Leia matéria publicada hoje
no jornal Folha de S.Paulo:
Com contratos de R$ 12 milhões,
prática viola a lei por ser doação não declarada
Patrícia Campos Mello
SÃO PAULO
Empresas estão comprando pacotes de disparos em massa de mensagens
contra o PT no WhatsApp e preparam uma grande operação na semana anterior ao
segundo turno.
A prática é ilegal, pois se trata de doação de campanha por
empresas, vedada pela legislação eleitoral, e não declarada.
A Folha apurou que cada contrato chega a R$ 12 milhões
e, entre as empresas compradoras, está a Havan. Os contratos são para disparos
de centenas de milhões de mensagens.
As
empresas apoiando o candidato Jair Bolsonaro (PSL) compram um serviço chamado
"disparo em massa", usando a base de usuários do próprio candidato ou
bases vendidas por agências de estratégia digital. Isso também é ilegal, pois a
legislação eleitoral proíbe compra de base de terceiros, só permitindo o uso
das listas de apoiadores do próprio candidato (números cedidos de forma
voluntária).
Quando
usam bases de terceiros, essas agências oferecem segmentação por região
geográfica e, às vezes, por renda. Enviam ao cliente relatórios de entrega
contendo data, hora e conteúdo disparado.
Entre
as agências prestando esse tipo de serviços estão a Quickmobile, a Yacows, Croc
Services e SMS Market.
Os
preços variam de R$ 0,08 a R$ 0,12 por disparo de mensagem para a base própria
do candidato e de R$ 0,30 a R$ 0,40 quando a base é fornecida pela agência.
As
bases de usuários muitas vezes são fornecidas ilegalmente por empresas de
cobrança ou por funcionários de empresas telefônicas.
Empresas
investigadas pela reportagem afirmaram não poder aceitar pedidos antes do dia
28 de outubro, data da eleição, afirmando ter serviços enormes de disparos de
WhatsApp na semana anterior ao segundo turno comprados por empresas privadas.
Questionado
se fez disparo em massa, Luciano Hang, dono da Havan, disse que não sabe
"o que é isso". "Não temos essa necessidade. Fiz uma 'live' aqui
agora. Não está impulsionada e já deu 1,3 milhão de pessoas. Qual é a
necessidade de impulsionar? Digamos que eu tenha 2.000 amigos. Mando para meus
amigos e viraliza."
Procurado,
o sócio da QuickMobile, Peterson Rosa, afirma que a empresa não está atuando na
política neste ano e que seu foco é apenas a mídia corporativa. Ele nega ter
fechado contrato com empresas para disparo de conteúdo político.
Richard
Papadimitriou, da Yacows, afirmou que não iria se manifestar. A SMS Market não
respondeu aos pedidos de entrevista.
Na
prestação de contas do candidato Jair Bolsonaro (PSL), consta apenas a empresa AM4 Brasil
Inteligência Digital, como tendo recebido R$ 115 mil para mídias
digitais.
Segundo
Marcos Aurélio Carvalho, um dos donos da empresa, a AM4 tem apenas 20 pessoas
trabalhando na campanha. "Quem faz a campanha são os milhares de
apoiadores voluntários espalhados em todo o Brasil. Os grupos são criados e
nutridos organicamente", diz.
Ele
afirma que a AM4 mantém apenas grupos de WhatsApp para denúncias de fake news,
listas de transmissão e grupos estaduais chamados comitês de conteúdo.
No
entanto, a Folha apurou com ex-funcionários e
clientes que o serviço da AM4 não se restringe a isso.
Uma das ferramentas usadas pela campanha de Bolsonaro é a geração de números estrangeiros automaticamente por sites como o TextNow.
Uma das ferramentas usadas pela campanha de Bolsonaro é a geração de números estrangeiros automaticamente por sites como o TextNow.
Funcionários
e voluntários dispõem de dezenas de números assim, que usam para administrar
grupos ou participar deles. Com códigos de área de outros países, esses
administradores escapam dos filtros de spam e das limitações impostas pelo WhatsApp
—o máximo de 256 participantes em cada grupo e o repasse automático de uma
mesma mensagem para até 20 pessoas ou grupos.
Os
mesmos administradores também usam algoritmos que segmentam os membros dos
grupos entre apoiadores, detratores e neutros, e, desta maneira, conseguem
customizar de forma mais eficiente o tipo de conteúdo que enviam.
Grande
parte do conteúdo não é produzida pela campanha —vem de apoiadores.
Os
administradores de grupos bolsonaristas também identificam
"influenciadores": apoiadores muito ativos, os quais contatam para
que criem mais grupos e façam mais ações a favor do candidato. A prática não é
ilegal.
Não
há indício de que a AM4 tenha fechado contratos para disparo em massa; Carvalho
nega que sua empresa faça segmentação de usuários ou ajuste de conteúdo.
As
estimativas de pessoas que trabalham no setor sobre o número de grupos de
WhatsApp anti-PT são muito vagas —vão de 20 mil a 300 mil— pois é
impossível calcular os grupos fechados.
Diogo
Rais, professor de direito eleitoral da Universidade Mackenzie, diz que a
compra de serviços de disparo de WhatsApp por empresas para favorecer um
candidato configura doação não declarada de campanha, o que é vedado.
Ele
não comenta casos específicos, mas lembra que dessa forma pode-se incorrer no
crime de abuso de poder econômico e, se julgado que a ação influenciou a
eleição, levar à cassação da chapa.
EM MG, ROMEU ZEMA CONTRATOU EMPRESA DE
IMPULSIONAMENTO
O
candidato ao governo de Minas do partido Novo, Romeu Zema, declarou ao Tribunal Superior
Eleitoral pagamento de R$ 200 mil à Croc Services por impulsionamento de
conteúdos. O diretório estadual do partido em Minas gastou R$ 165 mil com a
empresa.
A Folha teve
acesso a propostas e trocas de email da empresa com algumas campanhas
oferecendo disparos em massa usando base de dados de terceiros, o que é ilegal.
Indagado
pela Folha,
Pedro Freitas, sócio-diretor da Croc Services, afirmou: "Quem tem de saber
da legislação eleitoral é o candidato, não sou eu."
Depois,
recuou e disse que não sabia se sua empresa prestara serviço para Zema.
Posteriormente, enviou mensagem afirmando que conferiu seus registros e que
vendera pacotes de disparo em massa de WhatsApp, mas só a bases do próprio
candidato, filiados ao partido e apoiadores de Zema —o que é legal.
Procurada,
a campanha afirmou que "contratou serviço de envio de mensagem somente por
WhatsApp para envio aos filiados do partido, pessoas cadastradas pelo website e
ações de mobilização de apoiadores".
A Folha apurou
que eleitores em Minas receberam mensagens em WhatsApp vinculando o voto
em Zema ao voto em Jair Bolsonaro dias antes do primeiro turno. Zema, que
estava em terceiro nas pesquisas, terminou em primeiro.
Colaboraram Joana Cunha e Wálter Nunes