quinta-feira, 30 de março de 2017

Brasil: TSE inicia julgamento da Aije 194358 na próxima terça-feira (4)

Leia notícia publicada ontem no site do TSE:
Os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) marcaram para semana que vem o início do julgamento da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) 194358. Serão realizadas quatro sessões plenárias exclusivas para o exame do processo, sendo que duas ordinárias e duas extraordinárias. Na terça-feira (4), haverá uma sessão extraordinária às 9h e uma ordinária a partir das 19h. O julgamento prossegue na quarta-feira (5), às 19h, com uma sessão extraordinária. E na quinta-feira (6) somente será realizada a sessão ordinária, às 9h. O rito da ação no Plenário seguirá a mesma metodologia adotada nos processos julgados nas sessões do Tribunal.
Na condição de relator, de acordo com o regimento interno do TSE, o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Herman Benjamin, deverá começar o julgamento com a leitura do relatório da ação, que traz um resumo das diligências feitas, dos depoimentos e provas coletados, das perícias, e das providências solicitadas pelo relator durante a fase de instrução processual.
Em seguida, o presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, concederá a palavra, da tribuna, aos advogados de acusação e aos de defesa das partes envolvidas na ação, nessa ordem. Logo após, será facultada pelo presidente a palavra ao representante do Ministério Público Eleitoral (MPE) para as suas ponderações. O regimento da Corte, na Resolução 23.478 de maio de 2016, em seu artigo 16, inciso I, diz que o prazo para as partes fazerem sustentação oral é de 15 minutos nos feitos originais. 
Encerradas essas etapas, o ministro Herman Benjamin apresentará o seu voto na Aije. Na sequência votam os ministros: Napoleão Nunes Maia, Henrique Neves, Luciana Lóssio, o vice-presidente do TSE, ministro Luiz Fux, a ministra Rosa Weber e, por último, o presidente da Corte Eleitoral, ministro Gilmar Mendes, conforme prevê a regra do parágrafo único do artigo 20 do Regimento Interno do TSE.
A tramitação da Aije 194358
No dia 18 de dezembro de 2014, o Diretório Nacional do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e a Coligação Muda Brasil (PSDB/DEM/SD/PTB/PMN/PTC/PEN/PTdoB/PTN) ajuizaram no TSE a Aije 194358. A ação pede a cassação da chapa Dilma Rousseff e Michel Temer, eleita à Presidência em 2014, por abuso político e econômico.
Além de Dilma e Temer, a ação foi proposta contra a Coligação Com a Força do Povo (PT/PMDB/PDT/PCdoB/PP/PR/PSD/PROS/PRB) e os Diretórios Nacionais do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).
O processo foi autuado e distribuído para o relator, o então ministro da Corte e corregedor-geral da Justiça Eleitoral, João Otávio de Noronha, no dia 18 de dezembro de 2014.
Já em junho de 2015, foram realizadas as primeiras oitivas de testemunhas. Os depoimentos servem de suporte para a análise da ação por parte do ministro relator e a elaboração do seu relatório e voto.
Com o término do mandato do ministro João Otávio de Noronha no TSE, no dia 16 de outubro de 2015, a Aije 194358 foi redistribuída à ministra Maria Thereza de Assis Moura, nova corregedora-geral da Justiça Eleitoral.
No dia 17 de março de 2016, o então presidente do TSE, ministro Dias Toffoli, determinou a unificação da tramitação das quatro ações que pedem a cassação dos mandatos de Dilma Rousseff e Michel Temer. São elas: Aije 194358, Aije 154781, Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (Aime) 761 e Representação (RP) 846. Antes da decisão, a RP 846 era relatada pelo ministro Luiz Fux.
O ministro Dias Toffoli entendeu que, por tratarem do mesmo tema, os processos deveriam ser reunidos, na Corregedoria-Geral da Justiça Eleitoral, em prol da racionalidade e eficiência processual, bem como da segurança jurídica, uma vez que tal providência tem o condão de evitar possíveis decisões conflitantes.
Em decisão monocrática publicada no dia 22 de abril de 2016, a ministra Maria Thereza determinou a realização de perícia contábil nas empresas Focal Confecção e Comunicação Visual Ltda., Gráfica VTPB Ltda., Editora Atitude, Red Seg Gráfica e Editora e Focal Confecção e Comunicação Visual Ltda. A diligência se limitou aos fatos relacionados ou úteis à campanha eleitoral de 2014 de Dilma Rousseff e Michel Temer.
No dia 31 de agosto de 2016, com o fim do mandato da ministra Maria Thereza no TSE, a ação foi redistribuída ao ministro Herman Benjamin, empossado corregedor-geral da Justiça Eleitoral.
Em março de 2017, foram realizadas acareações entre algumas das testemunhas que prestaram depoimento no TSE. No dia 21 de março, a Corregedoria-Geral da Justiça Eleitoral anunciou o encerramento da fase de instrução da Aije.
Na última segunda-feira (27), o corregedor-geral, ministro Herman Benjamin, encaminhou à Presidência do TSE e aos demais ministros da Corte o relatório complementar e final da Aije nº 194358.

EM, RC

segunda-feira, 27 de março de 2017

França: Princípio da equidade e debate televisivo reduzido a cinco candidatos

            O debate entre os candidatos à eleição presidencial ocorrido na semana passada (segunda-feira, dia 20) na França teve uma novidade: participaram apenas os cinco principais candidatos. Os pequenos candidatos foram excluídos, em razão da aplicação do princípio da equidade na regulação do tempo de palavra.
            Como sabem os leitores do blog, para fins de regulamentação da atuação das estações de rádio e TV na cobertura da campanha presidencial deste ano, o período que antecede as eleições divide-se em três etapas, regidas respectivamente pelos princípios da equidade, da equidade reforçada e da igualdade.
O marco que divide a primeira etapa da segunda é a publicação, pelo Conselho Constitucional, da lista definitiva dos candidatos a presidente. Sendo assim, seria possível indagar se o debate, ocorrido na noite do dia 20, se situou na primeira ou na segunda etapa, uma vez que o Conselho Constitucional divulgou a lista de candidatos na manhã de sábado dia 18, mas a lista só saiu publicada no Diário Oficial na manhã de terça-feira dia 21.
O princípio da equidade, tanto na primeira etapa quanto na segunda, garante um acesso às antenas proporcional ao peso político do partido ou candidato em questão. Essa representatividade se afere com base em resultados eleitorais anteriores e em pesquisas de opinião relativas à eleição em curso. O juízo de equidade se baseia também na atualidade da campanha eleitoral: realização de comícios, capacidade de animar a campanha, atividade nas redes sociais, etc.
A diferença é que na segunda etapa o princípio da equidade é aplicado em condições de programação comparáveis, isto é, nos mesmos blocos de audiência ao longo do dia.
Um dos candidatos excluídos do debate impetrou mandado de segurança perante o Conselho de Estado, argumentando que sua exclusão contrariou as regras da segunda etapa. O Conselho de Estado indeferiu o pedido de liminar, considerando ser irrelevante na espécie a circunstância de ter o debate ocorrido na primeira ou na segunda etapa, minimizando  a importância do formato do programa (debate) para a adequação às chamadas “condições de programação comparáveis”. Isso porque a emissora propôs ao candidato uma entrevista de cerca de dez minutos, durante o jornal das 20 horas, na semana do dia 13 ao dia 19 de março.

Porém, essa solução foi alvo de críticas dos observadores mais qualificados, que consideram que o parâmetro legal estaria melhor atendido se fosse realizado, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos, um outro debate, entre os candidatos de menor representatividade.

segunda-feira, 13 de março de 2017

Brasil: Fundo Partidário banca de jatinho a contas pessoais

Leia matéria publicada no jornal O Estado de S.Paulo de 12.03.2017:
Siglas receberam R$ 3,57 bilhões em contas ainda não analisadas pelo TSE; recursos públicos financiam gastos obscuros e técnicos apontam falta de transparência

Por Pedro Venceslau (Enviado especial a Brasília) e Daniel Bramatti , O Estado de S.Paulo

Os recursos públicos repassados aos partidos brasileiros pelo Fundo Partidário representam uma “caixa-preta” de R$ 3,57 bilhões e financiam gastos obscuros e, em muitos casos, questionados pela Justiça Eleitoral. Entre as despesas estão viagens de jatinho, bebidas alcoólicas, jantares em churrascaria e até contas pessoais de dirigentes.
O valor se refere ao total recebido pelos partidos entre 2011 e 2016, corrigido pela inflação, e está nas prestações de contas à espera de julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A estimativa da corte é que o passivo some aproximadamente 560 mil páginas, divididas em centenas de pastas. As legendas costumam apresentar notas fiscais sem especificar como, quando, onde e para qual finalidade foi gasto o recurso público.
Técnicos do TSE ainda tentam avaliar as contas referentes a 2011, que foram entregues em abril de 2012. O julgamento desse material vai ocorrer no dia 28 de abril, dois dias antes da prescrição, cujo prazo é de cinco anos – a partir daí, não é mais possível punir os partidos por eventuais irregularidades.
O Estado teve acesso aos relatórios já finalizados referentes a 29 partidos que estavam em funcionamento há seis anos. Os técnicos recomendaram a rejeição das contas de 26 – entre eles PT, PMDB e PSDB. Apenas PRB, PSD e PV receberam parecer pela aprovação, mas ainda assim com ressalvas.
As irregularidades mais comuns constatadas pelo TSE nos dados de 2011 se repetiram em prestações de contas mais recentes, de 2013 e 2015, segundo análise feita pelo Estado na documentação. Umas delas é o uso rotineiro de jatos fretados por dirigentes, com custo até centenas de vezes superior a viagens em avião de carreira.
Na análise das contas do PDT de 2011, os técnicos questionaram o uso de aeronaves sem a indicação de itinerário, prefixo, horário de embarque e identidade dos passageiros. No parecer, o TSE citou, ainda, um entendimento normativo do Tribunal de Contas da União (TCU): “Um dos requisitos da boa e regular utilização dos recursos públicos é a economicidade, isto é, a minimização dos custos”. 
Na prestação de contas do PSDB de 2015, porém, aparecem diversas notas de fretamento da Reale Táxi Aéreo sem essas informações. O presidente nacional, senador Aécio Neves (MG), costuma voar em aviões alugados. Recentemente, um jato com o tucano derrapou na pista do Aeroporto de Congonhas, quando ele se deslocava de Brasília a São Paulo. Na ocasião, o partido informou que aviões fretados eram usados “ocasionalmente”.
Genérico. Na maioria dos casos, as prestações informam de forma genérica o serviço prestado. Nas contas do PSB de 2015 há uma nota de uma rede varejista referente à compra de uma TV Samsung Led de 55 polegadas e definição 4k. Não há informação sobre onde o aparelho é usado. As contas de 2011 do partido também já tiveram parecer pela rejeição em razão da falta de informações sobre gastos.
Na prestação de contas do PT daquele ano, os técnicos encontraram notas de R$ 5 milhões da Santana e Associados Marketing, do marqueteiro João Santana, que não correspondiam aos “serviços descritos na nota”, segundo o parecer. O relatório considerou irregular o pagamento.
Nas contas de 2011, o PRP informou que a sua sede nacional ficava na Rua Santo André, em São José do Rio Preto, interior paulista. Mas contas de água e luz apresentadas traziam o endereço residencial do presidente Ovasco Roma Altimari Resende. A sigla também gastou R$ 1 mil em vinhos. 
Os técnicos do TSE também rejeitaram uma nota de R$ 160 do PPS referente a duas garrafas de vinho e outra de R$ 9,50 de uma caipirinha consumida em um hotel de Brasília. Na prestação de contas do PSDC, as notas revelaram que a sigla contratou uma empresa de marketing, a 74 Propaganda, e outra de serviços administrativos, a Maxam, que pertencem a dirigentes do Diretório Nacional.
Rigor. Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP, Silvio Salata defendeu mais rigor no controle de gastos dos partidos e reconhece que o número de legendas – 35 atualmente – dificulta a fiscalização. “Se houver desvio de finalidade, as contas são desaprovadas. A punição é, no máximo, a suspensão do fundo por um período.”
O advogado Marcos Monteiro, especialista em Direito Público, ressaltou o conflito entre público e privado na destinação dos recursos. “Os partidos devem respeitar os princípios da administração pública, como isonomia e economicidade, mas são considerados organizações privadas. Não há obrigação de licitação, por exemplo. É dinheiro público que passa para instituição privada”, disse. Segundo ele, a lei não exige o mesmo rigor na prestação de contas em anos em que não ocorrem eleições. 
O TSE baixou uma resolução exigindo, a partir de abril deste ano, a digitalização de todas as notas, para publicá-las mensalmente na internet. A estratégia, segundo o secretário-geral do tribunal, Luciano Felício Fuck, é olhar para frente e montar uma “força-tarefa” para apurar o montante entre 2012 e 2016. 

Enquanto isso, desde 2015, os partidos se articularam para ampliar o valor do fundo. No ano passado, após a proibição das doações de pessoas jurídicas e diante do entendimento de que não há espaço para a volta do financiamento empresarial – principalmente em razão das revelações da Lava Jato –, líderes no Congresso passaram a discutir a criação de um fundo bilionário com dinheiro público para custear campanhas.

Brasil: Doação eleitoral legal pode ser criminalizada?

Leia os dois artigos publicados na seção Tendências/Debates do jornal Folha de S.Paulo do dia 11.03.2017:

SIM, por César Dario Mariano da Silva

APARÊNCIA LÍCITA POR VEZES OCULTA PROPINA


Nesta semana ocorreu o julgamento do inquérito nº 3.982 no Supremo Tribunal Federal, cujo resultado norteará diversas ações penais em trâmite no próprio Pretório Excelso e em outras instâncias do Poder Judiciário.
Discutiu-se se doações eleitorais formalmente declaradas à Justiça Eleitoral podem constituir crime de lavagem de dinheiro quando travestidas de legalidade, mas frutos de propina. Pelo apertado placar de 3 votos a 2, foi reconhecida a ocorrência do crime de lavagem de dinheiro na hipótese.
O tribunal tomou a decisão correta. Não há como confundir lavagem de dinheiro com a infração penal antecedente, no caso corrupção (ativa e passiva). Na lavagem de dinheiro, dá-se aparência de legalidade a bem, direito ou valor que, na realidade, é proveniente, direta ou indiretamente, de infração penal (crime ou contravenção).
Por meio de artifícios, atualmente muito bem empregados, procura-se legalizar e colocar em circulação algo que é ilegal, produto ou proveito de infração penal.
Aquele que efetua doações eleitorais aparentemente legais com o propósito de que o agente público que a receba interceda em seu favor pratica, juntamente com o funcionário público, crime de corrupção (ativa e passiva) e lavagem de dinheiro.
O corruptor faz a doação. O corrupto a recebe e realiza a necessária declaração à Justiça Eleitoral. O dinheiro, que é sujo (produto de corrupção), passa a ser empregado nas despesas de campanha do corrupto, dando-lhe aparência de legalidade.
Além dos crimes de corrupção (ativa e passiva) praticados por quem deu a vantagem indevida e por quem a recebeu, subsiste íntegro o crime de lavagem de dinheiro, que é autônomo em relação ao delito antecedente.
Na corrupção há, em regra, acordo entre o corruptor e o corrupto. O corruptor, ao prometer, oferecer ou dar a vantagem indevida, o faz para que o corrupto o favoreça em ato de seu ofício. O corrupto solicita ou recebe a vantagem indevida em razão de suas funções. O intuito de quem dá a vantagem e de quem a solicita ou recebe é o mesmo: beneficiar-se ilegalmente.
Ocorre que essa vantagem indevida dada ao agente público precisa ser legalizada para que possa ser empregada livremente. O instrumento criado para isso é a engenhosa doação eleitoral fictícia, que caracteriza a dissimulação constante do tipo penal de lavagem de dinheiro.
Por isso, ouvimos sempre a mesma justificativa de alguns políticos acusados por delatores: a doação recebida é legal, tendo sido declarada à Justiça Eleitoral.
Essa assertiva não procede. A forma é legal, mas não o seu conteúdo. Não se trata de doação, mas de propina disfarçada. O dinheiro, que é produto de crime, teve a origem dissimulada/ocultada e foi colocado em circulação para o pagamento de campanha eleitoral.
Há dois crimes em concurso material. O antecedente (corrupção) e a lavagem de dinheiro, cometidos em momentos distintos e com condutas próprias.
Com efeito, muito embora realizada a prestação de contas dos valores recebidos, ocorreu, uma vez que a origem do dinheiro é criminosa, sua dissimulação/ocultação e consequente crime de lavagem de dinheiro, que não se confunde com o delito de corrupção, que é seu antecedente, não havendo entre eles relação de meio e fim.

CÉSAR DARIO MARIANO DA SILVA, mestre em direito das relações sociais pela PUC/SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é promotor de Justiça em São Paulo

 

NÃO, por Walber de Moura Agra

 

A ERA DA PRESUNÇÃO DA CULPABILIDADE

 

Chamou a atenção de todos os operadores jurídicos o recebimento, pela segunda turma do Supremo Tribunal Federal, da denúncia realizada pela Procuradoria-Geral da República contra o senador Valdir Raupp (PMDB-RO), em decorrência da doação de R$ 500 mil por parte da construtora Queiroz Galvão para sua campanha ao Senado em 2010.
Alegou-se que o valor seria "propina disfarçada", com origem em desvios na diretoria de abastecimento da Petrobras.
Notabilizou o mencionado fato jurídico o fato de a doação ser lícita, registrada tanto pelo doador quanto pelo donatário. Ou seja, a mencionada quantia proveio de uma conta específica da campanha, dentro dos limites estipulados para as pessoas jurídicas na ocasião.
Isso é comprovado pela emissão de um recibo eleitoral, assinado pelo doador e com a especificação do valor doado. A operação foi mencionada na prestação de contas do candidato, aprovada pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Então, depois de longo tempo do trânsito em julgado da aprovação de contas, resolve o STF, calcado em meros indícios, aceitar uma denúncia que se baseia em ilações.
Alegou-se, igualmente baseado em suposições, que o parlamentar deveria ter ciência da "possível" ilicitude da doação e que haveria um pacto para a dilapidação do erário.
Parte-se do postulado kafkiano de que um cidadão tem a obrigação -não legal, mas jurisprudencial- de saber a origem do dinheiro que está recebendo para sua campanha eleitoral. Não basta seguir todos os parâmetros ofertados pela legislação; necessita-se perscrutar, como uma pitonisa, a origem do dinheiro arrecadado.
Dessa forma, mesmo sem dolo e sem possibilidade alguma de obtenção de elementos mínimos de conhecimento acerca da gênese financeira dos recursos, imputa-se uma exigência impossível de ser satisfeita.
Partindo-se do pressuposto de que o dinheiro proveio de uma fonte ilícita, como provar que o parlamentar tinha consciência dessa condição? A legislação o obriga a investigar a origem do numerário doado? Obviamente, não.
O que se está tentando é uma alquimia jurídica, impondo uma obrigação baseada exclusivamente na vontade do inquiridor -quase um Torquemada, cuja voracidade em acusar encontrou um contraponto em Beccari, pensador do século 18 que seria hoje um revolucionário por sua visão iluminista do direito.
Não se trata pura e simplesmente da flexibilização do princípio da presunção de inocência, que pode ser até defensável em determinadas situações. Representa a entronização do princípio da presunção da culpabilidade.
Assim, mesmo sem a existência de provas, permite-se a abertura de processo judicial contra um cidadão com base em indícios, sem maior análise fática, ainda que essa decisão contrarie os fundamentos de um acórdão que analisou os gastos da campanha.
Atualmente, assiste-se a uma triste tentativa de criminalizar vários aspectos da política, tornando-a uma atividade quase abjeta. A questão que se avoluma é que não existe democracia sem política.
Quando se despreza a discussão sobre a organização do Estado, abre-se a porta para o arbítrio e os regimes ditatoriais.
Configura-se preocupante, em um país dotado de uma Constituição cidadã, o ultraje às garantias constitucionais e a quebra casuística do princípio da legalidade. Esse moralismo exacerbante que sufoca a sociedade brasileira é deveras perigoso, à medida que a segurança jurídica e os fundamentos da República são cerceados.
Deve-se chamar a atenção para que esse jacobinismo moral não repita os erros do passado, uma vez que seu próprio mentor, Robespierre, terminou padecendo, sem o justo devido processo legal, da guilhotina que tanto defendeu.


WALBER DE MOURA AGRA, doutor em direito pela Universidade Federal de Pernambuco e pela Facultà degli Studio di Firenze (Itália), é procurador do Estado de Pernambuco

domingo, 5 de março de 2017

França: Período de “apadrinhamento” das candidaturas

          Neste ano de eleição presidencial na França, estamos agora em pleno período de recepção dos apoiamentos (parrainages) das candidaturas a presidente pelos titulares de mandato eletivo que têm poder para tanto.
            Como sabem os leitores do blog, na França, para ser candidato a presidente, é preciso ter a candidatura “apadrinhada” (parrainée) por 500 titulares de mandato eletivo. Esses 500 apoios devem ter origem em ao menos 30 departamentos, sem que mais de 10% emanem de um mesmo departamento.
É um modo de assegurar que as candidaturas estejam legitimadas por uma sólida base de apoio e com isso evitar que aventureiros cheguem a disputar a presidência.
Para apoiar uma candidatura, os titulares de mandato eletivo que têm o poder de apadrinhar devem preencher um formulário que a administração imprime e lhes envia. O formulário original deve ser remetido preenchido, pelo correio, ao Conselho Constitucional entre os dias 24 de fevereiro e 17 de março deste ano. Só são admitidos apadrinhamentos feitos por meio desse formulário oficial.
Cada titular de mandato eletivo pode apoiar um único pré- candidato(a) a presidente. Uma vez recebido o formulário pelo Conselho Constitucional, o Conselho o examina para verificar sua regularidade e, uma vez validado o apadrinhamento, o titular de mandato eletivo não pode mais mudar a sua escolha.
Durante o referido período, a partir deste ano de 2017, duas vezes por semana o Conselho Constitucional publica a lista dos apoiadores de cada candidato(a), explicitando o nome do apoiador e do candidato(a) apoiado(a). Uma lista consolidada é publicada ao final do período.