domingo, 19 de abril de 2015

EUA : Suprema Corte decide contra o Alabama em ação judicial que questionou critérios para redesenho dos distritos eleitorais no Estado

        O gerrymandering, manipulação dos contornos dos distritos eleitorais, constitui uma nefasta tradição nos EUA. É praticado tanto pelo partido Republicano quanto pelo Democrata, quando têm maioria no Poder Legislativo estadual [1].
De fato, na maior parte dos Estados norte-americanos é o Legislativo estadual que tem a atribuição de redesenhar os distritos, para a eleição dos parlamentares tanto federais quanto estaduais, todos eleitos pelo sistema majoritário.
A redistritalização ocorre a cada dez anos, depois do censo decenal, para assegurar que os distritos tenham todos aproximadamente o mesmo número de habitantes, em razão do princípio “uma pessoa, um voto”.
            Assim, em 2012, depois do censo decenal de 2010, o Poder Legislativo do Estado do Alabama, de maioria republicana, redesenhou os distritos para a eleição dos 105 membros da Assembleia Legislativa do Estado (Alabama House of Representatives) e para a dos 35 senadores estaduais.
            Os responsáveis no Estado por essa redistritalização declararam que seguiram estritamente três critérios: observância do princípio “uma pessoa um voto”, que levou os recém-desenhados distritos do Alabama a não diferir mais do que 2% uns dos outros em número de habitantes; manutenção do número anterior de distritos em que a maioria dos habitantes pertence a grupos minoritários (majority-minority districts) ; manutenção da porcentagem anterior de afrodescendentes no interior de cada distrito.
          Eles alegaram que a manutenção da porcentagem anterior de afro-descendentes em cada distrito teve por motivo a observância da seção 5 da Lei dos Direitos de Voto, que estabelece o princípio da não-retrogressão.
            Na ação proposta em juízo, essa combinação de metas foi contestada sob o argumento de que, com as mudanças demográficas que levaram ao declínio da população afrodescendente em tais distritos, ela teria acarretado a inclusão de muitos afrodescendentes nesses distritos em que uma ampla maioria afrodescendente alegadamente precisava ser mantida intocada. A tal ponto que a manobra impediu que, com maiorias menos expressivas, o eleitorado afrodescendente vencesse num número maior de distritos.
            Em outras palavras, o resultado dessa combinação, no contexto do Estado do Alabama, teria sido o de concentrar um maior número de afrodescendentes, que são eleitores do partido Democrata, num número constante de distritos, impedindo a ampliação do número de distritos de maioria afrodescendente e assegurando maioria branca e republicana na maior parte dos distritos.
            A questão central perante a Suprema Corte foi a de saber se a Seção 5 da Lei dos Direitos de Voto impunha a manutenção das mesmas porcentagens altas de eleitores pertencentes a grupos minoritários nesses distritos.
A questão era estabelecer o quão majoritário um grupo minoritário precisa ser, no interior de um dado distrito, para que nele haja membros dessa minoria em número suficiente para o seu candidato vencer a eleição no distrito, e assim assegurar a representação das minorias raciais no Parlamento, como exige a Seção 2 da Lei dos Direitos de Voto.
Toda dificuldade está em que, se os membros da minoria não forem numerosos o suficiente, seu candidato perde a eleição e essa minoria não consegue ser representada no Parlamento; porém, por outro lado, se essa minoria for excessivamente numerosa, pode exceder em muito o número necessário para vencer no distrito, e por conseguinte esvaziar outros distritos de eleitores pertencentes a minorias raciais.
Para a tese da ilicitude do gerrymandering ser vitoriosa em juízo, precisaria ficar demonstrado que a raça foi o fator predominante na redistritalização, superando em relevância os objetivos tradicionais, que são meramente partidários. Há quem considere essa distinção pouco nítida e até artificial, porque nos Estados do Sul, como o Alabama, os eleitores afrodescendentes tendem a votar consistentemente no partido Democrata e os brancos, no partido Republicano.
A Suprema Corte, em decisão proferida no dia 25 de março de 2015, por 5 votos a 4, deu provimento ao recurso interposto contra decisão de uma corte federal que havia decidido que a proposta para o redesenho dos distritos eleitorais no Estado do Alabama não violava a Constituição nem a Lei dos Direitos de Voto.
A maioria dos juízes da Suprema Corte entendeu que a corte inferior errou ao considerar que a proposta de redistritalização do Estado do Alabama não constituía gerrymander do tipo racial. Isso porque a corte inferior teria levado em consideração apenas o Estado como um todo e não distrito por distrito. Assim, remeteu o caso de volta à corte inferior para que reconsidere o caso, desta feita examinando o desenho distrito por distrito.
A Suprema Corte sugeriu com ênfase que em pelo menos alguns dos distritos teria havido gerrymander do tipo vedado pela Constituição. Ela além do mais afastou dois dos mais importantes argumentos lançados pelo Estado do Alabama: em primeiro lugar, a Corte considerou que a interpretação dada pelo Estado, de que a Seção 5 da Lei dos Direitos de Voto exigiria a perpetuação da porcentagem de eleitores afrodescentes em certos distritos, constitui uma forma mecânica de interpretar a lei, levando à sua própria violação.
Segundo, a alegada intenção do Estado de assegurar igual número de habitantes em todos os distritos não pode, de acordo com a decisão da Suprema Corte, ser o fator predominante para a redistritalização, porque se trata de um pressuposto necessário, anterior à definição dos critérios.
         Por fim, a Suprema Corte considerou haver forte evidência de que a raça teria sido o fator predominante no desenho de pelo menos um dos distritos.



[1] Sobre o gerrymandering nos EUA discorri no meu livro Direito Eleitoral Comparado – Brasil, Estados Unidos, França (Saraiva, São Paulo, 2009), nas págs. 285-289, 293-295, 296-297 e 302.