Leia artigo publicado hoje no site Jota.info:
e-Leitor: Eleição, propaganda e dinheiro
Por Henrique Neves da Silva
Ministro
do Tribunal Superior Eleitoral
A
partir de hoje, o JOTA, reafirmando seu compromisso com o debate aberto e sem
preconceitos, abre um espaço para discussão sobre temas de direito eleitoral.
Com um grupo inicial de dez pessoas ligadas diretamente ao tema, os comentários
sobre os fatos mais relevantes que envolvem as eleições brasileiras e, em
alguns casos, o direito comparado serão apresentados semanalmente, em
princípio. Registro a honra de ter sido indicado para produzir a primeira
manifestação neste importante espaço.
A
ideia que motiva os autores não é a de apenas criticar ou enaltecer nossas leis
ou instituições, mas permitir e incentivar o livre debate de ideias voltadas à
realização das eleições, cujas complexidades geram grandes repercussões para a
sociedade e toda a nação.
As
leis eleitorais são intricadas. Nosso anacrônico Código Eleitoral é de 1965,
editado ainda sob a vigência da Constituição de 1946. As regras da Lei das
Eleições – Lei nº 9.504, de 1997 – são alteradas com frequência e o Tribunal
Superior Eleitoral precisa, em consequência, alterar suas instruções. A
alteração legislativa e a alternância dos membros das Cortes Eleitorais fazem
com que a jurisprudência eleitoral se torne dinâmica, com alterações de
entendimento substanciais.
Entretanto,
definida e aplicada determinada tese jurídica em um caso concreto, a segurança
jurídica impõe que todos os feitos que estiverem em igualdade de situação
recebam a mesma solução e que eventuais evoluções de entendimento somente
atinjam os pleitos futuros, por força do art. 16 da Constituição da República,
o qual o Supremo Tribunal Federal reconheceu aplicável também às alterações de
jurisprudência (RE 637.485/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 21.5.2013).
As
sistemáticas alterações da legislação eleitoral, contudo, dificultam a obrigação
de se privilegiar a segurança jurídica, uma vez que o complexo normativo que
serviu à formação do entendimento em pleitos anteriores sofre, a cada eleição,
substanciais modificações. Para agravar a situação, as alterações muitas vezes
são examinadas pelo Tribunal Superior Eleitoral ou pelo Supremo Tribunal
Federal somente após a realização das eleições, em razão da soma dos prazos
processuais, que ultrapassa o período crítico das campanhas eleitorais.
As
alterações introduzidas em 2015, que serão aplicadas nas eleições municipais de
2 de outubro deste ano, eliminaram, na prática, a possibilidade de grande parte
dos feitos eleitorais serem julgados definitivamente antes das eleições. A data
da eleição prevista na Constituição para ocorrer no primeiro domingo de outubro
foi mantida. O registro das candidaturas, que antes ocorria até o dia 5 de
julho, agora tem como data limite o dia 15 de agosto. A propaganda eleitoral,
que se iniciava em 6 de julho, agora terá início no dia 16 de agosto e os
programas de rádio e televisão somente irão ao ar nos 35 dias que antecedem a
eleição, e não mais por 45, com era anteriormente.
Em
compensação, o número de inserções veiculadas ao longo da programação aumentou.
Antes eram trinta minutos diários e, a partir deste ano, serão setenta minutos.
Os eleitores serão atingidos com até cento e quarenta anúncios das candidaturas
ao longo do dia nas rádios e mais cento e quarenta peças publicitárias ao longo
da programação normal das emissoras de televisão, ultrapassando o dobro do que
estavam acostumados, sem contar o tempo da propaganda em bloco e os debates que
podem ser realizados pelas emissoras.
Entre
as novidades sobre a propaganda eleitoral, há uma nova regra, que tem dividido
opiniões. As peças publicitárias deverão ser protagonizadas pelos candidatos.
Não haverá espaço para apresentadores ou efeitos especiais.
Alguns
comparam essa nova regra à Lei Falcão, quando se permitia apenas a exibição da
foto do candidato e a leitura do seu currículo. A situação não é tão drástica assim.
A liberdade de expressão do candidato, que era totalmente cerceada na época Lei
Falcão, é e deve ser amplamente assegurada nos dias atuais, de modo que o
candidato só responda por ofensa que cometer ou fato inverídico que divulgue em
relação aos demais concorrentes.
O
que se impõe, nos dias de hoje, é apenas que somente o candidato seja o
principal participante de sua propaganda, para que o eleitorado possa avaliar
as suas propostas a partir da sua fala e forma de exposição, sem a contaminação
fabricada por equipes de especialistas ou de forma impessoal, como eram as
pinturas em muro, agora proibidas.
A
medida foi defendida como uma forma de também reduzir os custos da propaganda
eleitoral, que já caminhavam para o irracional nas eleições anteriores. Em
2014, segundo dados da assessoria de exame de contas eleitorais do TSE, foram
dispendidos mais de 7,3 bilhões de reais pelos candidatos que disputaram as
eleições gerais e prestaram contas. Nas eleições municipais de 2012, foram mais
6,2 bilhões de reais.
Nesse
aspecto, as eleições de 2016 serão marcadas por uma limitação dos gastos
eleitorais que não existia anteriormente. A Lei nº 9.504/97 previa, na sua
redação original, que a cada pleito seria editada uma norma estabelecendo o
limite máximo de gastos dos candidatos. Essa lei nunca existiu e os partidos
eram livres para estabelecer, por critérios próprios, os limites de gastos de
seus candidatos. O Congresso Nacional alterou a legislação e estabeleceu os
critérios para que o Tribunal Superior Eleitoral divulgue, a cada eleição, um
único limite máximo de gastos para todos os candidatos que concorram ao mesmo
cargo, equilibrando as oportunidades entre eles. Ainda resta equilibrar a
capacidade de doar, pois fora mantido o limite de doação em 10% dos rendimentos
brutos do doador no ano anterior ao da eleição. Os mais ricos, em consequência,
podem doar maior quantia do que os menos favorecidos. De qualquer forma, foi um
avanço.
Os
valores que serão atualizados no meio do ano de acordo com a inflação já estão
disponíveis na página do TSE na internet. O maior limite do teto de gastos
previsto é para o cargo de prefeito do município de São Paulo, quase 34 milhões
de reais por candidato, para um município que tem cerca de 8,6 milhões de
eleitores. Na capital paulista, a dificuldade que os candidatos enfrentarão
será a de arrecadar esses valores, em razão da proibição das doações oriundas
de pessoas jurídicas. Em uma média simples, para atingir o teto de gastos, cada
candidato teria que arrecadar pouco menos do que quatro reais de cada um dos
eleitores paulistanos. A prática brasileira, contudo, demonstra que a doação em
espécie realizada pelas pessoas físicas não é algo que ocorra em grande escala
como em outros países.
Exemplo
dessa inapetência foi verificado quando o Congresso Nacional – motivado pelo
enorme sucesso que o então candidato Barack Obama obteve – regulou as doações
pela internet no Brasil. O custo para criação e manutenção de uma página segura
para este fim, em muitos casos, tem ultrapassado o valor arrecadado pelos
candidatos, que representa reduzidíssimo percentual das doações realizadas.
Em
contrapartida, o menor teto de gastos fixado pelas novas regras é de R$
10.000,00 e incidirá em mais de 4.500 municípios para o cargo de vereador. No
caso de prefeito, o menor valor do teto é de R$ 100.000,00 e também deverá ser
respeitado em várias cidades. Nessas situações, a dificuldade que provavelmente
ocorrerá será a de não ultrapassar o limite previsto, que, além de multa, pode
ocasionar a perda do registro ou a cassação do diploma do candidato.
Isso
porque, no limite de gastos, não são computadas apenas as doações realizadas
pelas pessoas físicas em espécie, ou seja, o dinheiro arrecadado. Consideram-se
também todas as doações feitas mediante a cessão de bens ou de serviços. Se um
eleitor resolve emprestar o seu carro para que o candidato realize sua campanha
ou divulgue a sua propaganda, o valor desse empréstimo, calculado como se fosse
um aluguel, deve ser contabilizado na prestação de contas do candidato, com a
emissão de um recibo eleitoral em favor do eleitor, somando-se aos valores que
são depositados na conta bancária especialmente aberta pelo candidato, cujos
extratos são encaminhados à Justiça Eleitoral.
Teremos
uma eleição, portanto, com dificuldades diferenciadas nos grandes e pequenos
municípios, as quais serão marcadas por um dos maiores avanços obtidos nos
últimos anos nessa área. Agora, os candidatos deverão informar no curso das
campanhas as doações que receberem, que serão divulgadas pela Justiça Eleitoral
em três dias.
Com
isso, o eleitor poderá saber quem são os aliados que financiam o candidato.
Nesse ponto, a transparência melhora a informação e permite que o eleitor
defina seu voto com elementos que antigamente só eram conhecidos, quando se sabia,
após as eleições.
A conjunção das limitações financeiras e as
impostas à propaganda eleitoral trazem maiores desafios aos candidatos, cuja
criatividade na forma de expor as suas ideias e propostas não será tutelada
exclusivamente por profissionais de marketing.
Aponta-se
que, com essas restrições, os atuais ocupantes dos cargos que possam disputar a
reeleição teriam benefícios em relação aos demais. Algumas regras foram
introduzidas para minimizar, mas não eliminar totalmente essa vantagem (que, em
alguns casos, pode ser desvantagem).
A
primeira diz respeito à ampliação das exceções da propaganda antecipada. Com
acerto, a nova lei estabelece, entre outras hipóteses, que as manifestações dos
pré-candidatos sobre temas políticos, inclusive as veiculadas pela internet,
não devem ser consideradas como propaganda antecipada. Realmente, não há lógica
em se permitir que os jornais noticiem que determinada pessoa pretende
concorrer a um cargo eletivo e exigir que os institutos de pesquisa registrem
perante a Justiça Eleitoral, desde o início do ano de eleição, o nome dos
pré-candidatos que constam dos levantamentos de opinião quando a própria
pessoa, se fizer alguma menção à eleição, corre o risco de ser multada. A
propaganda eleitoral antecipada que deve ser coibida é aquela que revela ato
ostensivo e inequívoco de propaganda, tal como a confecção de material impresso
ou a realização de comícios. O livre debate de ideias, essencial à democracia,
não pode ser tolhido.
A
segunda regra alterada diz respeito ao limite de gastos da propaganda
institucional realizada pelos governantes, que, de acordo com a Constituição da
República, não podem ser nela identificados. Anteriormente, esse limite era
calculado pela média dos últimos três anos ou pelo valor despendido no ano
anterior ao da eleição. Ocorre, porém, que os valores anteriormente gastos
refletiam a publicidade institucional de todo um ano, que ficava concentrada no
primeiro semestre do ano da eleição, em face da proibição de sua realização nos
três meses que antecedem o pleito. Em outras palavras, era permitido gastar no
primeiro semestre o que normalmente era consumido em um ano. Isso não é mais
permitido. O limite, agora, é calculado de acordo com a média dos gastos
realizados nos primeiros semestres dos três anos anteriores.
Certo,
porém, é que as preocupações sobre as vantagens que determinado candidato terá
em relação aos demais, por ser mais conhecido da população, não podem ser
encaradas como um malefício a ser combatido arduamente apenas porque elas
existem.
É
normal, em qualquer sociedade, que determinadas pessoas tenham uma maior
projeção em razão da divulgação de seu trabalho, sejam elas administradores
públicos ou personalidades de qualquer ramo de atividade, ou mesmo apenas uma
liderança natural entre vizinhos.
As
garantias asseguradas para que todos os candidatos possam apresentar suas
propostas não se estendem aos fatos e ações que eles praticaram ou produziram
no passado. A igualdade deve ser medida pelas oportunidades que devem ser a
todos permitidas de forma isonômica, a partir do início das campanhas
eleitorais. Os eventuais abusos do poder econômico e político que tenham
gravidade suficiente para afetar a normalidade e legitimidade das eleições é
que devem ser investigados e sancionados, quando for o caso.
Esses
e outros temas serão tratados neste novo espaço, a partir de visões próprias e
diferentes, as quais, contudo, possuem um objetivo comum: sempre aperfeiçoar a
democracia.
O e-Leitor está, desde já,
convidado para participar desse debate, como principal e verdadeiro detentor do
poder.