses distritos? Resposta: vencerão os poderosos locais.

Esse é o rosto desnudado do voto distrital. Nele, vence o mais forte. As Câmaras de Vereadores ficarão cheias de aliados do prefeito. Quem votará nos candidatos de oposição, que nada poderão conseguir com o prefeito, responsável pela execução do orçamento? Imaginando que ainda assim um ou outro oposicionista consiga vencer a terrível disputa contra a situação, resta imaginar quanto tempo ele resistirá antes de ceder e ingressar na situação, como forma de garantir "benefícios" para sua comunidade e assegurar sua reeleição futura.

Se um sistema não funciona bem no âmbito local, não pode servir também em esferas mais elevadas.

É preciso discutir o mito de que o voto distrital ‘aproxima o eleito dos seus eleitores”. Esse lugar-comum carrega consigo inúmeros perigos, bem conhecidos de muitos políticos tradicionais que o defendem, mas ignorados por grande número de brasileiros que vêm propondo de boa-fé a implantação, entre nós, desse sistema.

A adoção do voto distrital - ou da sua versão mais perversa, o “distritão” - teria um efeito prático inevitável: o sufocamento político das minorias e grupos de oposição.

Os partidos políticos, hoje já relegados a um plano secundário, teriam ainda mais reduzida sua pequena influência, já que nesse sistema a eleição se baseia exclusivamente na personalidade do candidato, com franco prejuízo para a construção de identidades políticas e ideologias desenvolvidas coletivamente.

Num país com uma história marcada por vínculos clientelistas, a introdução de sistemas eleitorais baseados no culto à personalidade constituiria um grave dano para a democracia, com sérias repercussões nos campos social e econômico.

O voto distrital, quando adotado em democracias recentes, não facilita o controle social dos mandatos, mas o clientelismo. Nesse modelo, os patronos assumem o comando político dos distritos. Sua reeleição, sem limites, torna-se cada vez mais simples à medida em que a oposição vai percebendo que não adianta disputar com quem detém o poder político e econômico num reduto concentrado.

O distrito é, assim, o reconhecimento oficial do reduto. Ele é o ambiente perfeito para a compra de votos, prática infelizmente comum em nosso país. Só para se ter uma ideia, quarenta e três por cento dos entrevistados em uma pesquisa realizada pelo IBOPE/AMB em 2010 afirmaram conhecer casos de políticos que compram votos. E quarenta e um por cento disseram conhecer pessoas que votaram em troca de benefícios pessoais.

Práticas políticas baseadas na outorga efetiva ou prometida de ofertas personalistas são encontradas em todos os estados brasileiros. Os agentes desse comércio são chefes políticos locais que mantêm o eleitorado sob vínculos de dependência mais ou menos sofisticados. A moeda de troca pode ser uma dentadura ou a promessa de legalização de um condomínio de luxo construído em área ilegal. Esse intercâmbio de favores é a tônica da política realizada em âmbito local.

Muitos se queixam hoje do fato de que alguns parlamentares recebem grande número de votos em um lugar onde sequer fizeram campanha. Pensam que o voto distrital seria capaz de solucionar esse problema, vinculando o eleito ao distrito. Nem para isso esse modelo serve.

A conquista de votos por candidatos sem base na comunidade, tal como ocorre hoje, é o fruto da ação de mercadores de votos (cabos eleitorais, líderes associativos, prefeitos, vereadores etc.) que atuam em redutos eleitorais determinados. A cada eleição, o "passe" desses agentes vai se tornando mais caro, expulsando dos mandatos políticos vocacionados que não aceitam essa condição. No sistema atual esses patronos locais não possuem na sua comunidade votos suficientes para serem eleitos, pois a circunscrição é todo o estado. Mas, se o país for dividido em distritos, o problema estará resolvido: esses mercadores se converterão eles mesmos em nossos deputados.

Por outro lado, deputados federais eleitos em distritos assumiriam a condição de meros despachantes de interesses locais, empenhados apenas em carrear recursos para o distrito, conferindo importância secundária aos debates estratégicos de interesse da nação. Isso faria com que o debate eleitoral se amesquinhasse, com os candidatos tentando demonstrar quem pode "trazer mais coisas de Brasília". Seriam quinhentos e treze “Vereadores Federais” na capital federal.

A lógica dos eleitores passaria a ser a seguinte: quem entre os candidatos poderá angariar mais vantagens para o distrito? Obviamente, saem na frente os políticos ligados ao governo, pois no nosso sistema constitucional é o Executivo quem dá a palavra final sobre a destinação das verbas. Votar num oposicionista é correr o risco de ver a comunidade alijada de novos investimentos públicos.

O voto distrital também tem o demérito de reduzir a política a um debate bipolar entre governistas e antigovernistas. Na votação majoritária – modelo adotado no sistema distrital – vence o que obtém mais apoios, ou seja, não há espaços para os portadores de bandeiras específicas, tais como ambientalistas, feministas e defensores dos direitos humanos. Índios, negros e mulheres veriam ainda mais reduzida a sua possibilidade de eleição, já que a votação adotada serve para verificar quem é capaz de arregimentar o maior número de votos.

O voto distrital é um sistema de seleção de poderosos, não de inclusão política dos diversos segmentos sociais.

Milhões de votos concedidos aos candidatos derrotados ficam sem nenhuma importância. É possível que a oposição fique com quarenta por cento dos votos nas eleições nacionais e que isso se converta, mesmo assim, em pouquíssimas cadeiras no Parlamento.

Agora vamos pensar em qualquer político escandaloso, daqueles que nos provocam sensações de repugnância ou indignação quando nos lembramos que estão entre os nossos dirigentes. Felizmente, são poucos. Pois bem, com o voto distrital esse nosso "herói" terá seus problemas definitivamente resolvidos. Bastará se vincular ao principal reduto eleitoral (eles os têm, em grande número), espaço onde continuará sendo eleito e reeleito com grande tranquilidade.

Outro problema para as oposições no voto distrital é o favorecimento da perseguição aos líderes oposicionistas. O distrito, para a liderança oposicionista de destaque, converte-se na sua prisão, para a qual se dirigem todas as forças políticas do governo. Todas as energias são dedicadas à derrota dos adversários mais ilustres. Considerando-se que esse esforço é empreendido por quem está no poder, pode-se imaginar o resultado.

Ainda temos que lembrar o Gerrymandering. Pode parecer algo chato, mas é até divertido. A origem desse termo se deve à observação feita por um cartunista sobre o formato adquirido por um distrito em Massachussets. De tão alterado para beneficiar o governador, Elbridge Gerry, ficou parecido com uma salamandra (salamander). O editor do jornal apelidou o distrito deGerrymander, numa piada com o nome do governante.

Pois bem, quando fui ouvido pela Comissão Especial da Câmara que trata da Reforma Política, um deputado me perguntou: se for aprovado o voto distrital, quem definirá como serão desenhados os distritos? Respondi: "a maioria". Isso mesmo. Quem diz onde fica cada distrito é quem tem maioria suficiente para isso no Congresso. Acontece que a área de abrangência do distrito pode definir a sorte ou o azar dos candidatos. Um simples bairro a mais incluído em um distrito pode mudar o resultado do pleito. Se um distrito abrange duas cidades, o eleito pode ser um; mas se for incluído um terceiro município, a eleição pode terminar de forma bem diferente. Pergunto: você acha que os distritos terão seus desenhos definidos de forma neutra? 

Fico muito admirado quando vejo oposicionistas aceitando a idéia do voto distrital. Esse modelo foi adotado no Brasil desde os tempos de colônia até a República Velha, tendo sido abolido justamente por inviabilizar a presença da oposição no Parlamento em níveis aceitáveis. O voto proporcional foi adotado como forma de assegurar a participação das minorias. É uma conquista histórica da qual não podemos abrir mão.

Enfim, existem muitos outros motivos para que você esqueça o voto distrital, mesmo na sua forma envergonhada, o voto distrital misto, que é uma maneira de entregar "apenas" metade das cadeiras parlamentares aos patronos e caciques locais.

Pense nisso: é isso o que você realmente quer para o Brasil?

* Juiz de Direito no Maranhão, membro do Comitê Nacional do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, um dos redatores da minuta da Lei da Ficha Limpa, coordenador e professor em cursos de pós-graduação, palestrante e conferencista.

quarta-feira, 2 de março de 2011

França: Eleições cantonais

        Diferentemente do Brasil e dos Estados Unidos, a França é um Estado unitário e não federal. Porém, a administração é descentralizada. Na França há três esferas administrativas : as comunas, os departamentos e as regiões. As atribuições administrativas das comunas são exercidas pelos Conselhos Municipais, as dos departamentos pelos Conselhos Gerais e as das regiões pelos Conselhos Regionais.
            Neste mês de março, nos dias 20 e 27, haverá eleições para renovar os Conselhos Gerais dos departamentos. A eleição dos conselheiros gerais é denominada “eleição cantonal” porque essa eleição é majoritária uninominal (que nós no Brasil denominamos “distrital”). Assim, cada departamento é dividido em tantas circunscrições (ou distritos) quantos são os conselheiros a eleger. Essas circunscrições ou distritos são denominados “cantões” (cantons), e cada cantão elege um conselheiro geral.
            Para que um candidato a conselheiro geral em dado cantão vença a eleição no primeiro turno (que ocorrerá no dia 20 de março próximo), é preciso obter a maioria absoluta dos votos válidos, isto é, o primeiro número inteiro acima da metade. Como o voto na França é facultativo, o Código Eleitoral francês exige também que o candidato obtenha número de votos equivalente a no mínimo um quarto dos eleitores inscritos.
            Do segundo turno (previsto para o dia 27 de março) participam todos os candidatos que tenham obtido no primeiro turno número de votos equivalente a pelo menos 12,5 % dos eleitores inscritos no cantão, o que significa que pode haver mais de dois candidatos concorrendo no segundo turno. Por conseguinte, para vencer no segundo turno basta obter a maioria simples.
            Os Conselhos Gerais dos departamentos foram até hoje renovados pela metade de três em três anos, tendo o mandato dos conselheiros gerais duração de seis anos.
           Porém o mandato dos conselheiros gerais que serão eleitos neste mês terá duração menor, de apenas três anos, em razão da reforma das coletividades territoriais instituída pela Lei nº 2010-1563, de 16 de dezembro de 2010. Essa reforma criou os conselheiros territoriais, que serão eleitos em março de 2014 e substituirão os conselheiros gerais. Os conselheiros territoriais vão atuar simultaneamente nos Conselhos Gerais dos departamentos e nos Conselhos Regionais.
Os conselheiros territoriais de cada departamento serão eleitos integralmente de seis em seis anos, também pelo método majoritário uninominal, em dois turnos. Os contornos dos cantões serão redesenhados pelo Ministério do Interior.
O objetivo declarado da reforma é reforçar a complementaridade nas ações dos departamentos e das regiões. Ela terá também o efeito de reduzir o gasto público, uma vez que no lugar dos 6000 conselheiros gerais e regionais que existem atualmente serão eleitos 3500 conselheiros territoriais. A medida é objeto de controvérsia.

terça-feira, 1 de março de 2011

Brasil - Câmara instala hoje comissão para discutir reforma política

Da Agência Câmara 
Em Brasília

Será instalada hoje, ao meio-dia, no plenário, a comissão especial que vai discutir cerca de 100 projetos de reforma política em tramitação na Câmara. Os 40 deputados indicados pelos líderes para integrar a comissão terão 180 dias para buscar um consenso sobre temas polêmicos, como o financiamento público de campanhas, o fim das coligações, a cláusula de desempenho para partidos e o sistema de listas fechadas, entre outra mudanças nas regras eleitorais. Se forem aprovadas até outubro deste ano, algumas alterações já poderão ser aplicadas nas eleições municipais de 2012.
Para o líder do PSDB, deputado Duarte Nogueira (SP), é fundamental que as divergências não inviabilizem o andamento dos trabalhos da comissão. "Queremos que a reforma política seja feita. Se não for possível um consenso, vamos buscar a maioria em torno de um parecer e levar esse assunto para o Plenário, para que lá as partes mais polêmicas sejam acertadas no voto", afirmou.
Na última semana, o Senado também instalou uma comissão para elaborar uma proposta de reforma política. Na ocasião, o presidente da Câmara, Marco Maia, esclareceu que as comissões trabalharão de forma autônoma. "Vamos fazer o debate na Câmara, eles no Senado e lá na frente vamos juntar as duas propostas", explicou.

"Distritão"

Embora ainda não haja nenhuma proposta concreta, os senadores têm defendido mudanças nas regras de eleição de deputados e vereadores, como a substituição do sistema proporcional pelo modelo distrital majoritário, na forma do que foi apelidado de "distritão". A proposta é criticada pela maioria dos líderes partidários da Câmara e deve fazer parte das discussões da comissão especial.
O fim do sistema proporcional também foi defendido no último dia 16 pelo vice-presidente da República, Michel Temer, durante reunião do PMDB.
Atualmente, os integrantes da Câmara são eleitos de pelo sistema proporcional, no qual o número de vagas de cada partido depende do número de votos que todos os candidatos do partido receberam, mais os votos de legenda. Pela proposta do "distritão", cada estado seria transformado em um distrito e elegeria seus deputados pelo sistema majoritário, no qual são eleitos os candidatos mais votados.
O objetivo seria evitar a distorção causada pelos "puxadores de voto", candidatos com votação expressiva que, sozinhos, garantem a vaga de outros deputados com pequena votação. Na avaliação dos líderes partidários, no entanto, o "distritão" vai enfraquecer os partidos. "Ele acentua o personalismo, enfraquece os partidos e aumenta a força do poder econômico nas eleições", opinou o líder do PT, Paulo Teixeira (SP).
"Transformar o estado em um distrito e eleger os mais votados sem levar em consideração a questão partidária é algo que precisa ser mais bem discutido", disse o líder do PSDB, Duarte Nogueira (SP). O líder do Democratas, Antonio Carlos Magalhães Neto (BA), também disse ser contrário à proposta.
A alternativa apresentada pelos líderes para diminuir o impacto dos candidatos com votação expressiva é a adoção dos sistema de lista fechada. Nesse modelo, o eleitor deixa de votar no candidato e passa a votar no partido, que distribui as vagas de acordo com uma lista predefinida.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Estados Unidos: Censo decenal e redistribuição das cadeiras na Câmara

A Constituição dos Estados Unidos prevê a realização de um censo populacional a cada dez anos, a fim de redistribuir entre os Estados, proporcionalmente ao número de habitantes de cada Estado, as 435 cadeiras na Câmara dos Deputados (Artigo I, Seção 2). A redistribuição das cadeiras em virtude da alteração populacional constatada pelo censo é denominada reapportionment.
2010 foi ano de censo decenal nos EUA, e no fim do ano, em 21.12.2010, o órgão federal incumbido de realizar o censo (US Census Bureau) entregou os resultados do 23º censo decenal ao presidente Obama.
Dos 50 Estados norte-americanos, o mais populoso é a Califórnia, com 37.253.956 habitantes. O menos populoso, Wyoming, com 563.626. A população total dos EUA é de 308.745.538 habitantes.  
            No total, 12 cadeiras na Câmara dos Deputados (US House of Representatives) mudaram de Estado, afetando 18 Estados. Oito Estados (Arizona, Flórida, Geórgia, Nevada, Carolina do Sul, Texas, Utah e Washington) vão ganhar cadeiras. Texas é o Estado com maior acréscimo, ganhando 4 cadeiras. A Flórida é outro Estado a ganhar mais de uma cadeira, com dois novos assentos na Câmara.
            Dez Estados vão perder cadeiras: Illinois, Iowa, Louisiana, Massachusetts, Michigan, Missouri, Nova Jersey, Nova York, Ohio e Pennsylvania. Destes, Nova York e Ohio perderão duas ; os outros Estados, uma.
             Os demais Estados mantiveram o mesmo número de cadeiras.
            O cálculo para distribuição das cadeiras segue uma fórmula definida pelo Congresso, em conformidade com o que estabelece o Título 2 do US Code, que manda dividir entre os Estados as 435 cadeiras na Câmara dos Deputados. A nova distribuição de cadeiras vai valer para a Câmara que será eleita em 2012.
O sistema eleitoral para eleição dos deputados nos Estados Unidos é distrital, isto é, majoritário uninominal. Cada Estado é dividido em tantos distritos quantas são as cadeiras de que dispõe na Câmara, e cada distrito elege um deputado, por maioria simples.
Com base nos dados do censo de 2010, cada deputado federal nos EUA passa a representar, em média, em torno de 710.767 pessoas, número que corresponderá à população de cada distrito, a partir da eleição de 2012. No ano seguinte ao censo decenal os contornos desses distritos são redesenhados, para que todos os distritos tenham todos o mesmo número de habitantes e o princípio “uma pessoa, um voto” seja respeitado.
            Portanto, este ano de 2011 é ano de redistritalização. Entre os meses de fevereiro e março, o US Census Bureau vai transmitir os dados demográficos coletados em 2010 aos Estados, para que os governos estaduais possam dar início ao processo de redistritalização.