quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Brasil: Argumentos favoráveis e contrários ao monopólio partidário das candidaturas

Diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos e na França, em que as candidaturas avulsas são admitidas, a Constituição Federal brasileira de 1988 inclui entre as condições de elegibilidade a filiação partidária (art. 14, § 3º, V), instituindo o monopólio partidário das candidaturas.
 Historicamente, esse monopólio teve início no Brasil com o Código Eleitoral de 1945 (DL nº 7.586/1945, conhecido como Lei Agamenon), e não mais foi quebrado até os dias de hoje. Embora o anteprojeto que deu origem à Lei Agamenon tivesse mantido a permissão para as candidaturas avulsas, mediante requerimento firmado por duzentos eleitores, no texto final consagrou-se o monopólio. Isso porque prevaleceu o entendimento de que a exigência de um número reduzido de eleitores para a apresentação dos postulantes favoreceria a pulverização na escolha eleitoral e a dispersão dos votos.
Consolidou-se assim no Brasil a ideia da democracia pelos partidos, em que se vota não num candidato avulso, solto e independente, mas em alguém vinculado a um certo ideário político e a um programa de governo, passando os partidos políticos a intermediar e a organizar oficialmente as demandas da sociedade.
Mas, levando em conta a atual insatisfação da sociedade brasileira com os partidos políticos, e o envolvimento deles em escândalos de corrupção, em setembro de 2017 uma juíza da 132ª Zona Eleitoral de Aparecida de Goiânia autorizou o registro de uma candidatura sem filiação a partido político. Em janeiro de 2018, foi determinado que o TSE desenvolvesse softwares adequados à candidatura avulsa. Mas em 31.01.2018 o presidente do TRE-GO decidiu suspender essas decisões.
A propósito, a Lei nº 12.488, que integra o pacote de medidas da chamada reforma política de 2017, incluiu o § 14 no art. 11 da Lei das Eleições, dispondo que "é vedado o registro de candidatura avulsa, ainda que o requerente tenha filiação partidária".
Cumpre então evocar os argumentos favoráveis às candidaturas avulsas e os argumentos em sentido contrário, favoráveis à manutenção do monopólio partidário.
Os que defendem as candidaturas avulsas argumentam, em primeiro lugar, que atualmente a sociedade tende a se organizar em outros tipos de grupos, como ONGs e movimentos, e que os partidos teriam perdido a capacidade de representar a sociedade.
Em segundo lugar, seria vantajoso que ninguém precisasse permanecer filiado a um partido político apenas pelo fato de querer se candidatar.
Em terceiro lugar, sem o monopólio partidário das candidaturas, os partidos teriam que se desdobrar nas campanhas para sobreviver, com ganhos para a democracia
E com listas de apoiadores restritas à circunscrição onde se apresenta a candidatura, os custos da participação política seriam reduzidos.
E, por fim, as candidaturas avulsas estimulariam a participação política do cidadão, consolidando a cultura política e a própria democracia.
Por outro lado, os que defendem o monopólio partidário das candidaturas argumentam, em primeiro lugar, que a admissão das candidaturas avulsas só faria sentido em países com partidos fortes, como é o caso dos Estados Unidos e da França.
As candidaturas avulsas, registradas mediante apresentação de listas de assinaturas de apoiadores, concorreriam com os partidos, contribuindo para o seu enfraquecimento
Considerando que os partidos políticos têm a função, como dito, de representar um ideário político e defender a adoção de um programa de governo, de forma a intermediar as demandas da sociedade de forma organizada, não interessaria a democracia que os partidos fossem fracos.
Em segundo lugar, as listas de apoiadores das candidaturas avulsas terminariam por se comportar como partidos políticos, apenas sujeitas a menos restrições legais.
Na prática, seria uma forma facilitada de criação de partidos políticos, o que não favoreceria a democracia porque as exigências impostas à criação de partidos políticos asseguram que eles tenham ao menos um mínimo de legitimidade.
E os candidatos avulsos, sem acesso às formas de financiamento de campanhas de que dispõem os partidos, teriam que ser muito ricos, com capacidade econômica para custear a própria campanha, e tenderiam, uma vez eleitos, a defender interesses particulares de grupos economicamente poderosos, e não ideias e propostas comprometidas com o interesse público. 

Referências:

CARVALHO, André Norberto Carbone de. A democracia brasileira: Uma democracia pelos partidos ?, São Paulo, 2012. Disponível em : <http://tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/1063/1/Andre%20Norberto%20Carbone%20de%20Carvalho.pdf>. Acesso em: 30 out. 2018.

Emenda quebra monopólio dos partidos políticos nas eleições. Jornal do Senado, 15 a 21 de junho de 2009.  Disponível em: <http://www.dpd.ufv.br/wp-content/uploads/DIR-130-CANDIDATURA-AVULSA-JORNAL-DO-SENADO.pdf>. Acesso em: 31 out. 2018.

MOURA, Rafael Moraes e PUPO, Amanda. Presidente do TRE-GO derruba decisão que autorizou candidatura avulsa. O Estado de S. Paulo, 2 de fevereiro de 2018. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/presidente-do-tre-go-derruba-decisao-que-autorizou-candidatura-avulsa/>. Acesso em: 30 out. 2018.

PORTO, Walter Costa. Candidato avulso. In: Dicionário do voto, São Paulo: Giordano, 1995.

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Brasil: Argumentos favoráveis e contrários à obrigatoriedade do voto


Diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos e na França, o voto no Brasil é obrigatório para a maior parte do eleitorado – isto é, para os brasileiros alfabetizados que têm entre 18 e 70 anos. Já para os analfabetos, para os que têm entre 16 e 18 e para os maiores de 70 anos o alistamento eleitoral e o voto são facultativos.
O Código Eleitoral comina sanções ao descumprimento do dever de votar: “O eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até 30 (trinta) dias após a realização da eleição incorrerá na multa de 3 (três) a 10% (dez por cento) sobre o salário mínimo[1] da região, imposta pelo juiz eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367” (art. 7º). A Lei nº 6.091/1974 ampliou para 60 dias o prazo para justificação (arts. 7º e 16).
Além da multa, o Código prevê outras sanções. Assim, sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, o eleitor fica impedido de inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles; receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou paraestatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição; participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das respectivas autarquias; obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos; obter passaporte[2] ou carteira de identidade; renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo; praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda (art. 7º, § 1º).
O eleitor que não votar em 3  eleições consecutivas, não pagar a multa ou não se justificar no prazo de 6  meses, terá a inscrição eleitoral cancelada a contar da data da última eleição a que deveria ter comparecido (art. 7º, § 3º).
Isto posto, comecemos pelos argumentos favoráveis. O primeiro deles é que, embora a obrigatoriedade do voto no Brasil seja mais simbólica do que real (pode-se com facilidade justificar a ausência – até mesmo via internet, ou pagar uma multa irrisória, ou ainda comparecer e anular o voto), o comparecimento no Brasil hoje é alto, em comparação com os países onde o voto é facultativo. No primeiro turno das eleições gerais de 2018, compareceram 79,67% dos eleitores aptos a votar.
Em segundo lugar, o estudo da política comparada indica que onde o voto é facultativo os que deixam de votar são sobretudo os mais pobres e os jovens. A consequência disso seria óbvia: as políticas públicas a serem implementadas pelos titulares de mandato eletivo passariam a desconsiderar os interesses dessas fatias da população.
Em terceiro lugar, a eleição tem uma função pedagógica. A obrigatoriedade do voto torna esse um momento de informação do eleitorado. De dois em dois anos, devemos nos atualizar acerca dos assuntos que dizem respeito à nossa vida coletiva e decidir por pessoas, ideias e projetos. Em países onde o voto não é obrigatório, esse processo tenderia a se diluir e parcela importante dos cidadãos passaria incólume pelo processo eleitoral. No Brasil, as eleições são um evento cívico vivido por praticamente todos.
Além disso, o fato de que votar é um direito não impede que seja, também, um dever, e de importância fundamental, entre tantos outros impostos pela ordem jurídica, como registro civil, vacinação, educação fundamental, alistamento militar, etc.
Por fim, há quem advirta para o fato de que, com o voto facultativo, os candidatos desonestos tentariam comprar o comparecimento às urnas.
Passemos aos argumentos contrários. O principal argumento contrário à obrigatoriedade do voto é que ela violaria o princípio da liberdade de expressão e negaria o livre-arbítrio, ratificando a imaturidade do povo e constituindo indevida tutela do cidadão. Seria então contraditório considerar o cidadão preparado para escolher o dirigente máximo do país, mas não para decidir se vai ou não comparecer à votação.
Em segundo lugar, pesquisas indicam que a opinião pública é favorável ao voto facultativo. Reforça essa impressão o fato de que, no segundo turno das eleições de 2018, a soma dos votos nulos, em branco e abstenções chegou a 42,1 milhões, cerca de um terço do total.
Em terceiro lugar, argumenta-se que na grande maioria dos países desenvolvidos o voto é facultativo. O voto seria obrigatório apenas em 31 países do mundo, de um total de 236, sendo a maioria na América Latina. No rol das 15 maiores economias do mundo, somente no Brasil o voto é obrigatório.
Por fim, o voto dado por obrigação seria muitas vezes inconsciente e desprovido de convicção, dado a qualquer candidato, apenas para cumprir o dever.

Referências:

CARVESAN, Luiz. Pelo direito de não votar. Folha OnLine, 16 de setembro de 2006. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/luizcaversan/ult513u383432.shtml>. Acesso em: 29 out. 2018.

DUQUE, Hélio. Voto facultativo: Democracia Real. Alerta Total, 11 out. 2016. Disponível em: <http://www.alertatotal.net/2016/10/voto-facultativo-democracia-real.html>. Acesso em: 29 out. 2018.

FERES JUNIOR, João; KERCHE, Fábio. Em defesa do voto obrigatório. Folha de S.Paulo, 21 de novembro de 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/11/1374263-joao-feres-junior-e-fabio-kerche-em-defesa-do-voto-obrigatorio.shtml>. Acesso em: 29 out. 2018.

GRANDIN, Felipe; OLIVEIRA, Leandro; ESTEVES, Rodrigo. Percentual de voto nulo é o maior desde 1989; soma de abstenções, nulos e brancos passa de 30%. G1, 28 de outubro de 2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-em-numeros/noticia/2018/10/28/percentual-de-voto-nulo-e-o-maior-desde-1989-soma-de-abstencoes-nulos-e-brancos-passa-de-30.ghtml>. Acesso em: 29 out. 2018.

GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 14 ed. São Paulo: Gen-Atlas, 2018, p. 647 e s.

RAMALHO, Renan. TSE conclui apuração do primeiro turno; 79,6% dos eleitores foram às urnas. G1, 9 de outubro de 2018. Disponível em: <shttps://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/10/09/tse-conclui-apuracao-do-primeiro-turno-796-dos-eleitores-foram-as-urnas.ghtml>. Acesso em: 29 out. 2018.

SCHWARTSMAN, Hélio. Direito na marra. Folha de S.Paulo, 10 jun. 2010. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/748349-direito-na-marra.shtml>. Acesso em: 29 out. 2018.


[1] As penalidades de multa de que trata o Código Eleitoral devem ser aplicadas de acordo com a Constituição Federal, que em seu art. 7º, IV, veda a vinculação do salário mínimo para qualquer fim. Por essa razão, a Res. TSE nº 21.538/2003 determina que a base de cálculo para aplicação das multas previstas pelo Código Eleitoral e leis conexas será o último valor fixado da Ufir (R$ 1,0641), multiplicado pelo fator 33,02, até que seja aprovado novo índice, em conformidade com as regras de atualização dos débitos para com a União (art. 85).
[2] A Lei nº 13. 165/2015 incluiu o § 4º no art. 7º prevendo que “O disposto no inciso V do § 1o não se aplica ao eleitor no exterior que requeira novo passaporte para identificação e retorno ao Brasil”. Isso porque o eleitor que deixar de votar por estar fora do Brasil pode justificar sua ausência em até 30 dias contados da data do retorno ao Brasil (Res. TSE nº 21.538/2003, art. 80, § 1º).

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Brasil: TSE nega pedido de Bolsonaro para tirar do ar notícia sobre esquema do WhatsApp


Leia matéria publicada ontem na Revista Consultor Jurídico:

Por Fernando Martines

A reportagem do jornal Folha de S.Paulo que relata um suposto esquema financiado por empresas para compartilhamento em massa de mensagens em favor do candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL) não tem elementos que possam desequilibrar a disputa eleitoral. Com este entendimento, o ministro Sérgio Banhos, do Tribunal Superior Eleitoral, não acolheu pedido de liminar da coligação de Bolsonaro para que o conteúdo fosse retirado do ar e lhe fosse dado direito de resposta.  

A campanha de Bolsonaro alegava que a reportagem seria suspeita por, segundo eles, a jornalista e o editor que a fizeram serem de esquerda e simpatizantes do PT e do candidato Fernando Haddad (PT). Afirmava também que Bolsonaro não foi procurado para dar sua versão e que se trata de divulgação de mentira, algo que é proibido pela legislação eleitoral.

Porém, para o TSE, a reportagem está dentro dos limites aos direitos à livre manifestação do pensamento e à liberdade de expressão e informação, de alta relevância no processo democrático.
O ministro Banhos destaca que, após a publicação da notícia, foram ajuizadas ações de investigação judicial eleitoral no TSE para apurar os fatos narrados no jornal. Além disso, a Procuradoria­-Geral da República determinou à Polícia Federal que instaurasse inquérito policial para apurar eventual utilização de esquema profissional, por parte das campanhas de Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, com o propósito de propagar fake news.

"O simples fato de a referida matéria ser investigativa não altera a sua natureza jornalística. E, em termos de liberdade de imprensa, não se deve, em regra, suprimir o direito à informação dos eleitores, mas eventualmente conceder direito de resposta ao ofendido", afirma o ministro na decisão.
Ao negar o pedido de liminar, Banhos determinou que a Folha fosse citada para fazer sua defesa, e que o representante do Ministério Público Eleitoral também se manifestasse, no prazo de um dia.

Consequências 

A reportagem publicada na quinta-feira (18/10) pelo jornal Folha de S.Paulo mostra que empresas estariam contratando agências para fazer disparos de mensagens pelo WhatsApp contra o PT na semana que antecede o segundo turno das eleições. A prática é proibida pela legislação eleitoral, pois configura doação feita por pessoa jurídica. 

Segundo a apuração do jornal, o valor de um contrato pode chegar a R$ 12 milhões. Uma das empresas compradoras seria a Havan, cujo dono gravou vídeo coagindo os funcionários a votar em Jair Bolsonaro (PSL).
O PT pediu ao TSE que Bolsonaro seja considerado inelegível e que os empresários envolvidos sejam incluídos na ação que foi aberta. 

Após a publicação da notícia, o WhatsApp baniu centenas de contas que identificou como propagadoras de mentiras. 

Outro efeito da publicação da reportagem foi que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu que a Polícia Federal instaure inquérito para apurar se empresas de tecnologia têm disseminado, de forma estruturada, mensagens em redes sociais referentes aos dois candidatos que disputam o segundo turno das eleições para presidente da República. O pedido foi feito em ofício enviado ao ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann.


sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Brasil: Bolsonaro pode ser punido se foi beneficiado, dizem especialistas


Leia matéria publicada hoje no jornal Folha de S.Paulo:

Investigação pode ocorrer se forem verificados indícios de abuso de poder

Joelmir Tavares
SÃO PAULO

Um candidato pode ser responsabilizado caso se beneficie de apoio ilegal de empresários, disseram especialistas em direito eleitoral ouvidos pela Folha sobre o caso de entusiastas de Jair Bolsonaro (PSL) comprando pacotes de mensagens contra o PT.
A prática pode envolver ao menos três irregularidades: 1) são proibidas doações de pessoas jurídicas; 2) todo dinheiro gasto de alguma forma na campanha precisa ser declarado; 3) não é permitido usar listas de contatos compradas para espalhar conteúdos.
Se houver indício de que a chapa foi favorecida por abuso de poder econômico que promoveu desequilíbrio na disputa, titular da candidatura e vice podem ter que responder.
“Não consigo imaginar uma empresa doando recursos vultosos para uma campanha sem avisar o candidato”, diz o doutor em direito e professor Renato Ribeiro de Almeida. “Uma vez beneficiado, ele também é responsável, no meu ponto de vista. Deveria ser, no mínimo, investigado.”
Bolsonaro disse nesta quinta (18) “não ter controle” sobre o tema. “Não tenho como saber e tomar providência”, afirmou ao site O Antagonista.
O candidato pode ser punido, porque uma ação do tipo “afeta diretamente o processo eleitoral e beneficia um dos lados”, acrescenta o advogado Luciano Santos, diretor do MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral).
“Isso vai ser apurado no processo, mas existe a figura do beneficiário consentido, que é alguém que está sendo favorecido e não toma providência para que a conduta ilícita seja interrompida”, afirma.
Se for comprovado, um caso como o que envolve Bolsonaro pode provocar a cassação do registro, caso haja decisão judicial durante a campanha; impedimento da diplomação, caso se eleja e seja responsabilizado após o pleito; ou a cassação do mandato, se já estiver exercendo o cargo.
Empresários e apoiadores que tenham bancado a divulgação de mensagens podem ser punidos com multa ou com outras medidas que a Justiça decidir aplicar.
A situação se agrava se o conteúdo espalhado for falso. As fake news aparecem na lei sob a nomenclatura de “fatos sabidamente inverídicos”. 
O termo foi incluído pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na resolução 23.551, que foi publicada em dezembro de 2017 e regulamenta a propaganda nestas eleições.
Por ser um assunto novo no âmbito dos tribunais eleitorais, falta clareza na definição e as situações estão sendo analisadas caso a caso.
A primeira decisão foi dada ainda na pré-campanha, a pedido da então presidenciável Marina Silva (Rede). Um magistrado do TSE atendeu a um pedido da defesa da ex-senadora e mandou excluir postagens no Facebook que a relacionavam à Operação Lava Jato.
“Nas redes sociais, a grande dificuldade é o WhatsApp”, diz Almeida. “Há uma dificuldade de saber de onde a mensagem vem, para quem foi entregue e o próprio aplicativo diz que não tem como saber, porque a comunicação é criptografada. Há aí um problema.”
Aqui vale o mesmo entendimento, na opinião dos especialistas, em relação à responsabilidade do candidato.
Se ficar provada participação ou conivência com a disseminação de notícias falsas que tenham promovido algum desequilíbrio de condições na disputa ou induzido o eleitor a erro, o político pode ter que responder também.
Em junho, o então presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Luiz Fux, afirmou que a Justiça poderá eventualmente anular o resultado de uma eleição se ele for decorrência da difusão massiva de fake news.
O Código Eleitoral prevê também a anulação de uma votação se houver algum tipo de fraude ou interferência indevida do poder econômico.
O impulsionamento de conteúdos em redes sociais passou a ser permitido nas eleições deste ano e está sendo usado no Facebook e no Instagram. A regra é que o teor precisa ser identificado como propaganda eleitoral.
Não foram fixadas regras específicas para o WhatsApp.
“A princípio, o que não é proibido você pode fazer”, pondera a professora Marilda Silveira, especialista em direito eleitoral. “A lei é clara, por exemplo, em dizer que não pode comprar banco de dados.”
Ela, que também é advogada do partido Novo, diz que um caso como o que envolve Bolsonaro demandaria uma análise mais aprofundada.
“É preciso saber o que foi pago, de onde o dinheiro veio, quem é a pessoa que gastou, se foi feito para divulgação de informação, que tipo de banco de dados foi usado para isso”, segue Marilda.
Segundo a professora, a descoberta de que tenha havido uso de fake news pode ser um agravante, caso uma eventual investigação elucide os fatos.
“A desinformação é uma questão muito séria, que também gera perda de mandato. Se o eleitor conhece o fato errado, a manifestação dele na urna não é livre. Isso também é grave e pode ser punido.”


quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Brasil: Empresários bancam campanha contra o PT pelo WhatsApp


Leia matéria publicada hoje no jornal Folha de S.Paulo:

Com contratos de R$ 12 milhões, prática viola a lei por ser doação não declarada

Patrícia Campos Mello
SÃO PAULO

Empresas estão comprando pacotes de disparos em massa de mensagens contra o PT no WhatsApp e preparam uma grande operação na semana anterior ao segundo turno. 
A prática é ilegal, pois se trata de doação de campanha por empresas, vedada pela legislação eleitoral, e não declarada. 
Folha apurou que cada contrato chega a R$ 12 milhões e, entre as empresas compradoras, está a Havan. Os contratos são para disparos de centenas de milhões de mensagens.
As empresas apoiando o candidato Jair Bolsonaro (PSL) compram um serviço chamado "disparo em massa", usando a base de usuários do próprio candidato ou bases vendidas por agências de estratégia digital. Isso também é ilegal, pois a legislação eleitoral proíbe compra de base de terceiros, só permitindo o uso das listas de apoiadores do próprio candidato (números cedidos de forma voluntária).
Quando usam bases de terceiros, essas agências oferecem segmentação por região geográfica e, às vezes, por renda. Enviam ao cliente relatórios de entrega contendo data, hora e conteúdo disparado.
Entre as agências prestando esse tipo de serviços estão a Quickmobile, a Yacows, Croc Services e SMS Market.
Os preços variam de R$ 0,08 a R$ 0,12 por disparo de mensagem para a base própria do candidato e de R$ 0,30 a R$ 0,40 quando a base é fornecida pela agência.
As bases de usuários muitas vezes são fornecidas ilegalmente por empresas de cobrança ou por funcionários de empresas telefônicas.
Empresas investigadas pela reportagem afirmaram não poder aceitar pedidos antes do dia 28 de outubro, data da eleição, afirmando ter serviços enormes de disparos de WhatsApp na semana anterior ao segundo turno comprados por empresas privadas.
Questionado se fez disparo em massa, Luciano Hang, dono da Havan, disse que não sabe "o que é isso". "Não temos essa necessidade. Fiz uma 'live' aqui agora. Não está impulsionada e já deu 1,3 milhão de pessoas. Qual é a necessidade de impulsionar? Digamos que eu tenha 2.000 amigos. Mando para meus amigos e viraliza."
Procurado, o sócio da QuickMobile, Peterson Rosa, afirma que a empresa não está atuando na política neste ano e que seu foco é apenas a mídia corporativa. Ele nega ter fechado contrato com empresas para disparo de conteúdo político.
Richard Papadimitriou, da Yacows, afirmou que não iria se manifestar. A SMS Market não respondeu aos pedidos de entrevista.
Na prestação de contas do candidato Jair Bolsonaro (PSL),  consta apenas a empresa AM4 Brasil Inteligência Digital, como tendo recebido R$ 115 mil para mídias digitais. 
Segundo Marcos Aurélio Carvalho, um dos donos da empresa, a AM4 tem apenas 20 pessoas trabalhando na campanha. "Quem faz a campanha são os milhares de apoiadores voluntários espalhados em todo o Brasil. Os grupos são criados e nutridos organicamente", diz.
Ele afirma que a AM4 mantém apenas grupos de WhatsApp para denúncias de fake news, listas de transmissão e grupos estaduais chamados comitês de conteúdo.
No entanto, a Folha apurou com ex-funcionários e clientes que o serviço da AM4 não se restringe a isso.
Uma das ferramentas usadas pela campanha de Bolsonaro é a geração de números estrangeiros automaticamente por sites como o TextNow.
Funcionários e voluntários dispõem de dezenas de números assim, que usam para administrar grupos ou participar deles. Com códigos de área de outros países, esses administradores escapam dos filtros de spam e das limitações impostas pelo WhatsApp —o máximo de 256 participantes em cada grupo e o repasse automático de uma mesma mensagem para até 20 pessoas ou grupos.
Os mesmos administradores também usam algoritmos que segmentam os membros dos grupos entre apoiadores, detratores e neutros, e, desta maneira, conseguem customizar de forma mais eficiente o tipo de conteúdo que enviam. 
Grande parte do conteúdo não é produzida pela campanha —vem de apoiadores. 
Os administradores de grupos bolsonaristas também identificam "influenciadores": apoiadores muito ativos, os quais contatam para que criem mais grupos e façam mais ações a favor do candidato. A prática não é ilegal.
Não há indício de que a AM4 tenha fechado contratos para disparo em massa; Carvalho nega que sua empresa faça segmentação de usuários ou ajuste de conteúdo.
As estimativas de pessoas que trabalham no setor sobre o número de grupos de WhatsApp anti-PT são muito vagas —vão de 20 mil a 300 mil— pois é impossível calcular os grupos fechados. 
Diogo Rais, professor de direito eleitoral da Universidade Mackenzie, diz que a compra de serviços de disparo de WhatsApp por empresas para favorecer um candidato configura doação não declarada de campanha, o que é vedado.
Ele não comenta casos específicos, mas lembra que dessa forma pode-se incorrer no crime de abuso de poder econômico e, se julgado que a ação influenciou a eleição, levar à cassação da chapa.

EM MG, ROMEU ZEMA CONTRATOU EMPRESA DE IMPULSIONAMENTO

O candidato ao governo de Minas do partido Novo, Romeu Zema, declarou ao Tribunal Superior Eleitoral pagamento de R$ 200 mil à Croc Services por impulsionamento de conteúdos. O diretório estadual do partido em Minas gastou R$ 165 mil com a empresa.
Folha teve acesso a propostas e trocas de email da empresa com algumas campanhas oferecendo disparos em massa usando base de dados de terceiros, o que é ilegal.
Indagado pela Folha, Pedro Freitas, sócio-diretor da Croc Services, afirmou: "Quem tem de saber da legislação eleitoral é o candidato, não sou eu."
Depois, recuou e disse que não sabia se sua empresa prestara serviço para Zema. Posteriormente, enviou mensagem afirmando que conferiu seus registros e que vendera pacotes de disparo em massa de WhatsApp, mas só a bases do próprio candidato, filiados ao partido e apoiadores de Zema —o que é legal.
Procurada, a campanha afirmou que "contratou serviço de envio de mensagem somente por WhatsApp para envio aos filiados do partido, pessoas cadastradas pelo website e ações de mobilização de apoiadores".
Folha apurou que eleitores em Minas receberam mensagens em WhatsApp vinculando o voto em Zema ao voto em Jair Bolsonaro dias antes do primeiro turno. Zema, que estava em terceiro nas pesquisas, terminou em primeiro.
Colaboraram Joana Cunha e Wálter Nunes

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Brasil: Facebook e YouTube têm 48h para retirar do ar vídeos com inverdades sobre livro de educação sexual


Leia notícia publicada ontem no site do TSE:

Determinação do ministro do TSE Carlos Horbach foi publicada na noite de segunda-feira (15)

Por determinação do ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Carlos Horbach, o Facebook e o YouTube deverão retirar do ar seis vídeos em que se afirma que o livro “Aparelho Sexual e Cia” foi adotado em programas governamentais enquanto o candidato Fernando Haddad (PT) ocupou o cargo de ministro da Educação (2005-2012). Conforme a decisão, a notícia é sabidamente inverídica, uma vez que o livro jamais chegou a ser adotado pelo Ministério da Educação (MEC).
Tanto o MEC quanto a editora responsável pelo livro negam que a obra tenha sido utilizada em programa escolar. Segundo ambos, o livro sequer foi indicado nas listas oficiais de material didático. A representação, com pedido liminar e de direito de resposta, foi formalizada pela Coligação O Povo Feliz de Novo e por Fernando Haddad contra a Coligação Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos, e seu candidato ao cargo de presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, entre outros.
Horbach destacou também que é fato notório que o projeto “Escola sem Homofobia” não chegou a ser executado pelo Ministério da Educação, do que se conclui que não ensejou a distribuição do material didático a ele relacionado. Além da referência a esse projeto, os conteúdos impugnados citavam que a obra constou do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) e do PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola).
Segundo o relator, a difusão da informação equivocada acerca da distribuição do livro gera desinformação no período eleitoral com prejuízo ao debate político, o que recomenda a remoção dos conteúdos com tal teor. Por essas razões, além da retirada dos vídeos, o ministro também determinou a identificação do número de IP da conexão utilizada no cadastro inicial dos perfis responsáveis pelas postagens acima listadas; dos dados cadastrais dos responsáveis, nos termos do art. 10, § 1º, da Lei nº 12.965/14; bem como registros de acesso à aplicação de internet eventualmente disponíveis (art. 34 da Resolução TSE nº 23.551/2017).
A liminar, contudo, foi deferida apenas em parte, uma vez que os vídeos a serem retirados estão publicados em seis diferentes URLs, em  vez dos 36 endereços que constam da petição inicial. Para o relator, os demais vídeos não devem ser investigados porque não citam diretamente o candidato ou seu partido e nem mesmo o Ministério da Educação.
CM/RT, DM
Processo relacionado: 0601699-41


quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Brasil: TSE fixa tese sobre participação de candidato sub judice nas eleições


Leia matéria publicada hoje no informativo Migalhas:

Plenário uniformizou entendimento acerca de incidência do artigo 16-A da lei 9.504/97; decisão, válida para eleições gerais, se deu após indeferimento da candidatura de Lula pelo plenário da Corte.

O plenário do TSE fixou tese sobre a incidência do artigo 16-A da lei 9.504/97 – lei das eleições. A decisão uniformiza interpretação, dada ao dispositivo por TREs, de que a condição de candidato sub judice cessa, nas eleições gerais, com trânsito em julgado da decisão de indeferimento do registro ou com decisão de indeferimento proferida pelo TSE.
Por unanimidade de votos, os ministros do TSE fixaram a seguinte tese:
“A condição de candidato sub judice, para fins de incidência do artigo 16-A da Lei 9.504/1997, cessa, nas eleições gerais:
1 – com o trânsito em julgado da decisão de indeferimento do registro;
ou
2 - com a decisão de indeferimento do registro proferida pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Também foi fixada a tese complementar de que, "como regra geral, a decisão de indeferimento de registro de candidatura deve ser tomada pelo plenário do TSE".

Dispositivo

O artigo estabelece que "o candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior".
O parágrafo único do dispositivo ainda prevê que "o cômputo, para o respectivo partido ou coligação, dos votos atribuídos ao candidato cujo registro esteja sub judice no dia da eleição fica condicionado ao deferimento do registro do candidato".

Interpretação

De acordo com o TSE, alguns TREs passaram a aplicar entendimento de que a decisão em instância única seria suficiente para afastar a aplicação do artigo 16-A da lei das eleições e todos os seus efeitos práticos. A incidência do artigo foi afastada pelo próprio TSE ao indeferir o registro de candidatura do ex-presidente Lula, com base na lei da ficha limpa, e concluir que o julgamento de seu registro de candidatura pela única e última instância da Justiça Eleitoral retirou sua condição de sub judice.
No caso do ex-presidente, o TSE adotou o entendimento do STF no julgamento da ADIn 5.525, quando, por maioria de votos, os ministros declararam a inconstitucionalidade da expressão “após o trânsito em julgado”, prevista no parágrafo 3º do artigo 224 do Código Eleitoral, determinando que a decisão de única e última instância da Justiça Eleitoral seja executada independentemente do julgamento de embargos de declaração.
Com isso, o dispositivo ficou com a seguinte redação: “a decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados”.

Julgamento

A tese pela uniformização do entendimento dos TREs foi proposta no julgamento de recurso, no qual Thiago de Freitas Santos, do PPL/MS, postulava o registro de sua candidatura ao Senado pelo Mato Grosso do Sul nas eleições deste ano. O pedido foi indeferido pelo TRE/MS porque ele não se desincompatibilizou do cargo em comissão de direção geral e assessoramento em órgão público para concorrer no prazo de seis meses antes do pleito, conforme estabelece a lei complementar 64/90.
No caso, Santos era subsecretário de Políticas Públicas para a Juventude do Estado, tendo permanecido no cargo até o dia 6 de julho deste ano. O indeferimento do registro foi mantido pelo TSE por unanimidade de votos.

·         Processo: 0600919-68.2018.6.12.0000