domingo, 5 de abril de 2015

Brasil : Devolve, Gilmar !

            Conforme noticiado aqui no blog em 2011, o Conselho Federal da OAB ajuizou, em 5 de setembro daquele ano, perante o STF, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.650, sustentando que os principais pilares sobre os quais se assenta a atual disciplina do financiamento eleitoral afrontam a Constituição.
            Os dispositivos impugnados da Lei das Eleições e da Lei dos Partidos Políticos são os que admitem as doações de pessoas jurídicas para candidatos, partidos e para o Fundo Partidário, os que fixam o limite das doações de pessoas físicas em porcentagem da renda auferida pelo doador no ano anterior ao ano da eleição, e os que não fixam limites para o uso de recursos próprios do candidato.
            A petição começa por evocar o alto custo das campanhas eleitorais nas sociedades de massas e a consequente dependência da política em relação ao poder econômico ; qualifica essa interação como nefasta para a democracia, por engendrar desigualdade política e vínculos perniciosos entre doadores e políticos. Ressalta a importância da disciplina do financiamento eleitoral para corrigir essas mazelas e dar efetividade aos princípios constitucionais da igualdade, da democracia, e da República.
Sustenta que as doações de pessoas jurídicas para partidos e candidatos, admitidas atualmente, violam a Constituição, por não serem as pessoas jurídicas titulares de direitos políticos.
Quanto às doações das pessoas físicas, defende que o teto deve ser fixo e igual para todos, e não proporcional aos rendimentos, para que a desigualdade econômica não se converta, automaticamente, em desigualdade política.
 Pede que sejam atribuídos efeitos ex nunc à declaração de inconstitucionalidade, e que seja fixado um termo final para a eficácia das normas questionadas, permitindo que nesse ínterim os órgãos competentes editem novo ato normativo sem os vícios apontados. 
            O julgamento teve início em 12 de dezembro de 2013, quando os primeiros quatro votos favoráveis à tese da inconstitucionalidade foram proferidos, pelos Ministros Luiz Fux (relator), Joaquim Barbosa, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli. Na ocasião, o Min. Teori Zawascki, recém empossado na Corte, pediu vista dos autos. Em 2 de abril de 2014, o julgamento foi retomado, e o Min Zawascki julgou improcedente a tese da OAB. Nesse momento, o Min. Gilmar Mendes pediu vista dos autos, alegando não ter informações suficientes para formar sua convicção. Mas outros dois Ministros, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, decidiram antecipar seus votos, julgando procedente o pedido, e com isso formando a maioria, isto é, seis dos 11 ministros da Corte. A seguir, o julgamento foi suspenso.
            Um ano se passou e o Min. Gilmar Mendes ainda não devolveu o processo, impedindo a retomada do julgamento.
            De acordo com o Regimento Interno do STF, se algum dos Ministros pedir vista dos autos, deverá apresentá-los, para prosseguimento da votação, até a segunda sessão ordinária subsequente (art. 134).
            Essa norma tornou-se em grande medida letra morta.
A Resolução nº 278, de 15 de dezembro de 2003, regulamentou esse artigo, estabelecendo que o Ministro que pedir vista dos autos deverá devolvê-los no prazo de dez dias, contados da data em que os receber em seu gabinete, devendo o julgamento prosseguir na segunda sessão ordinária que se seguir à devolução (art. 1º, caput). Mas a própria Resolução prevê a hipótese de inobservância desse prazo pelos Ministros, estabelecendo que “Não devolvidos os autos no termo fixado no caput, fica o pedido de vista prorrogado automaticamente por dez dias, findos os quais a Presidência do Tribunal ou das Turmas comunicará ao Ministro o vencimento o referido prazo” (art. 1º, § 1º).
            A mesma Resolução nº 278 continha uma norma salutar, mas que depois foi revogada, prevendo que “Esgotado o prazo da prorrogação, o Presidente do Tribunal ou da Turma requisitará os autos e reabrirá o julgamento do feito na segunda sessão ordinária subsequente, com publicação em pauta”. Esse era o teor do § 2º do art. 1º, revogado expressamente pela Resolução nº 322, de 23 de maio de 2006.
            Com essa revogação, a paralisação dos julgamentos por pedidos de vista que se prolongam até muito tempo além do prazo estabelecido no Regimento resta sem consequencias.
         Para marcar o primeiro aniversário da suspensão do julgamento, representantes de movimentos sociais protestaram em Brasília em frente ao Supremo. Com o lema “Para acabar com a corrupção, tire o dinheiro da eleição”, os manifestantes reivindicaram a retomada imediata do julgamento e fizeram um “escracho” do responsável pela suspensão, o Min. Gilmar Mendes.

            Além disso, quase 100.000 internautas já assinaram petições on-line exigindo a devolução dos autos e o prosseguimento do julgamento. 

sábado, 4 de abril de 2015

Binômio eleitoral: conquista das cidadãs francesas – por Dalmo de Abreu Dallari*

             Pelo conjunto de sua produção intelectual a França está, sem qualquer dúvida, entre os países que mais contribuíram para a conscientização da dignidade essencial da pessoa humana e, em decorrência, para as reflexões e decisões políticas e jurídicas sobre os direitos humanos fundamentais. Entretanto, contraditoriamente, a França foi o país de grande expressão internacional que mais resistiu ao reconhecimento e à garantia dos direitos políticos para as mulheres. Por isso mesmo merece especial referência uma importante e original inovação que acaba de ser introduzida no sistema eleitoral francês, dando efetividade à proclamação teórica e genérica da igualdade dos direitos de cidadania de homens e mulheres.
                 Relembrando, em linhas gerais, os antecedentes históricos, verifica-se que já no século XVIII, quando da eclosão da Revolução Francesa, foi aprovada pela Assembleia Nacional, em 1789, uma proclamação denominada "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão", que significou um avanço em termos de afirmação da existência de direitos fundamentais inerentes à condição humana, mas que foi duramente criticada por lideranças femininas da época, porque a expressão "Direitos do Homem" tinha significado discriminatório, não incluindo as mulheres. Para se ter ideia da importância e da gravidade dessa divergência, basta lembrar que uma das mais atuantes líderes femininas de então, Olímpia de Gouges, publicou logo em seguida uma "Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã", o que despertou reações indignadas e contribuiu para que ela fosse declarada inimiga do povo e condenada à pena de morte, tendo sido guilhotinada em 1793.
                Na realidade, a denúncia do caráter discriminatório, com exclusão das mulheres dos direitos da cidadania, tinha fundamento nas práticas sociais e na legislação, sendo consagrada, inclusive, nas Constituições francesas, que até hoje foram em número de quinze, só tendo sido eliminada a discriminação na Constituição atual, de 1958. O primeiro passo para a eliminação da marginalização política das mulheres foi dado ao término da segunda guerra mundial, quando, expulso o invasor de seu território e reconquistada a liberdade as novas lideranças políticas designaram o General Charles De Gaulle, grande herói da resistência, para a chefia de um governo provisório. Visando o restabelecimento de uma ordem democrática ele convocou eleições municipais para os meses de abril e maio de 1945, dispondo que deveriam votar « todos os franceses maiores de 21 anos, homens e mulheres ». Foi essa a primeira vez na história da França em que as mulheres exerceram direitos políticos, participando, como eleitoras. Ainda no ano de 1945 foi eleita pelo povo uma Assembleia Nacional Constituinte e, também aqui é importante assinalar, pela primeira vez foram eleitas mulheres para participação numa Assembleia francesa.
A partir de então intensificou-se bastante a participação feminina, buscando-se o estabelecimento de mecanismos que dessem efetividade à igualdade dos direitos políticos de homens e mulheres proclamada na Constituição. Um passo importante em tal sentido foi dado por meio da lei eleitoral 2007-128, de 31 de Janeiro de 2007. Por disposição do artigo 72 da Constituição, foi estabelecido um sistema de governo incluindo coletividades territoriais, integradas por comunas, departamentos e territórios de além-mar, estabelecendo-se que as comunas se auto-administram livremente, por Conselhos eleitos pelo povo. Essa lei dispôs que a lista de candidatos deverá ser composta, alternativamente, por um candidato de cada sexo, estabelecendo ainda que cada candidato deveria ter um suplente e que os candidatos e respectivos suplentes deverão ser de sexos diferentes. Essas regras já contribuíram significativamente para o aumento de mulheres nos órgãos representativos.
                    Finalmente, uma inovação muito criativa e de enorme importância prática foi introduzida pela lei 2013-403, de 17 de Maio de 2013. Por disposição dessa lei, os então chamados Conselhos Gerais passaram a denominar-se Conselhos Departamentais, mas a inovação de fundamental importância está consagrada no artigo 3° dessa lei, que assim dispõe: "Os eleitores de cada Departamento elegem para o Conselho Departamental dois membros de sexos diferentes, que se apresentarão num binômio de candidatos com os nomes inscritos em ordem alfabética na cédula de votação". Aí está a grande inovação, o binômio eleitoral. No momento de votar o eleitor recebe uma cédula de votação na qual estarão inscritos os nomes do candidato ou da candidata por ele indicado e seu par no binômio, por ordem alfabética. Assim, o eleitor vota, necessariamente, em dois candidatos, um de cada sexo. Aí está o binômio eleitoral, usado pela primeira vez nas eleições departamentais realizadas em Março de 2015. As eleições compreendem dois turnos, levados a efeito nos dias 22 e 29 deste mês, consagrando, pela primeira vez e com notável criatividade, o binômio eleitoral, que deverá assegurar, efetivamente, a igualdade dos direitos de cidadania para homens e mulheres.
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*Dalmo de Abreu Dallari é jurista e advogado.

(Artigo publicado no informativo Migalhas nº 3.589, de 2 de abril de 2015)


domingo, 29 de março de 2015

França : Conselho de Estado julga procedente pedido de site de notícias que requisitou informações da campanha de Sarkozy

          Num acórdão proferido na última sexta-feira, dia 27/3/15, o Conselho de Estado, a mais alta corte administrativa da França, decidiu o litígio que opunha o site de notícias Mediapart à Comissão Nacional das Contas de Campanha e dos Financiamentos Políticos (CNCCFP), no sentido de que o conteúdo de certos documentos que instruíram a prestação de contas da campanha de Sarkozy à eleição presidencial de 2007 deve sim ser comunicado pela CNCCFP ao referido site.
            No entanto, o Conselho de Estado em sua decisão admitiu que os nomes de certos doadores da campanha não sejam divulgados, em razão do princípio da proteção da vida privada.
            De modo geral, na França, a prestação de contas de um candidato, bem como os documentos que lhe são anexos, são considerados documentos administrativos, que podem ser disponibilizados a quem solicitar, a partir do julgamento da prestação de contas pela CNCCFP. Esse é o entendimento da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), com base na lei de 1978 que determinou a sua criação. Só se restringe o direito de acesso às informações quando as contas estiverem sendo discutidas em juízo e a divulgação do conteúdo dos documentos atentar contra o andamento do processo, retardar o julgamento do feito ou dificultar a atividade do juiz.
            Com base nesses princípios, a CADA considerou que as contas de Sarkozy de 2007 eram divulgáveis. Essa solução foi confirmada pelo Tribunal Administrativo de Paris em decisão de 3 de junho de 2014. A CNCCFP interpôs recurso perante o Conselho de Estado. Em 30 de julho de 2014, o Conselho de Estado suspendeu liminarmente os efeitos da decisão do Tribunal Administrativo de Paris, sem julgar o mérito do recurso interposto pela CNCCFP.
            No acórdão proferido na última sexta-feira, o Conselho de Estado negou provimento ao recurso da CNCCFP e julgou procedente o pedido formulado pelo site, estimando que a lei de 1978 relativa à divulgação dos documentos administrativos aplica-se à espécie, não sendo cabíveis nenhumas das exceções previstas.
            Mas admitiu um limite a essa solução, qual seja, que certos nomes de doadores fossem ocultados. Isso porque a lista de doadores de valores superiores a 3000 euros continha também os respectivos locais de residência. O Conselho de Estado entendeu que a menção a esses dados atentava contra a proteção devida à vida privada.

            Resta saber em que medida a ocultação desses nomes dificultará as investigações do site Mediapart. O principal documento requisitado pelo site é um questionário elaborado pelos auditores da CNCCFP a Nicolas Sarkozy, bem como as respostas fornecidas por ele a esse questionário.

domingo, 22 de março de 2015

Brasil : Projeto Eleições Limpas – Financiamento eleitoral – Transparência e sanções

           O Projeto Eleições Limpas, que veda doações de empresas a partidos políticos e candidatos, limita doações individuais a um valor igual para todos e institui o Fundo Democrático de Campanhas, pretende assegurar a efetividade de sua inovadora disciplina do financiamento eleitoral por meio tanto de medidas destinadas a tornar transparente a movimentação de recursos quanto de sanções aplicáveis em caso de violação.
Transparência
            Para dar transparência às doações individuais, que são limitadas ao valor de setecentos reais por eleitor, o Projeto Eleições Limpas prevê que elas só poderão ser realizadas por meio de página oficial do Tribunal Superior Eleitoral na internet, assegurada divulgação do ato em tempo real, bem como a comunicação à Receita Federal (§ 1º do art. 17-B).
            O Projeto busca dar efetividade a essa regra prevendo que a infringência acarreta a cassação do registro dos candidatos beneficiados, independentemente da existência de impacto sobre o resultado do pleito (§ 2º do art. 17-B).
            Além disso, o Projeto estabelece que as receitas e despesas de campanha devem ser lançadas, em até vinte e quatro horas da sua realização, no Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE), no sítio eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral, com acesso on-line ao extrato da conta específica da campanha (art. 20, §3º).
            Em outro artigo, o Projeto reforça essa determinação, prevendo que partidos políticos, coligações e candidatos são obrigados, durante a campanha eleitoral, a divulgar, pela internet, em tempo real, a movimentação financeira realizada com a discriminação dos gastos realizados, em sítio criado pela Justiça Eleitoral para esse fim, nos termos da Lei de Acesso à Informação. Essas informações devem ser disponibilizadas em diversos formatos eletrônicos, inclusive abertos e não proprietários, tais como planilhas e textos, de modo a facilitar a análise das informações, também nos termos da Lei de Acesso à Informação (art. 28, §§ 3º e 5º).
            Outra medida destinada a dar transparência à movimentação de recursos de campanha no Projeto é a que prevê que todas as despesas de campanha sejam pagas com cartão de débito ou transferência bancária. Não sendo possível a utilização desses meios de pagamento, o Projeto admite o uso de cheque nominal cruzado, não endossável (art. 21).
            Para facilitar a fiscalização pela Justiça Eleitoral, o Projeto estabelece que as prestações de contas devem sempre ser acompanhadas dos extratos das contas bancárias referentes à movimentação dos recursos financeiros usados na campanha e dos comprovantes dos pagamentos efetuados (art. 28, § 2º).
Sanções
            A violação do limite imposto pelo Projeto às doações individuais acarreta ao eleitor as seguintes sanções : inabilitação para contratar com o poder público pelo prazo de cinco anos;  aplicação de multa no valor de dez vezes o valor doado indevidamente; proibição, pelo prazo de cinco anos, de prestar concursos públicos, e de assumir função ou cargo de livre provimento na administração pública, direta ou indireta, ou ainda em empresas de economia mista (art. 17-B, § 3º).
            Pelo Projeto Eleições Limpas, as pessoas jurídicas são proibidas de efetuar, direta ou indiretamente, em dinheiro ou bens e serviços estimáveis em dinheiro, doações para partidos ou candidatos (arts. 17-A, caput e 23, caput).
A não observância dessa proibição implica cassação do registro dos candidatos beneficiados, independentemente da existência de impacto sobre o resultado dom pleito; inabilitação da pessoa jurídica responsável para contratar com o poder público pelo prazo de cinco anos; aplicação de multa no valor de dez vezes a quantia indevidamente doada; decretação da extinção da pessoa jurídica em caso de reincidência; proibição do recebimento de benefícios fiscais e creditícios de estabelecimentos financeiros controlados pelo Poder Público, pelo período de cinco anos, por determinação da Justiça Eleitoral (arts. 17-A, parágrafo único, e 23, parágrafo único).
             O caixa dois, descrito no Projeto como a conduta de “receber ou empregar, direta ou indiretamente, recursos de qualquer natureza, inclusive bens ou serviços, que não provenham do Fundo Democrático de Campanhas ou das doações individuais realizadas na forma desta Lei”, é tipificado, em primeiro lugar, como infração eleitoral, acarretando a extinção do diretório do partido beneficiado, sendo vedada sua reconstituição pelo prazo de cinco anos.
E essa conduta é tipificada também como crime eleitoral, acarretando a pena de reclusão de dois a cinco anos. São condutas previstas como criminosas, além de “receber ou empregar”, também dar, oferecer, prometer ou solicitar (arts. 23-A e 24).
            O Projeto tipifica uma forma qualificada para o cometimento do crime de caixa dois : se os recursos forem oriundos de governo estrangeiro, de órgão ou entidade pública, concessionária ou permissionária de serviço público, ou de organizações não governamentais que recebam recursos públicos ou declaradas de utilidade pública, ou ainda se os recursos forem oriundos de origem não identificada, a pena prevista é de reclusão, de três a oito anos (art. 24, § 1º).
            Respondem pelo crime os integrantes do comitê financeiro, o candidato que de qualquer forma participar da movimentação do recurso e o autor da doação ilegal (art. 24, § 2º).
            Uma inovação importante prevista no Projeto é a vedação da expedição de certidão negativa de quitação eleitoral ao candidato que não prestar contas ou que as tiver reprovadas pela Justiça Eleitoral (art. 30). Sem essa certidão negativa, não é possível obter o registro de candidatura.

            A previsão de medidas destinadas a dar transparência à movimentação dos recursos e de sanções duras em caso de violação da disciplina do financiamento eleitoral são ambas providências sumamente importantes para a democracia, e foram enfatizadas corretamente no Projeto Eleições Limpas.

segunda-feira, 16 de março de 2015

Brasil : O financiamento empresarial de partidos políticos e de campanhas eleitorais precisa ser banido. A proposta contida no projeto Eleições Limpas

             Parece que finalmente o Brasil está começando a acordar para a realidade de que não é mais possível permitir que doações empresariais financiem os gastos de partidos políticos e de candidatos em campanhas eleitorais.
            Atualmente funciona assim: as doações de empresas (pessoas jurídicas) são permitidas, até o limite de 2% do faturamento bruto no ano anterior à eleição (art. 81, § 1º, da Lei das Eleições – Lei nº 9.504/97).
            É uma forma absurda de “limitar”, entre aspas, esse tipo de doação, porque em vez de impor um limite igual para todas, torna lícitas doações tanto maiores quanto maior for a empresa doadora e o seu faturamento bruto !
            O absurdo está no fato de que as empresas que têm maior faturamento, como empreiteiras e bancos, no mais das vezes também são grandes interessadas no rumo que as decisões políticas vão tomar, depois da posse dos candidatos eleitos com a sua ajuda.
            E os detentores do poder político acabam usando esse poder de que dispõem, que deveria ser usado para promover o bem comum de todo o povo, não apenas para atender esses interesses particulares, como para literalmente devolver, de forma multiplicada, por meio de desvio de recursos públicos, os montantes investidos, com expectativa de retorno, nas campanhas eleitorais.
            É a institucionalização do toma-lá-dá-cá e da corrupção, em detrimento do interesse público.
            Como libertar o país dessa engrenagem espúria ?
            O Projeto Eleições Limpas contém uma proposta nessa matéria que merece ser debatida pela sociedade.
        De acordo com o Projeto, as campanhas eleitorais seriam financiadas por doações de pessoas físicas e pelo Fundo Democrático de Campanhas.
            As doações de pessoas físicas seriam limitadas a R$ 700,00 por eleitor. Além disso, haveria um limite para arrecadação de doações individuais : 40% da quota do Fundo Democrático de Campanhas que caberia ao maior partido.
            O Fundo Democrático de Campanhas seria gerido pelo Tribunal Superior Eleitoral e constituído de recursos do Orçamento Geral da União, multas administrativas e penalidades eleitorais.
            Caberia ao TSE propor o montante dos recursos públicos destinados ao financiamento das campanhas. Os valores seriam previstos em dotações constantes de rubricas próprias da lei orçamentária correspondente ao ano eleitoral.

 A íntegra do Projeto está disponível no site www.reformapoliticademocratica.org.br

terça-feira, 10 de março de 2015

EUA : A celebração dos 50 anos do “domingo sangrento” e da promulgação da Lei dos Direitos de Voto

          A longa luta pela universalização do direito de voto nos EUA teve nos desdobramentos dos eventos em Selma, no Estado do Alabama, há exatos cinquenta anos, seu impulso mais significativo.
             O dia 7 de março de 1965 ficou marcado pela violenta repressão policial à marcha pacífica em favor dos direitos civis, marcha essa que passou pela ponte Edmund Pettus. A repressão brutal da passeata, com cassetetes e gás lacrimogêneo, foi exibida ao vivo pela TV, comoveu a população dos Estados Unidos e marcou a história da democracia americana.
            Até o início dos anos 1960, ainda vigoravam em diversos Estados norte-americanos mecanismos de exclusão eleitoral da população afro-descendente. Esses mecanismos consistiam não apenas em regras jurídicas discriminatórias, mas também em práticas violentas e de retaliação econômica, que bloqueavam os avanços. Na cidade de Selma, em especial, dos 15 mil habitantes, apenas 300 tinham direito de voto.
            Duas semanas depois dos eventos em Selma, milhares de pessoas, lideradas pelo pastor Martin Luther King, saíram novamente de Selma, para seguir até Montgomery, a 90 Km de distância, onde chegaram em um longo cortejo, após vários dias de uma marcha também histórica.
            Nesse momento, em dramática mensagem ao Congresso, o presidente Lyndon Johnson repetiu o slogan do movimento pelos direitos civis, We shall overcome, para pedir leis mais drásticas em matéria de direito de voto.
            Em agosto de 1965, o presidente Johnson sancionou o Voting Rights Act.
           As medidas mais inovadoras estavam contidas nas seções 4 a 9, previstas para vigorar apenas por 5 anos e aplicáveis apenas aos Estados que impusessem condições discriminatórias para alistamento eleitoral e voto e nos quais menos da metade da população em idade de votar tivesse votado na eleição presidencial de 1964. Na prática, os Estados visados eram Alabama, Geórgia, Louisiana, Mississipi, Carolina do Sul, Virgínia e Carolina do Norte.
        A seção 4 da Lei proibia os testes de leitura e escrita e outras medidas discriminatórias. As seções 6 a 8 autorizavam o governo federal, em determinadas circunstâncias, a nomear observadores para assegurar que a administração do processo eleitoral não fosse discriminatória. Para impedir a adoção de novas medidas discriminatórias, quaisquer mudanças na legislação relativa aos critérios para se alistar como eleitor tinham de ser submetidas à aprovação de autoridades federais.
            Quando o prazo de vigência das medidas temporárias chegou ao fim, elas não só foram renovadas, mas reforçadas e ampliadas. Em 1975, os testes de leitura e escrita foram definitivamente banidos em todo o país, e as demandas judiciais com base na Lei foram facilitadas por novas medidas em favor do demandante.
            Porém, em 2013, a Suprema Corte considerou que o país havia mudado e que a aprovação de autoridades federais para mudanças na lei eleitoral não era mais necessária. Ato contínuo, diversos Estados, do Sul em especial, passaram a editar leis restringindo o direito de voto por meio de exigências de documentação oficial com foto para identificação do eleitor, medida que atinge mais duramente as minorias raciais.

            Nas celebrações dos 50 anos do “domingo sangrento”, o presidente Barack Obama discursou declarando que “o racismo ainda lança sua longa sombra sobre nós”.
Do belo discurso, que ocorreu simbolicamente na ponte Edmund Pettus de Selma, vale reproduzir o trecho mais significativo em matéria de direito eleitoral :
E com esforço, nós podemos proteger a pedra fundamental da nossa democracia para a qual tantos marcharam por sobre esta ponte – esta é o direito de voto.  Agora mesmo, em 2015, cinquenta anos depois de Selma, há leis por todo este país concebidas para restringir o direito de voto. Enquanto falamos, mais leis dessas estão sendo propostas. Ao mesmo tempo, a Lei dos Direitos de Voto, na qual culminou tanto sangue, suor e lágrimas, o produto de tanto sacrifício diante de violência deliberada, segue enfraquecida, seu futuro sujeito a rancor partidário.
Como é que pode ? A Lei dos Direitos de Voto foi uma das conquistas que coroam a nossa democracia, o resultado de esforço Republicano e Democrático. O presidente Reagan sancionou sua renovação durante seu mandato. O presidente Bush sancionou sua renovação durante seu mandato. Cem membros do Congresso estão aqui hoje para honrar as pessoas que estavam dispostas a morrer pelo direito que ela protege. Se nós quisermos honrar este dia, deixemos esses cem voltarem a Washington, e reunirem quatrocentos ou mais, e juntos, assumam o compromisso de fazer sua a missão de restaurar essa lei este ano.

É claro, nossa democracia não é tarefa do Congresso apenas, nem nos tribunais apenas, nem do presidente apenas. Se cada nova lei de supressão de direito de voto for derrubada hoje, nós teremos ainda uma das menores taxas de comparecimento às urnas entre os povos livres. Cinquenta anos atrás, o alistamento eleitoral aqui em Selma e em grande parte do Sul significava ter que adivinhar o número de balas de goma num jarro ou de bolhas numa barra de sabão. Significava por em risco sua dignidade, e às vezes, a sua vida. Qual é a nossa desculpa hoje para não votar ? Como podemos descartar com tanta indiferença o direito pelo qual tantos lutaram ? Como podemos desperdiçar tão completamente nosso poder, nossa voz, na criação do futuro da América ? 

terça-feira, 3 de março de 2015

EUA : Consultado, eleitorado de Chicago apoia reforma do financiamento eleitoral

       Na última terça-feira, dia 24/02, os eleitores da cidade americana de Chicago foram às urnas eleger o novo prefeito. Ao mesmo tempo, foram consultados sobre três questões de interesse público, uma delas em matéria de direito eleitoral.
A cédula trazia a seguinte pergunta : “A cidade de Chicago ou o Estado de Illinois deveriam reduzir a influência do dinheiro oriundo de interesses privilegiados nas eleições, passando a financiar campanhas com pequenas doações e uma quantia limitada de recursos públicos ?”
A questão subentende que o método de financiamento a ser adotado é o small donor matching system, pelo qual doações privadas de pequeno valor são duplicadas por recursos públicos. Dito de outro modo, para cada pequena doação de pessoa física, o poder público aporta uma outra doação de igual valor. Assim, quanto maior o número de pequenas doações privadas, maior também o financiamento público.
Esse método não é novidade no direito eleitoral norte-americano, porque é o método de financiamento público adotado nas eleições primárias federais.
A esmagadora maioria dos votantes (79%) respondeu afirmativamente.
Ao que tudo indica, por trás do resultado da votação está a insatisfação popular com as regras em vigor, que permitiram que a campanha milionária do atual prefeito tenha sido financiada em grande parte por um pequeno número de polpudas doações privadas.
No entanto, essa consulta pública não vincula juridicamente o Poder Legislativo. É preciso ainda que um projeto de lei modificando as regras do financiamento eleitoral seja aprovado pelo legislativo municipal.

Mas, sem dúvida, o apoio maciço do eleitorado a essa proposta representa uma poderosa mensagem ao legislador de que é preciso  mudar as regras que disciplinam o financiamento das campanhas municipais em Chicago.