quarta-feira, 4 de maio de 2016

Brasil: Brecha na Lei das Inelegibilidades

      A leitura conjunta de decisões do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral sobre matérias conexas leva à conclusão de que a alínea c do art. 1º, I, da Lei das Inelegibilidades (LC nº 64/1990), com redação dada pela Lei da Ficha Limpa (LC nº 135/2010), contém uma brecha que pode permitir que governadores e prefeitos que perderam os mandatos não fiquem inelegíveis.
            Essa alínea c torna inelegíveis para qualquer cargo:

o Governador e o Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal e o Prefeito e o Vice-Prefeito que perderem seus cargos eletivos por infringência a dispositivo da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término do mandato para o qual tenham sido eleitos; 

A Constituição do Estado de São Paulo definia os crimes de responsabilidade do governador em seu art. 48, mas esse artigo foi julgado inconstitucional pelo STF em 2011. Na ocasião, o Supremo considerou que

A definição das condutas típicas configuradoras do crime de responsabilidade e o estabelecimento de regras que disciplinem o processo e julgamento dos agentes políticos federais, estaduais ou municipais envolvidos são da competência legislativa privativa da União e devem ser tratados em lei nacional especial (art. 85 da Constituição da República) (ADI nº 2.220 – São Paulo/SP –  rel. Min. Carmen Lúcia, Brasília, DF, 16 de novembro de 2011. Diário de Justiça Eletrônico, 7 dez. 2011).

            Quanto aos prefeitos, a responsabilidade deles é disciplinada no plano nacional pelo Decreto-Lei nº 201/1967. No art. 1º, esse decreto traz um extenso rol de condutas que configuram crimes de responsabilidade dos prefeitos municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos vereadores; no art. 4º, estão descritas as condutas que configuram infrações político-administrativas dos prefeitos municipais, sujeitas ao julgamento pela Câmara dos Vereadores, e sancionadas com a cassação do mandato.
            Poder-se-ia imaginar que o prefeito que teve o mandato cassado com base nessa lei – lei nacional como quer o STF – ficaria inelegível por oito anos, por força do disposto na alínea c do art. 1º, I, da Lei das Inelegibilidades.
            Mas não. Em decisão proferida em 2015 (Recurso Ordinário nº 39.477, Campo Grande/MS, rel. Min. Gilmar Ferreira Mendes, 19 de maio de 2015) o TSE decidiu afastar a incidência da alínea c quando a cassação do mandato do prefeito municipal se funda na prática de conduta prevista pelo DL nº 201/67, e não em violação direta da Lei Orgânica do Município, ainda que esta última faça remissão expressa à legislação específica.
                 A razão desse entendimento é que a letra da alínea c se refere a perda de cargo eletivo especificamente por “infringência a dispositivo da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município”, e não por prática de conduta prevista em lei nacional – no caso, o DL nº 201/67.
No caso caso referido, discutiu-se a legalidade de pedido de registro de candidatura ao Senado, na eleição de 2014, de ex-prefeito cassado pela Câmara Municipal pela prática de conduta prevista no DL nº 201/1967. O recorrente, que assim como o Ministério Público pleiteava o indeferimento do pedido de registro, com base na alínea c, sustentou a “possibilidade de conferir interpretação sistemática e teleológica visando preservar a finalidade da norma”. Mas o relator, Min. Gilmar Mendes, manteve a decisão agravada por seus próprios fundamentos, entendendo que “é assente neste Tribunal que as restrições que geram as inelegibilidades são de legalidade estrita, vedada interpretação extensiva”.
            Isso significa que há uma brecha na alínea c do art. 1º, I, da Lei das Inelegibilidades. Ela deveria prever a incidência da inelegibilidade também em caso de perda de mandato por infringência a lei nacional, e não apenas a “dispositivo da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município”. Até porque esses dispositivos, quando tratam de crime de responsabilidade dos chefes do Poder Executivo estadual, distrital e municipal, correm o risco de ser declarados inconstitucionais pelo STF, como ocorreu com o dispositivo pertinente da Constituição Estadual paulista. Não bastasse isso, com a atual redação da alínea c, a perda de mandato por infringência à lei nacional que trata dos crimes de responsabilidade de governadores e prefeitos (ainda a Lei nº 1.079/50 para os governadores e o DL nº 201/1967 para os prefeitos), não gera inelegibilidade, segundo o TSE, porque ela não prevê expressamente essa hipótese.