O Projeto de Lei da Câmara nº
37/2012, que ora tramita no Senado (e que tramitou na Câmara sob o nº
3839/2012), vem agravar o quadro já aflitivo de fragilidade do regime jurídico
do financiamento eleitoral no Brasil.
O regime jurídico do financiamento
eleitoral tem importância crucial para a democracia, porque é dele que depende
que candidatos depois tornados governantes respeitem a soberania popular, com
autonomia em relação a interesses particulares de agentes econômicos poderosos,
interesses esses que tendem a prevalecer sobre o bem comum.
De fato, o capítulo das contas de
campanha exprime perfeitamente a fragilidade da disciplina do financiamento
eleitoral no Brasil. É essencial que a
realidade da arrecadação e dos gastos de campanha seja conhecida e controlada.
É preciso saber quem contribuiu para a campanha de quem, com quanto, e como
foram gastos esses recursos.
Mas no Brasil essas contas não
espelham, nem de longe, a realidade das campanhas eleitorais, e as próprias
normas de direito eleitoral tem contribuído para agravar esse quadro.
O Projeto de Lei da Câmara nº
37/2012 aprofunda essa tendência de esvaziar as contas de campanha de toda e
qualquer relevância.
Para
tanto, insere o inciso III no § 8º do art. 11 da Lei das Eleições, prevendo que
“para fins de expedição da certidão de que trata o § 7º, considerar-se-ão
quites aqueles que (...) apresentarem à Justiça Eleitoral a prestação de contas
de campanha eleitoral nos termos desta Lei, ainda que as contas sejam
desaprovadas”.
A
certidão a que o dispositivo se refere é a certidão de quitação eleitoral, que
é um dos documentos que devem instruir o pedido de registro de candidatura, sem
o qual o cidadão não pode se tornar candidato. A certidão de quitação eleitoral
é emitida pela Justiça Eleitoral e atesta que o cidadão está quite com seus
deveres relativos à cidadania.
Quais
os deveres cujo cumprimento é atestado por essa certidão ? Com relação à maior
parte deles, não há controvérsia. São eles : o regular exercício do voto, o
atendimento a convocações da Justiça eleitoral para auxiliar os trabalhos
relativos ao pleito e a inexistência de multas aplicadas em caráter definitivo.
A
controvérsia surge quando se trata das contas de campanha da eleição anterior.
Há os que entendem que a mera apresentação das contas, mesmo desaprovadas,
basta para que o cidadão tenha direito à certidão de quitação eleitoral e possa
se tornar candidato novamente. E há os que entendem que contas de campanha são
coisa séria, que a reprovação das contas não pode ser desprovida de efeitos
eleitorais e que as contas precisam ter sido aprovadas para que o cidadão possa
se candidatar novamente.
Essa discussão não é
nova. A irrelevância das contas começou a ser questionada em 2004, e desde
então sucederam-se avanços e retrocessos.
Neste
ano de 2012, o TSE, na Resolução nº 23.376, que dispõe sobre a arrecadação e
gastos de recursos por partidos, candidatos e comitês financeiros, e, ainda,
sobre a prestação de contas nas eleições de 2012, estabeleceu, no capítulo
relativo à análise e ao julgamento das contas, que “a decisão que desaprovar as
contas do candidato implicará impedimento de obter a certidão de quitação
eleitoral” (art. 52, § 2º).
Ao
que tudo indica, isso significa que para o TSE a desaprovação das contas da
campanha de 2012 implicará impedimento à candidatura em 2014 (apesar de versar
a Resolução sobre as eleições de 2012), mas a desaprovação das contas da
campanha de 2010 não implicará impedimento à candidatura em 2012. Isso porque a
Resolução do TSE nº 23.373, que dispõe sobre a escolha e o registro dos
candidatos nas eleições de 2012, repetiu o disposto na Lei das Eleições com a
redação dada pela minirreforma eleitoral de 2009 (Lei nº 12.034), estabelecendo
que a quitação eleitoral “abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos, o
regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral
para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas
aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação
de contas de campanha eleitoral” (grifo nosso).
Seja como for, o Projeto de Lei da Câmara nº
37 de 2012, que ora tramita no Senado, vem afastar o efeito pretendido pela
Resolução nº 23.376, ao inserir o inciso III no § 8º do art. 11 da Lei das
Eleições, prevendo, como dito, que “para fins de expedição da certidão de que
trata o § 7º, considerar-se-ão quites aqueles que (...) apresentarem à Justiça
eleitoral a prestação de contas de campanha eleitoral nos termos desta Lei,
ainda que as contas sejam desaprovadas”.
O projeto pretende
sujeitar o cidadão que teve as contas desaprovadas na eleição anterior
unicamente a pena de multa, o que claramente é insuficiente para coibir a
notória irrelevância das contas de campanha no Brasil.
Porém o ideal seria
que a exigência da aprovação das contas de campanha para obtenção da certidão
de quitação eleitoral fosse instituída não por meio de Resolução do TSE, mas
por meio de lei complementar, editada pelo Congresso Nacional, tendo em vista
sua repercussão na elegibilidade dos cidadãos e o disposto no art. 14, § 9º, da
Constituição (“Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade
...”), além da competência exclusiva do Congresso Nacional para legislar sobre
direito eleitoral, cabendo à Justiça Eleitoral mera função regulamentar.
Mais uma vez será
preciso contar com a mobilização popular para impedir a aprovação desse projeto
e para fazer aprovar pelo Congresso Nacional lei complementar que torne
inelegível quem tenha contas de campanha desaprovadas.
E não é só. É preciso
dotar a Justiça Eleitoral de meios e recursos humanos e materiais necessários à
análise aprofundada das contas de campanha, para que elas não continuem fadadas
à irrelevância.