Leia
matéria publicada no jornal O Estado de
S.Paulo de 12.03.2017:
Siglas receberam R$ 3,57 bilhões em contas ainda
não analisadas pelo TSE; recursos públicos financiam gastos obscuros e técnicos
apontam falta de transparência
Por Pedro
Venceslau (Enviado especial a Brasília) e Daniel Bramatti , O Estado de S.Paulo
Os recursos
públicos repassados aos partidos brasileiros pelo Fundo Partidário representam
uma “caixa-preta” de R$ 3,57 bilhões e financiam gastos obscuros e, em muitos casos, questionados pela
Justiça Eleitoral. Entre as despesas estão viagens de jatinho, bebidas
alcoólicas, jantares em churrascaria e até contas pessoais de dirigentes.
O valor se refere ao total recebido pelos partidos entre 2011 e
2016, corrigido pela inflação, e está nas prestações de contas à espera de
julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A estimativa da corte é que o
passivo some aproximadamente 560 mil páginas, divididas em centenas de pastas.
As legendas costumam apresentar notas fiscais sem especificar como, quando,
onde e para qual finalidade foi gasto o recurso público.
Técnicos do TSE ainda tentam avaliar as contas referentes a 2011,
que foram entregues em abril de 2012. O julgamento desse material vai ocorrer
no dia 28 de abril, dois dias antes da prescrição, cujo prazo é de cinco anos –
a partir daí, não é mais possível punir os partidos por eventuais
irregularidades.
O Estado teve acesso aos relatórios já
finalizados referentes a 29 partidos que estavam em funcionamento há seis anos.
Os técnicos recomendaram a rejeição das contas de 26 – entre eles PT, PMDB e
PSDB. Apenas PRB, PSD e PV receberam parecer pela aprovação, mas ainda assim
com ressalvas.
As
irregularidades mais comuns constatadas pelo TSE nos dados de 2011 se repetiram
em prestações de contas mais recentes, de 2013 e 2015, segundo análise feita
pelo Estado na documentação. Umas delas é o uso rotineiro de jatos fretados por
dirigentes, com custo até centenas de vezes superior a viagens em avião de
carreira.
Na análise das contas do PDT de 2011, os técnicos questionaram o
uso de aeronaves sem a indicação de itinerário, prefixo, horário de embarque e
identidade dos passageiros. No parecer, o TSE citou, ainda, um entendimento
normativo do Tribunal de Contas da União (TCU): “Um dos requisitos da boa e
regular utilização dos recursos públicos é a economicidade, isto é, a
minimização dos custos”.
Na prestação
de contas do PSDB de 2015, porém, aparecem diversas notas de fretamento da
Reale Táxi Aéreo sem essas informações. O presidente nacional, senador Aécio
Neves (MG), costuma voar em aviões alugados. Recentemente, um jato com o tucano
derrapou na pista do Aeroporto de Congonhas, quando ele se deslocava de
Brasília a São Paulo. Na ocasião, o partido informou que aviões fretados eram
usados “ocasionalmente”.
Genérico. Na maioria dos casos, as prestações informam de forma genérica o
serviço prestado. Nas contas do PSB de 2015 há uma nota de uma rede varejista
referente à compra de uma TV Samsung Led de 55 polegadas e definição 4k. Não há
informação sobre onde o aparelho é usado. As contas de 2011 do partido também
já tiveram parecer pela rejeição em razão da falta de informações sobre gastos.
Na prestação
de contas do PT daquele ano, os técnicos encontraram notas de R$ 5 milhões da Santana e Associados Marketing, do marqueteiro João Santana,
que não correspondiam aos “serviços descritos na nota”, segundo o parecer. O
relatório considerou irregular o pagamento.
Nas contas de 2011, o PRP informou que a sua sede nacional ficava
na Rua Santo André, em São José do Rio Preto, interior paulista. Mas contas de
água e luz apresentadas traziam o endereço residencial do presidente Ovasco
Roma Altimari Resende. A sigla também gastou R$ 1 mil em vinhos.
Os técnicos do TSE também rejeitaram uma nota de R$ 160 do PPS
referente a duas garrafas de vinho e outra de R$ 9,50 de uma caipirinha
consumida em um hotel de Brasília. Na prestação de contas do PSDC, as notas
revelaram que a sigla contratou uma empresa de marketing, a 74 Propaganda, e
outra de serviços administrativos, a Maxam, que pertencem a dirigentes do
Diretório Nacional.
Rigor. Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP, Silvio
Salata defendeu mais rigor no controle de gastos dos partidos e reconhece que o
número de legendas – 35 atualmente – dificulta a fiscalização. “Se houver
desvio de finalidade, as contas são desaprovadas. A punição é, no máximo, a
suspensão do fundo por um período.”
O advogado Marcos Monteiro, especialista em Direito Público,
ressaltou o conflito entre público e privado na destinação dos recursos. “Os
partidos devem respeitar os princípios da administração pública, como isonomia
e economicidade, mas são considerados organizações privadas. Não há obrigação
de licitação, por exemplo. É dinheiro público que passa para instituição
privada”, disse. Segundo ele, a lei não exige o mesmo rigor na prestação de
contas em anos em que não ocorrem eleições.
O TSE baixou uma resolução exigindo, a partir de abril deste ano,
a digitalização de todas as notas, para publicá-las mensalmente na internet. A
estratégia, segundo o secretário-geral do tribunal, Luciano Felício Fuck, é
olhar para frente e montar uma “força-tarefa” para apurar o montante entre 2012
e 2016.
Enquanto isso, desde 2015, os partidos se articularam para ampliar
o valor do fundo. No ano passado, após a proibição das doações de pessoas
jurídicas e diante do entendimento de que não há espaço para a volta do
financiamento empresarial – principalmente em razão das revelações da Lava Jato
–, líderes no Congresso passaram a discutir a criação de um fundo bilionário
com dinheiro público para custear campanhas.