terça-feira, 30 de junho de 2015

Brasil : Doações para campanhas eleitorais (1) – o sistema vigente

         Trata-se de um dos temas mais polêmicos quando o assunto é reforma política. Todos sabem que as campanhas eleitorais são caras, o que torna os políticos suscetíveis de ceder a interesses particulares no exercício de seu múnus público, para assegurar o fluxo de recursos privados para suas campanhas. Embora essa realidade seja já e cada vez mais bem conhecida, tem faltado efetiva pressão popular no sentido de vedar as doações empresariais, proposta que encontra resistência no meio político. 
O sistema atualmente em vigor
            A vigente Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97) permite doações de pessoas físicas e jurídicas para campanhas eleitorais. Atualmente não há um teto fixo para essas doações, que são “limitadas”, entre aspas, por uma porcentagem dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior (10%), para as pessoas físicas (art. 23, § 1º, I), e por uma porcentagem do faturamento bruto do ano anterior (2%), para as pessoas jurídicas (art. 81, § 1º).
Assim, não apenas as pessoas físicas de maior renda e as empresas de maior faturamento têm o direito de doar mais, o que amplia a influência do poder econômico nas eleições, como também é de notar que, no caso das pessoas jurídicas, a lei sequer limita as doações a uma porcentagem do lucro líquido, que seria menor, mas sim do faturamento bruto. Como se sabe, os dois termos designam coisas distintas: o faturamento significa toda a receita (todas as faturas), enquanto que o lucro líquido é a receita deduzida das despesas e impostos.
Esse sistema é iníquo e institucionaliza a corrupção. 
          Um aspecto curioso a salientar é que, como dito, na Lei das Eleições, as doações das pessoas físicas são disciplinadas no art. 23 e as das pessoas jurídicas, no art. 81. O art. 23 está no capítulo da lei intitulado “Da Arrecadação e da Aplicação de Recursos nas Campanhas Eleitorais”. Já o art. 81 está no capítulo dedicado às Disposições Transitórias. Isso porque, já no ano de 1997, durante a elaboração da Lei das Eleições, considerava-se que a previsão das doações empresariais era provisória e que em breve seria instituído o financiamento público. Assim, logo no art. 79, que é o primeiro artigo das Disposições Transitórias, está dito que “o financiamento das campanhas eleitorais com recursos públicos será disciplinado em lei específica”. 

domingo, 28 de junho de 2015

EUA : A exigência de transparência nos gastos feitos por contratantes do governo federal com campanhas políticas

Na terça-feira da semana passada, dia 23/6, 130 parlamentares federais norte-americanos enviaram cartas ao presidente Obama requerendo que ele edite uma Ordem Executiva (Executive Order) pela qual empresas que têm contratos com o governo federal prestem informações sobre seus gastos com campanhas políticas.
Ordem Executiva é uma espécie de decreto do presidente da República pelo qual ele implementa ou interpreta uma lei federal, a Constituição ou um tratado. Em regra refere-se a questões relativas à rotina administrativa e a operações internas das agências federais.
            A lei eleitoral nos Estados Unidos veda as doações empresariais diretas a candidatos, mas desde 2010, por força da polêmica decisão da Suprema Corte no célebre caso Citizens United, ficou assentado que empresas também são titulares do direito à liberdade de expressão e por essa razão podem fazer gastos independentes (independent expenditures) para manifestar apoio ou rejeição a algum candidato, contanto que essas despesas sejam de fato independentes, isto é, não sejam feitas de modo coordenado com a campanha do candidato. São consideradas despesas coordenadas – do tipo vedado às pessoas jurídicas, além das doações diretas – aquelas que são feitas em cooperação, com o consentimento ou com consulta à campanha do candidato.
            As enfáticas cartas dos congressistas ao presidente Obama  reforçaram a campanha pela Executive Order que vem sendo empreendida por setores organizados da sociedade civil. Em abril, grupos de pressão se manifestaram em frente à Casa Branca e entregaram um abaixo-assinado contendo mais de meio milhão de assinaturas. No mesmo dia, ativistas em 30 Estados norte-americanos organizaram eventos pela edição da Executive Order . Além disso, mais de seis mil telefonemas foram dados à Casa Branca em um único dia no mesmo sentido.
Essa mobilização popular de fato é necessária. Desde a decisão Citizens United, de 2010, o volume do chamado dinheiro escuro (dark money) na política americana – gastos com política escondidos do público – cresceu dramaticamente. Com isso, perde clareza a real influência dos grandes doadores nas decisões de candidatos tornados titulares de mandato eletivo. Quando se trata de contratos com o governo federal, a oportunidade para corrupção é ainda maior e pode custar milhões aos contribuintes.
            No ano de 2014, o governo federal gastou cerca de US$ 460 bilhões com contratos com empresas privadas. 40% desse valor foi destinado a apenas 25 empresas. Com tanto dinheiro em jogo, o ímpeto de comprar influência sobre políticos com poder sobre esses contratos é obvio, porque, como relatam os grupos de pressão, o chamado pay-to-play funciona.
Os deputados federais afirmaram em sua carta que toda empresa que receba recursos oriundos dos impostos deveria ser obrigada a dar total publicidade aos seus gastos com política de maneira célere e acessível.

            Já os senadores abordaram o aspecto jurídico, sustentando que o problema das despesas feitas por contratantes do governo federal com campanhas políticas pode ser resolvido pelo próprio presidente sem necessidade de autorização do Congresso. Para eles, o presidente pode valer-se de sólida base jurídica para baixar uma Executive Order exigindo publicidade dos gastos com política por entidades que obtiveram contratos com o governo federal.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

França : Eleição legislativa em parte proporcional – uma promessa de campanha abandonada

            Na campanha eleitoral de 2012, o presidente François Hollande, então candidato, lançou um documento contendo 60 promessas de campanha. Na promessa nº 48, comprometia-se a promover a implantação do sistema proporcional para a eleição de uma parte das cadeiras da Assembleia Nacional (Câmara dos Deputados francesa).
            Ocorre que, passados três anos, a promessa não apenas não foi cumprida como foi claramente abandonada, como se pôde constatar pelo teor da declaração proferida no dia 6 deste mês pelo porta-voz do governo, Stéphane Le Foll, num programa de televisão : “Não chegou o momento de nos engajarmos por uma eleição em parte proporcional, porque não acredito que essa seja a expectativa dos franceses”.
            No entanto, há não mais do que dois meses, o próprio presidente francês afirmou, também na televisão, que a ideia ainda permanecia viável, vislumbrando o ano de 2016 como um horizonte possível para sua adoção (as próximas eleições legislativas na França ocorrerão em 2017).
            A proposta é apoiada por partidos pequenos, tanto de esquerda quanto de direita. Atualmente, o sistema eleitoral para eleição dos deputados na França é majoritário uninominal – que nós no Brasil chamamos de distrital. O país é dividido em tantos distritos quantos são os deputados a eleger, e cada distrito elege um deputado. Essa eleição na França hoje é feita em dois turnos, sendo que o requisito para participar do segundo turno é ter obtido ao menos 12,5% dos votos válidos no primeiro turno (o que significa que mais de dois candidatos podem ir para o segundo turno).
Esse sistema, introduzido pelo General De Gaulle em 1958 para pôr fim à instabilidade que marcou a IV República, favorece decisivamente os grandes partidos, e tem por objetivo constituir uma maioria sólida e disciplinada na Assembleia Nacional. Seu principal inconveniente é deixar sem representação partidos que têm um certo peso eleitoral, mas não o suficiente para vencer a eleição majoritária.
Para os opositores da mudança, o sistema proporcional levaria à instabilidade e à fragmentação da maioria. Por essa razão, a proposta de François Hollande não contemplava a mudança para todas as cadeiras, mas apenas para uma pequena parte delas, entre 10 e 20%. Como a Assembleia Nacional tem no máximo 577 deputados, isso representaria entre 58 e 116 cadeiras.

Uma dificuldade prevista para a adoção do novo sistema é que os distritos eleitorais para eleição dos deputados teriam que ser redesenhados. Além disso, parte dos constitucionalistas do país tem posto em dúvida a constitucionalidade da coexistência de dois tipos de deputados, uns eleitos pelo sistema majoritário e outros pelo sistema proporcional.

domingo, 21 de junho de 2015

EUA : O debate sobre a implantação do alistamento eleitoral automático e universal

            O tema está na ordem do dia nos EUA e divide especialistas e opinião pública: os EUA deveriam implantar o alistamento eleitoral automático e universal ? Isso significa que todo americano ao completar 18 anos seria automaticamente inscrito no cadastro de eleitores. Nos EUA, o alistamento eleitoral e o voto são facultativos, e o alistamento atualmente depende da iniciativa de cada indivíduo.
            A questão assume gigantescas proporções quando se considera que entre um quarto e um terço de todos dos norte-americanos que preenchem os requisitos para se alistar, ou seja, cerca de 50 milhões de pessoas, simplesmente não se inscreveram no cadastro de eleitores e não podem votar. Em sua maioria, trata-se de afro-descendentes, pobres e jovens.
            Em 5 de junho último, a pré-candidata à presidência dos EUA Hillary Clinton proferiu um discurso em defesa do alistamento eleitoral automático e universal na Texas Southern University, escola de tradicional maioria negra, que teve grande repercussão. Referindo-se aos concorrentes do Partido Republicano, decididos a dificultar o acesso ao voto dos cidadãos mais vulneráveis, Hillary indagou : “De que parte da democracia eles têm medo ?”
            Segundo editorial do jornal New York Times que repercutiu o discurso da pré-candidata, ainda nenhum Estado americano implantou o alistamento automático e universal ; mas o Estado do Oregon aproximou-se dessa meta ao aprovar uma lei, em março deste ano, que promove o alistamento eleitoral automático de todo cidadão portador de habilitação para dirigir.  A medida incluiu instantaneamente 300.000 novos eleitores no cadastro. Desde então, informa o artigo do NYT, 14 Estados estão cogitando da implantação de medidas similares, que transferem o ônus do alistamento eleitoral para o Estado.
            O principal argumento contrário ao alistamento automático e universal é o de que a medida promoveria a inclusão eleitoral de “idiotas cívicos”, isto é, pessoas sem interesse nas questões ligadas ao bem comum e à política. Entre os Republicanos há quem entenda que o ônus de se alistar é um “filtro democrático” que exige dos indivíduos ao menos uma mínima mobilização e favorece a formação de um eleitorado minimamente informado. 
           O mais grave a considerar, no entanto, é que as campanhas e o debate público nos EUA voltam-se maciçamente para os eleitores alistados, alijando das discussões um grande número de norte-americanos, cujo desinteresse pelas questões públicas tende a ser reforçado pelo fato de não estarem inscritos no cadastro de eleitores. Talvez, se o alistamento fosse universal e automático, essas pessoas progressivamente passassem a se sentir parte do processo democrático no país. 




sexta-feira, 19 de junho de 2015

Brasil : Notícias STF - Ministra indefere liminar em mandado de segurança contra tramitação da PEC sobre reforma política

A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), indeferiu pedido de liminar no Mandado de Segurança (MS) 33630, impetrado por 61 deputados de seis partidos (PT, PSOL, PSB, PPS, PCdoB e PROS) com o objetivo de suspender a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 182/2007, que visa promover alterações no sistema político e eleitoral. Em análise preliminar da questão, a relatora afastou a alegação de inconstitucionalidade apresentada pelos parlamentares.
“Reitero minha compreensão, externada em vários julgados, à luz da independência e harmonia dos Poderes da União proclamadas no artigo 2º da Lei Maior, de que a interferência do Poder Judiciário na pauta política do Poder Legislativo só se justifica na presença de manifesta inconstitucionalidade, que em juízo de delibação não reputo demonstrada”, afirmou.
Os deputados sustentam que a Emenda Aglutinativa 28, que permite aos partidos políticos receber doações de recursos financeiros ou de bens estimáveis em dinheiro de pessoas físicas ou jurídicas, permitindo aos candidatos unicamente o recebimento de doações de pessoas físicas, seria semelhante a outra proposta de emenda constitucional rejeitada um dia antes de sua aprovação. Segundo o MS, a votação da segunda proposta representaria violação do devido processo legislativo, pois a Constituição Federal veda a apreciação de emendas constitucionais sobre o mesmo tema durante a mesma sessão legislativa.
A relatora observou que a concessão de liminar em mandado de segurança é fruto de juízo de delibação – provisório e não definitivo – a respeito do mérito do processo, considerado o pedido formulado. Lembrou, ainda, que a Lei 12.016/2009 prevê o deferimento de liminar suspensiva unicamente quando houver “fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida”, o que, em seu entendimento, não se aplica ao caso.
A ministra ressaltou que o pedido dos parlamentares parece, à primeira vista, reconhecer como rotineira a prática de aglutinação mais ou menos variável entre proposições normativas aparentadas por um tema específico. Em seu entendimento, o pedido formulado tende a admitir, ainda que de forma velada, que o tema pode estar relacionado às práticas legislativas de natureza interna corporis, referentes à organização peculiar do exercício da função típica que a Constituição confere ao Poder Legislativo. “Tenho aplicado a orientação tradicional desta Suprema Corte acerca da inviabilidade de reexame judicial das questões inerentes à atividade de cada um dos Poderes, porque de natureza interna corporis”, afirmou.
Em relação à alegada violação do artigo 60, parágrafo 5º, da Constituição Federal (impossibilidade de apreciação de proposta de emenda rejeitada na mesma sessão legislativa), a relatora observou que os autores do MS abordam a questão sob uma perspectiva estática, sustentando a inconstitucionalidade a partir da comparação literal entre duas proposições normativas. Apesar de as duas emendas aglutinativas fundirem elementos das mesmas duas propostas originais, a ministra Rosa Weber explicou que a visão dinâmica do processo legislativo, em oposição à perspectiva estática da comparação simples de dois textos, “concede amparo, em juízo de delibação, à votação de propostas em ordem de generalidade, da maior para a menor, demonstrada a ausência de identidade absoluta entre elas”. Nesse sentido, citou precedente (MS 22503) em que o Tribunal analisou a perspectiva dinâmica do processo legislativo.

PR/AD

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Brasil : Manifesto em defesa da Constituição e do Parlamento

Pelo imediato arquivamento da PEC do financiamento empresarial das campanhas eleitorais
No dia 26 de maio, o povo brasileiro comemorou a rejeição, na Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda Constitucional que instituia o financiamento empresarial a partidos e candidatos. Lamentavelmente, no dia seguinte, o Presidente da Câmara submeteu novamente à apreciação dos Deputados a possibilidade de doações a partidos para fins eleitorais. Após a mudança de orientação de alguns deputados, a proposta foi aprovada. O notíciário a respeito das pressões sofridas por estes parlamentares estarreceu quem quer que idealize uma política mais ética e ficará na história nacional como uma nota triste de agressão à liberdade do Poder Legislativo.
A influência do poder econômico sobre a política é absolutamente incompatível com a Constituição Federal, em cujo cerne residem princípios como a república, a democracia e a igualdade. Se a PEC vier a ser aprovada, a desigualdade e a corrupção invadirão a esfera constitucional, e o preceito vigorará como um corpo estranho na Constituição Repúblicana e Democrática do Brasil.
A defesa da institucionalidade democrática demanda o pleno respeito ao ordenamento jurídico, ganhando relevo a observância do “devido processo legislativo” fixado no próprio texto constitucional. A votação ocorrida no dia 27 violou as regras instituídas no inciso I e no § 5º do artigo 60 da Constituição Federal, que norteiam o processamento das Propostas de Emenda Constitucional. A Carta da República não autoriza que a matéria seja rediscutida senão no ano seguinte, e uma nova PEC, tanto quanto a anterior, deveria ser assinada por, no mínimo, 1/3 dos Deputados. São normas que impedem que a alteração do texto constitucional se converta em uma trivialidade cotidiana da vida parlamentar. Se a Constituição é norma superior, sua alteração deve ocorrer apenas por meio de um procedimento responsável e democrático, sob pena de se corroer sua força normativa. 
Em defesa da Constituição Federal, 63 parlamentares de diversos partidos impetraram Mandado de Segurança perante o Supremo Tribunal Federal, em que se requer a interrupção imediata dessas violações, que antecipam um futuro sombrio para a atividade parlamentar no Brasil. Os subscritores do presente manifesto, profissionais do direito imbuídos de convicções democráticas, expressam seu apoio a essa iniciativa de defesa da integridade do Parlamento e da higidez constitucional dos procedimentos congressuais. O Supremo Tribunal Federal saberá impedir que prevaleça o arbítrio praticado, preservando a dignidade do processo legislativo e os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito.