sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Brasil : Reforma política – Eleições Limpas (3) – Financiamento público de campanhas – o critério para repartição dos recursos

          Em toda proposta de reforma política que contemple financiamento das campanhas eleitorais com recursos públicos, apresenta-se aos redatores do projeto de lei a tarefa de estabelecer o critério para repartição, entre os partidos políticos, dos recursos oriundos do financiamento público.
            A questão vem sendo discutida desde há muito. Toda a dificuldade está no fato de que é preciso fixar, numa lei geral, que se aplica a todos, um critério que, de um lado, não paralise a expansão de legítimas forças políticas nascentes, e, ao mesmo tempo, não injete recursos públicos em aventuras eleitorais temerárias e desprovidas de legitimidade.
O critério adotado no projeto Eleições Limpas para distribuição dos recursos merece atenção: 10% seriam divididos igualitariamente entre os partidos registrados perante a Justiça Eleitoral que não possuam representação na Câmara dos Deputados; 15% seriam divididos igualitariamente entre os partidos políticos com representação na Câmara dos Deputados ; e 75% seriam divididos entre os partidos políticos de forma proporcional em relação ao número de deputados federais eleitos no pleito anterior.
            Antes do projeto Eleições Limpas, diversos projetos de lei tramitaram e tramitam no Congresso Nacional com o objetivo de instituir o financiamento público de campanhas eleitorais. Com vistas à comparação dos critérios, uma das propostas a se destacar é a contida no PL nº 2.679/2003, da Comissão Especial de Reforma Política da Câmara dos Deputados.
            Nesse projeto, 1% seria dividido igualitariamente entre todos os partidos com estatutos registrados no TSE; 14% seriam divididos igualitariamente entre partidos com representação na Câmara dos Deputados; e 85% seriam divididos entre os partidos proporcionalmente ao número de representantes que elegeram, na última eleição geral para a Câmara dos Deputados.
            Salta aos olhos a brutal diferença entre os dois projetos no que diz respeito à primeira fatia do financiamento : enquanto no projeto da Comissão ela não apenas é reduzida a 1%, como se divide, sem distinção, entre todos os partidos, no projeto Eleições Limpas ela se amplia a 10%, que são destinados integralmente aos partidos sem representação no Congresso Nacional.
            Sendo assim, o que se observa é que o projeto Eleições Limpas enfatiza o estímulo ao surgimento de novas forças políticas, enquanto o projeto da Comissão é mais conservador e tende a consolidar a situação existente.

            São escolhas políticas que exigem aprofundado debate e madura reflexão sobre as reais prioridades da sociedade brasileira.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Brasil : Reforma política – Eleições Limpas (2) – A reforma do art. 30-A da Lei das Eleições

          O projeto Eleições Limpas dá nova redação ao caput do art. 30-A da Lei das Eleições. O art. 30-A prevê sanções aplicáveis em caso de descumprimento das normas que regem o financiamento eleitoral, bem como o procedimento para apurar tais violações.
As alterações propostas à redação do caput do art. 30-A constituem um aspecto importante do projeto, porque a atual redação tem pontos fracos que o projeto pretende corrigir.
Importa lembrar rapidamente a história do art. 30-A : Em 2006, pressionado pela reação da opinião pública ao escândalo do mensalão, que envolveu, entre outras, questões relativas ao financiamento eleitoral, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 11.300, denominada “minirreforma eleitoral”, com o propósito de introduzir mudanças na Lei nº 9.504/97 (Lei das Eleições) em matéria de propaganda eleitoral, de financiamento eleitoral e de prestação de contas.
Dentre essas mudanças, talvez a principal tenha sido o acréscimo do art. 30-A. Reza o caput desse artigo que Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos”.
Os pontos fracos desse texto são essencialmente dois : em primeiro lugar, a legitimação ativa. O caput do art. 30-A restringe o rol de legitimados para propor a ação aos partidos e coligações ; todavia, é entendimento pacífico que o Ministério Público Eleitoral tem legitimidade para propor a ação do art. 30-A. Seja como for, até hoje o eleitor não foi considerado parte legítima para propor a ação do art. 30-A.
O projeto Eleições Limpas corrige isso, determinando que qualquer eleitor é parte legítima para propor a ação do art. 30-A, além dos candidatos, partidos, coligações e Ministério Público Eleitoral.
Outro aspecto do caput do art. 30-A aperfeiçoado pelo projeto Eleições Limpas diz respeito ao prazo para propositura da ação. O texto original silenciava sobre essa matéria, conduzindo à interpretação de que a ação poderia ser proposta a qualquer tempo durante o mandato. Em 2009, a minirreforma eleitoral (Lei nº 12.034) fixou prazo de 15 dias da diplomação para propositura dessa ação fundada no art. 30-A. O legislador tomou o prazo de 15 dias da diplomação como limite temporal máximo a partir do qual estaria assegurada a estabilidade dos mandatos. Isso porque a cassação do diploma redunda em cassação do mandato, e a Constituição estabelece esse prazo para propositura de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo.
Acontece que, na prática, tal prazo inviabiliza em grande medida a atuação do Ministério Público Eleitoral no sentido de identificar irregularidades no financiamento das campanhas. Por essa razão, a Procuradoria Geral da República questionou a constitucionalidade desse prazo, na ADI nº 4532.
O projeto Eleições Limpas leva em conta essa realidade. Ele estabelece que a ação poderá ser proposta no prazo de sessenta dias a contar da prestação de contas final.
De fato, em se tratando de financiamento eleitoral, a apresentação da prestação de contas é um marco muito mais significativo do que a diplomação, e o prazo de sessenta dias muito mais consentâneo com o objetivo de dar efetividade à apuração de eventuais irregularidades.

São mudanças importantes no sentido do aperfeiçoamento da nossa democracia. 

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

França : Conselho de Estado julga “chuva” de ações contra novo recorte de circunscrições eleitorais

          O Conselho de Estado (conseil d’Etat), mais alta corte administrativa da França, está julgando uma verdadeira “chuva” de ações que contestam o novo desenho dos cantões. Cantões são as circunscrições para eleição dos conselheiros departamentais (antigos conselheiros gerais).
A Lei nº 2013-403, de 17 de maio de 2013, que reformou o sistema eleitoral para eleição dos conselheiros departamentais, determinou que o Ministério do Interior procedesse ao redesenho dos contornos dos cantões. Os novos cantões foram então validados por decretos aprovados pelo Conselho de Estado (décrets en conseil d’Etat), com consulta prévia a cada um dos respectivos conselhos gerais (agora conselhos departamentais).
De acordo com o novo sistema eleitoral, serão eleitos de agora em diante dois conselheiros departamentais em cada cantão, necessariamente um homem e uma mulher. Por essa razão, foi preciso reduzir o número de cantões praticamente pela metade (de 3.971 para 2.068), para não aumentar o número de conselheiros departamentais – antes da reforma a eleição era uninominal e agora passou a ser binominal. A primeira eleição com o novo sistema ocorrerá provavelmente em março de 2015, mas poderá ter que ser adiada em razão do número de recursos a serem julgados.
            No julgamento dos recursos contestando o novo desenho dos cantões, o Conselho de Estado tem buscado tornar efetivo o princípio “uma pessoa, um voto”. Para tanto, a jurisprudência tem evoluído no sentido de que o redesenho dos cantões deve obedecer a critérios essencialmente demográficos. Essa exigência é considerada atendida quando a diferença entre o número de habitantes de um determinado cantão e a média do departamento não ultrapassa 20%, para mais ou para menos. Uma diferença superior a esse limite pode ser tolerada ser for justificada por razões geográficas ou por outros imperativos de interesse geral.
                As ações contra o redesenho dos cantões foram propostas em sua maioria por líderes da direita, desconfiados de manipulação do mapa cantonal em favor da esquerda. Eles temem ainda que o Conselho de Estado verifique apenas a regularidade jurídica dos desenhos dos cantões, deixando de lado a questão da neutralidade política.

domingo, 16 de novembro de 2014

Brasil : Reforma política – Eleições Limpas (1) – Sistema eleitoral

              Eleições Limpas é o nome de um conjunto de propostas para reforma política apresentado pela Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas. Essa Coalizão resulta de uma articulação da sociedade brasileira que reúne 101 importantes entidades, movimentos e organizações sociais, entre as quais OAB, CNBB e MCCE.
            O projeto Eleições Limpas contempla uma proposta de reforma do sistema eleitoral.
            Por essa proposta, as eleições para deputados e vereadores continuariam a ser proporcionais, porque o sistema proporcional tem, como visto em post anterior, a importante virtude de permitir a representação das minorias.
            Porém seria uma eleição proporcional em dois turnos. No primeiro turno o eleitor vota no partido, em suas propostas e programa de governo. Com base nessa votação dos partidos é que é calculado o quociente partidário, que é o número de cadeiras que vão ser atribuídas a cada partido.
            No segundo turno, cada partido apresenta candidatos em número equivalente ao dobro das cadeiras que lhe foram atribuídas no primeiro turno. Esses candidatos são oriundos de uma lista pré-ordenada. Porém, a escolha dos nomes que irão compor essas listas partidárias pré-ordenadas  é feita democraticamente, por meio de eleições primárias, com a participação de todos os filiados e com acompanhamento da Justiça eleitoral e do Ministério Público. 
A palavra final sobre a ordem dos eleitos será dada pelo eleitor, no segundo turno. Assim, no segundo turno o eleitor poderá votar no candidato de sua preferência, dentre os primeiros nomes destacados das listas pré-ordenadas dos partidos políticos, até o número equivalente ao dobro das cadeiras atribuídas ao partido. O resultado da eleição vai operar uma reordenação da lista, sendo então eleitos, dentre esses, os mais votados até preencher o número de cadeiras obtidas no primeiro turno.
            Esse sistema tem a vantagem de fortalecer os partidos e sua definição programática. Não será mais o voto em pessoas que definirá o número de cadeiras a serem atribuídas a cada partido. Tende a desaparecer o fenômeno dos puxadores de voto. A elaboração da lista não ficará mais a cargo dos “caciques” de cada partido, pois resultará de votação democrática pelo conjunto da militância, evitando a conhecida objeção feita às eleições por listas.  No segundo turno, quando o voto é dado aos candidatos, já estará definido o número de cadeiras do partido. Mas o voto popular é que definirá os candidatos que vão ocupar as cadeiras atribuídas ao partido.

            É um sistema engenhoso, que merece ser discutido por toda a sociedade brasileira.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Brasil : Reforma política – o que significa eleição por listas

           Muito se fala sobre a eleição de deputados e vereadores por listas. Porém a informação pura e simples de que a eleição será feita por listas não revela se o sistema é proporcional ou majoritário. Isso porque pode haver listas fechadas tanto no sistema proporcional quanto no sistema majoritário.
            No sistema proporcional, na eleição por lista fechada (também chamada de lista pré-ordenada), calcula-se o quociente partidário, que é o número de cadeiras atribuídas a cada partido, da forma indicada no post anterior. Porém, se um partido obtém 5 cadeiras na Câmara, são eleitos não mais os 5 mais votados daquele partido, como indicado no post anterior, mas sim os 5 primeiros nomes da lista pré-ordenada pelo partido.
            Assim, numa circunscrição como o Estado de São Paulo, que tem 70 deputados na Câmara, pelo sistema proporcional é possível que um partido obtenha 30 cadeiras, outro 20, outro 10, outro 7 e outro 3. Se o sistema adotado for o de lista fechada, terão sido eleitos os 30 primeiros nomes da lista apresentada pelo primeiro partido, os 20 primeiros nomes da lista apresentada pelo segundo partido, e assim por diante.
            É possível também compatibilizar o sistema de lista fechada com o sistema majoritário. Mas nesse caso é preciso que em cada circunscrição sejam eleitos vários deputados ou vereadores. Retomando os exemplos do post anterior, suponhamos uma eleição por sistema majoritário no Estado de São Paulo, em que o Estado seja dividido em 14 circunscrições onde são eleitos 5 deputados em cada uma. Se o sistema for o de lista fechada, em vez de serem eleitos os cinco candidatos mais votados, como indicado no post anterior, os eleitores votariam no partido, isto é, na lista inteira do partido. Venceu o partido A, são eleitos os 5 integrantes da lista apresentada pelo partido A.
Esse é o sistema adotado nas eleições municipais francesas. O candidato a prefeito é sempre o primeiro nome da lista, e os demais são os conselheiros municipais. Venceu a lista A, significa o candidato a prefeito com sua lista inteira de conselheiros municipais. Na verdade a eleição para prefeito é indireta, mas poucos se dão conta disso, porque o primeiro nome da lista é sempre o candidato a prefeito, que depois vai ser eleito pelos Conselhos Municipais compostos integralmente pela lista do próprio prefeito.
O principal argumento em favor do sistema de listas fechadas, seja ele proporcional ou majoritário, é que ele favorece o fortalecimento dos partidos. Nesse sistema, o eleitor vota no partido, que é quem prepara a lista, e não no candidato.
O principal argumento contrário ao sistema de listas fechadas é que ele reforça o caciquismo político, porque a composição das listas ficaria a cargo das cúpulas partidárias, e o eleitorado não teria a possibilidade de escolher os candidatos da sua preferência, teria que votar no partido.


segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Brasil : Reforma política – Para entender a diferença entre o sistema proporcional e o sistema majoritário

        A reforma política está na ordem do dia no Brasil. Porém quando se fala em “reforma política”, não se está falando sempre sobre os mesmos temas ; eles variam enormemente, conforme a visão de mundo de quem fala.
Porém se se quiser indicar uma matéria que aparece tratada em praticamente todas as propostas apresentadas sob o título “reforma política”, esta é, sem dúvida nenhuma, o método a ser empregado para eleição de deputados federais, deputados estaduais, deputados distritais e vereadores.
Esse método é o sistema eleitoral. Há sistemas eleitorais em todas as eleições, mas atualmente não se tem questionado o sistema eleitoral para eleição dos chefes do Poder Executivo nas três esferas (presidente da República, governadores de Estado e prefeitos municipais), nem para o Senado. No máximo o que se discute é reeleição e suplentes (no caso dos senadores).
O sistema eleitoral que está em questão atualmente é o que se refere à escolha dos deputados e dos vereadores.
Isso porque, atualmente, no Brasil, vigora o sistema proporcional. Nesse sistema, o eleitor vota no partido ou em um candidato. Os votos válidos (excluídos os em branco e os nulos) exprimidos pelos eleitores em cada circunscrição[1] são divididos pelo número de cadeiras a atribuir. Esse é o chamado quociente eleitoral. Os votos obtidos por cada partido (os votos na legenda mais os votos de todos os candidatos do partido) são divididos pelo quociente eleitoral, para saber quantas vezes o partido obteve o quociente eleitoral. Esse número é o quociente partidário, ou seja, o número de cadeiras que será atribuído a cada partido. Se um partido obtém 5 cadeiras, seus 5 candidatos mais votados terão sido eleitos.
Esse sistema permite a existência do fenômeno dos puxadores de voto. Se um único candidato obtém votação suficiente para assegurar ao partido mais de uma cadeira, outros candidatos do partido, muitas vezes com votações inexpressivas, serão também eleitos. Isso sem falar da existência das coligações, que faz com que os votos de todos os partidos coligados sejam computados como se se tratasse de um único partido, permitindo que um candidato com grande votação proporcione a eleição de candidatos de outro partido, integrante da coligação.
  O principal argumento em favor do sistema proporcional é que ele permite que partidos menos votados – por exemplo, os que obtiveram o quociente eleitoral apenas uma vez – não deixem de ter pelo menos um candidato eleito. Em outras palavras, permite a representação das minorias.
O principal argumento contrário ao sistema proporcional é que os eleitores não conhecem os eleitos, e os eleitos, por vezes com poucos votos, não se sentem comprometidos com os eleitores.
Diferente do sistema proporcional é o sistema majoritário. No sistema majoritário, que é adotado em países como os EUA e a França, o Estado (no caso dos EUA) ou o país (no caso da França) é dividido em circunscrições (também denominadas distritos[2]), e cada circunscrição elege um candidato. Assim, por exemplo, se o Estado de São Paulo tem 70 deputados, o Estado teria que ser dividido em 70 circunscrições e os eleitores de cada uma elegeriam um deputado. Ou então, por exemplo, 14 circunscrições em que seriam eleitos os 5 candidatos mais votados. Ou mesmo 7 circunscrições em que seriam eleitos os 10 mais votados. O que é importante destacar, para enfatizar a diferença em relação ao sistema proporcional, é que no sistema majoritário são eleitos sempre os mais votados. As minorias não têm vez.
O principal argumento em favor desse sistema é que os eleitos são mais facilmente conhecidos do seu eleitorado, que assim pode cobrar a realização das promessas de campanha.
O principal argumento contrário a esse sistema é que ele exacerba a tendência ao personalismo, favorecendo o clientelismo em detrimento do dever de atuar pelo bem comum do povo todo.
A título de conclusão, cumpre observar que nenhum sistema é perfeito ; todos têm vantagens e inconvenientes. Para complicar, existem tipos alternativos de sistemas proporcionais e majoritários, e até sistemas mistos. Será preciso saber adequar a escolha do sistema aos objetivos principais para o país.



[1] Circunscrição é a área territorial em que se situa o eleitorado em uma dada eleição. Na eleição presidencial, a circunscrição é o país todo ; nas eleições para o Senado, para a Câmara dos Deputados, para as Assembleias Legislativas, a circunscrição corresponde a cada Estado ; nas eleições para prefeitos e vereadores, a circunscrição corresponde a cada Município.
[2] Razão pela qual esse sistema é conhecido no Brasil como sistema distrital, mas essa denominação é inadequada.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Brasil : A Lei da Ficha Limpa, o combate à corrupção e o desempenho dos Tribunais de Justiça segundo o Relatório Parcial do CNJ sobre a Meta 4 de 2014

               No ordenamento jurídico brasileiro, os atos de corrupção são enquadrados em duas categorias: os crimes contra a administração pública e os atos de improbidade administrativa. As condutas tipificadas como crimes contra a administração pública estão descritas principalmente no Código Penal, e os atos de improbidade administrativa, na Lei de Improbidade Administrativa. 
            As condenações por crime contra a administração pública e pelas espécies mais graves de atos de improbidade administrativa (os atos dolosos que importem lesão ao erário e enriquecimento ilícito) são previstas como causas de inelegibilidade, por força do disposto na Lei das Inelegibilidades, com redação dada pela Lei da Ficha Limpa.
Mas, para que essas condenações tenham o efeito de tornar os agentes inelegíveis é preciso que, se tais condenações não tiverem ainda transitado em julgado, ao menos tenham sido proferidas por órgão judicial colegiado.
            Órgão judicial colegiado é o órgão julgador composto por mais de um juiz. Na Justiça Estadual, os recursos interpostos contra as decisões monocráticas de primeira instância são julgados por Câmaras dos Tribunais de Justiça, compostas por cinco desembargadores. As Câmaras dos Tribunais de Justiça são portanto órgãos judiciais colegiados para os fins da Lei da Ficha Limpa.
Assim, importa conhecer o desempenho dos Tribunais de Justiça no julgamento dos crimes contra a administração pública e dos atos de improbidade administrativa.
            O Relatório Parcial do CNJ sobre a Meta 4 de 2014 informa que há no Brasil inteiro 7.180 processos de conhecimento em ações penais relacionadas a crimes contra a administração pública distribuídos até 31 de dezembro de 2012 nos Tribunais de Justiça dos Estados, e não julgados até julho de 2014. Cumpre ressaltar que, desses 7.180 processos, 4.475 estão pendentes de julgamento só no Tribunal de Justiça de São Paulo.
Quanto aos processos de conhecimento em ações de improbidade administrativa distribuídos em 2º grau até 31 de dezembro de 2012 na Justiça Estadual e não julgados até julho de 2014, o Relatório informa que há no Brasil inteiro 2.865 processos nessa situação. O Tribunal estadual com mais processos pendentes é de longe o Tribunal de Justiça de São Paulo, com 417. Seguem Santa Catarina, com 375, e Espírito Santo, com 277.
Esses números referem-se apenas às ações distribuídas em 2º grau até 31 de dezembro de 2012. De lá para cá, o Relatório não informa quantas ações mais chegaram aos Tribunais de Justiça.   
É imprescindível que os Tribunais de Justiça, e em especial o Tribunal de Justiça de São Paulo, julguem os processos pendentes em ações penais relacionadas a crimes contra a administração pública, bem como as ações de improbidade administrativa, para que haja um efetivo combate à corrupção e para que a Justiça Eleitoral possa fazer valer plenamente a Lei da Ficha Limpa, afastando das disputas eleitorais os pré-candidatos incursos nas causas de inelegibilidade previstas na Lei das Inelegibilidades com redação dada pela Lei da Ficha Limpa. 

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

EUA : Suprema Corte admite que o Estado do Texas aplique lei restritiva em matéria de identificação do eleitor

            Em 18/10 a Suprema Corte norte-americana deferiu um pedido de medida liminar que tem por efeito permitir que o Estado do Texas aplique, já na eleição da próxima terça-feira, dia 4/11, uma lei estadual considerada extremamente restritiva em matéria de identificação do eleitor.
            Essa lei estadual exige a apresentação de documento oficial com foto para votar. Muitos consideram que a intenção por trás da medida seria a de excluir do direito de voto minorias raciais, como hispânicos e afro-descendentes, além de cidadãos pobres de modo geral.
            A questão é especialmente delicada porque o Texas é um dos estados do sul que se opôs na guerra de Secessão (1861-1865) aos estados do norte, para manter a escravidão. Desde então, esses estados do sul tendem a editar leis destinadas a excluir do direito de voto as citadas minorias. Essa tendência vem sendo combatida por leis federais. Em 1869, o Congresso aprovou a 15ª emenda à Constituição, cujo texto original dizia: “Seção 1 – O direito de cidadãos dos Estados unidos de votar não será negado nem restringido pelos Estados Unidos nem por qualquer Estado com base na raça, na cor, ou em anterior condição de servidão. Seção 2 – O congresso terá o poder de fazer valer o disposto neste artigo por meio de legislação apropriada”. Essa 15ª emenda marcou o começo de uma longa luta para tornar o voto dos negros uma realidade permanente. Em 1965, quando houve os eventos liderados por Martin Luther King (1929-1968), foi sancionado o Voting Rights Act, que foi uma das mais bem-sucedidas medidas de ampliação dos direitos civis da história americana.[1]
            A decisão da Suprema Corte este mês foi tomada por maioria e o voto vencido da Min. Ruth Bader Ginsburg teve grande repercussão. Ela disse que a decisão da Corte negaria o direito de voto a centenas de milhares de possíveis eleitores. A Ministra pôs em relevo as dificuldades para obtenção, no Estado do Texas, dos documentos que a lei admite para identificar o eleitor: “Mais de 400.000 possíveis eleitores têm que enfrentar longas horas de viagem até a repartição oficial mais próxima que emite tais documentos”, afirmou. Ela acrescentou que além de tudo para obter o documento com foto é preciso apresentar uma certidão de nascimento, cuja emissão tem um custo.
            A lei texana já havia sido bloqueada por força da Seção 5 do Voting Rights Act, que previa que Estados e localidades com histórico de medidas discriminatórias obtivessem permissão federal prévia para alterar suas leis em matéria eleitoral. Mas em 2013 a Suprema Corte impediu a aplicação desse dispositivo. Com isso, as autoridades texanas anunciaram que iriam passar a fazer valer leis mais restritas sobre identificação do eleitor no Estado.
            A constitucionalidade dessa medida foi questionada em juízo por um grande número de indivíduos, por grupos de defesa dos direitos civis e pelo próprio governo federal.



[1] O processo de universalização do direito de votar nos EUA está descrito de forma mais detalhada no meu livro Direito Eleitoral Comparado – Brasil, Estados Unidos, França (Saraiva), pp. 304-309.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Brasil : Propaganda eleitoral – Nova orientação jurisprudencial

         Há uma semana, em 16/10, em julgamento de pedido de liminar para suspensão de propaganda eleitoral, o TSE reformulou seu entendimento sobre o grau de intervenção da Corte nos debates travados pelos candidatos no horário eleitoral gratuito.
            Desde então, dezenas de decisões já foram prolatadas seguindo a nova orientação. No lugar de uma atuação que podia ser caracterizada como minimalista, porque se abstinha de estabelecer o tema dos debates, limitando-se a coibir crimes contra a honra e afirmações sabidamente inverídicas, o TSE passou a entender que essa orientação era excessivamente “permissiva” e que o horário eleitoral gratuito – que na realidade é pago às emissoras com recursos do erário público – deveria necessariamente ser utilizado de forma programática e propositiva.
            Além das críticas que essa nova orientação vem suscitando pela limitação que impõe à liberdade de expressão, a principal objeção que se pode fazer é a de que as regras do jogo foram mudadas em plena campanha eleitoral. A orientação que valeu durante a campanha para o 1º turno deixou de valer em plena campanha para o 2º turno.
            Assim, parecem bem fundamentados os argumentos lançados pelo procurador-geral eleitoral, Rodrigo Janot, para quem a alteração do entendimento do TSE, a poucos dias da eleição, desatende o art. 16 da Constituição Federal, causando insegurança jurídica aos eleitores, candidatos e partidos políticos.
            Há que se lembrar que o STF considerou que nem mesmo a Lei da Ficha Limpa poderia ser aplicada no mesmo ano da sua promulgação, em razão do referido princípio da anualidade. E não é só. Na interpretação do disposto na alínea d do art. 1º, I, da LC nº 64/90, que impõe inelegibilidade por condenação por abuso de poder, o TSE discutiu o sentido do termo “representação”, e considerou que eventual alteração do entendimento predominante na jurisprudência do TSE nessa matéria só poderia ser efetivada no pleito eleitoral seguinte [1].
            Isso significa que a estabilidade das regras do jogo eleitoral é um princípio que se aplica ao Poder Legislativo assim como à própria Justiça Eleitoral, que não deve mudar as orientações jurisprudenciais que presidem o processo eleitoral a poucos dias do pleito.




[1] Esse assunto está discutido na obra que escrevi com Luciano Santos, Lei da Ficha Limpa – Interpretação jurisprudencial, Saraiva, 2014, pp. 46-48.  

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Brasil : Urna biométrica torna votação mais demorada

           Nesta eleição de 2014, o emprego das urnas biométricas foi significativamente ampliado. 21,6 milhões de eleitores (15% do eleitorado) estiveram aptos a votar com identificação biométrica, em 764 municípios, nas 27 unidades da Federação. Em três Estados, Alagoas, Amapá e Sergipe, e no Distrito Federal, todos os eleitores foram convocados a passar pelo recadastramento biométrico.                        
            No dia da eleição, todavia, houve falhas tanto mecânicas quanto humanas que atrapalharam a votação. Entre as primeiras, está o mau funcionamento do leitor que faz a análise da digital. Mil leitores biométricos instalados em urnas utilizadas em Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Paraná e no Distrito Federal estão sendo reparados.
            Também foram detectadas falhas de procedimento por parte de mesários. Segundo o TSE, foi o que aconteceu em cidades do Rio de Janeiro, como Niterói. Por causa dos problemas nesse Estado, onde eleitores chegaram a ter que esperar duas horas para poder votar, o TRE-RJ chegou a editar uma resolução determinando o uso de urnas eletrônicas convencionais em Niterói. Essa resolução, no entanto, foi anulada pelo TSE.
            O TSE considera que a biometria confere mais segurança à identificação do eleitor no momento da votação, tornando praticamente inviável qualquer tentativa de fraude. Isso porque as impressões digitais de uma pessoa são únicas e a comparação na base de dados é feita por um programa de computador, o que reduz a intervenção humana nas operações eleitorais. Porém o processo ainda está em fase de ajustes e aperfeiçoamento, e o principal objetivo por enquanto é a segurança, e não a agilidade.

            Apesar das falhas, o TSE afirma que o sistema biométrico reconheceu corretamente os eleitores por meio das impressões digitais em 91,5% dos casos, e espera que esse índice chegue a 95% no segundo turno.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Brasil : Para que a prestação de contas à Justiça Eleitoral seja levada a sério no Brasil

            É sabido e ressabido que as prestações de contas que partidos e candidatos apresentam à Justiça Eleitoral carecem de seriedade.
            Isso porque, da parte dos agentes políticos, não há sinceridade no relatório que fazem da sua arrecadação e dos seus gastos.
            E, da parte da Justiça Eleitoral, não há rigor e profundidade no exame e julgamento das referidas prestações de contas.
            A pá de cal foi jogada agora, com a decisão tomada pelo Tribunal Superior Eleitoral, por 4 votos a 3, na questão de ordem suscitada pelo seu presidente, no julgamento do PC nº 37. Ficou decidido que os Ministros estão autorizados a determinar, monocraticamente, o arquivamento dos processos de prestações de contas de partidos políticos apresentadas antes de 2009. Há cerca de 45 balanços contábeis nessa situação.
            O fundamento legal invocado foi o disposto na parte final do § 3º do art. 37 da Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95), que prevê que não seja aplicada a sanção de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, caso a prestação de contas não tenha sido julgada em até 5 anos da sua apresentação.
            Ora, esse dispositivo limita o alcance de um dos princípios constitucionais que regem a atividade dos partidos políticos, qual seja, a prestação de contas à Justiça Eleitoral (art. 17, III, da Constituição).
            É evidente que esse preceito constitucional vincula não somente os partidos, mas também a própria Justiça Eleitoral, que deve agir de tal forma que o dever de prestar contas faça sentido, isto é, de tal forma que as contas sejam analisadas de modo eficaz.
            Por limitar o alcance de um princípio constitucional, a regra dos 5 anos deve ser interpretada restritivamente. Ela afasta apenas a sanção de suspensão do repasse das quotas do Fundo Partidário. Ela não impede o julgamento das prestações de contas, que mesmo depois de passados 5 anos ainda podem ser julgadas desaprovadas. Não impede quiçá nem mesmo o desconto da quantia apontada como irregular.
            Por isso, o que se espera é que os Ministros do TSE não renunciem ao dever de julgar as contas dos partidos políticos, mesmo aquelas apresentadas antes de 2009.
            Quanto às mais recentes, é imperioso que sejam julgadas de modo célere e aprofundado, para que não tenham o mesmo destino das anteriores a 2009. Nem que para isso seja preciso rever as disposições da Res. nº 21.841/2004, que disciplina as prestações de contas dos partidos políticos. No art. 20, § 1º, essa Resolução fixa o prazo excessivamente longo de 20 dias, e o que é pior, prorrogável por igual período, para realização das diligências necessárias à complementação de informações ou ao saneamento de irregularidades encontradas nas contas, de que trata o art. 37, § 1º, da Lei nº 9.096/95. A realização de tais diligências tem sido apontada como causa da lentidão no julgamento das prestações de contas. É preciso corrigir essa distorção.

            Rigor, seriedade e transparência no financiamento da vida política são pilares de toda democracia digna desse nome.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

França : Eleições municipais – anulações – SALLES

         Veremos hoje mais uma cidade francesa em que a eleição municipal de março deste ano foi anulada.
4. SALLES
            Salles é uma pequena cidade situada no sudoeste da França, no departamento Gironde (33), na região Aquitaine. A população é de cerca de 6.271 habitantes. Na eleição municipal de 2014, havia 4.654 eleitores inscritos. Desses, votaram 72,35%, isto é, 3.367. Houve 3.187 votos válidos.
            O Tribunal Administrativo de Bordeaux, em decisão de 5 de junho, anulou a eleição municipal na comuna de Salles, acompanhando as conclusões do relator apresentadas em fim de maio.
O atual prefeito, Luc Dervillé, foi eleito no primeiro turno com 50,1% dos votos, e com apenas 7 votos a mais do que o segundo colocado, o prefeito anterior e socialista Vincent Nuchy.  
            O Tribunal não apenas anulou a eleição como também declarou inelegível um dos membros da lista do candidato eleito, uma policial de Pessac, inelegível em razão do cargo. Além disso, o Tribunal considerou  que a data para o encerramento da campanha não foi respeitado – correligionários do candidato vitorioso teriam feito campanha no mercado da cidade na véspera da eleição. E houve também uma distribuição de panfletos anônimos, considerados difamatórios contra o prefeito anterior, distribuídos em algumas caixas de correio. O prefeito eleito nega ter sido o autor. 
          O prefeito eleito interpôs recurso da decisão do Tribunal de Bordeaux perante o Conselho de Estado, que deve julgar a questão em 6 meses. Como o recurso tem efeito suspensivo, o prefeito eleito continua a exercer plenamente suas funções.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

França : Eleições municipais – anulações – BOUCHAIN

         Veremos hoje uma cidade francesa em que o resultado da eleição municipal de março deste ano está sendo contestado em juízo.
3. BOUCHAIN
            Bouchain é uma pequena cidade situada ao norte da França, no departamento Norte (59), na região Nord-Pas-de-Calais. A população em 2009 era de 4.131 habitantes. Na eleição municipal de 2014, havia 3.068 eleitores inscritos. Desses, votaram 69,55%, isto é, 2.134. Houve 2.050 votos válidos.
            O candidato do Partido Socialista que ficou em segundo lugar ingressou em juízo pedindo a anulação da eleição. O Tribunal Administrativo de Lille indeferiu o pedido em 16 de junho. O candidato recorreu ao Conselho de Estado. O magistrado relator do caso no Conselho de Estado conheceu do recurso e opinou pelo provimento.
     Dentre as diversas irregularidades apontadas, o relator debruçou-se principalmente sobre uma delas. Trata-se de um jornal municipal feito publicar pelo prefeito candidato à reeleição, que foi reeleito. Em quatro páginas impressas em papel brilhante contendo a foto do prefeito, o texto trazia um balanço favorável da sua gestão, retomando o discurso de campanha.
O relator considerou que a publicação caracterizava “promoção publicitária”, sobretudo por mencionar a eleição que se aproximava.  Invocou a lei que veda publicidade oficial a partir do primeiro dia do sexto mês anterior à eleição. Considerando a pequena diferença entre a votação do primeiro e do segundo colocados, apenas 83 votos em 2050, o relator opinou pela anulação da eleição.
            O Conselho de Estado deve julgar a questão nas próximas semanas.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

França : Eleições municipais – anulações – CABOURG

        Veremos hoje mais uma cidade francesa em que a eleição municipal de março deste ano foi anulada.
2. CABOURG
            Cabourg é uma pequena cidade litorânea situada à beira do Canal da Mancha, no departamento Calvados (14), na região Baixa Normandia. A população é de cerca de 3.970 habitantes. No segundo turno da eleição municipal de 2014 havia 3.204 eleitores inscritos. Desses, votaram 72%, isto é, 2.310. Houve 2.251 votos válidos.
            O Tribunal Administrativo de Caen anulou a eleição municipal da comuna de Cabourg, em decisão de 17 de junho de 2014. No segundo turno, a lista “Viver Cabourg juntos” venceu com 45,09% dos votos válidos, com apenas quatro votos a mais do que a lista segunda colocada, “Cores Cabourg”.
            A principal irregularidade apontada perante o Tribunal foi uma diferença nas assinaturas de 13 eleitores entre o primeiro e o segundo turnos. Foram feitos estudos e afinal seis assinaturas foram tidas como irregulares pelo Tribunal.
            O Tribunal invocou o disposto na parte final do art. L. 62-1 do Código Eleitoral, que estabelece que “o voto de cada eleitor é constatado por sua assinatura aposta a tinta diante de seu nome no caderno de votação”. O Tribunal considerou que esse requisito não foi atendido em seis votos, que foram considerados irregulares. Levando em conta a diferença de votos entre as listas, o Tribunal anulou as operações eleitorais do primeiro e do segundo turnos.

            O prefeito, candidato a reeleição e cabeça da lista “Viver Cabourg juntos”, recorreu da decisão do Tribunal Administrativo de Caen ao Conselho de Estado. Estima-se que o Conselho de Estado deverá julgar a questão no prazo de seis a oito meses. Enquanto isso, o prefeito e os conselheiros municipais permanecem nos cargos.

domingo, 12 de outubro de 2014

França : Eleições municipais – anulações - LESCAR

        Em março deste ano houve eleições municipais na França. Desde então, Tribunais Administrativos têm anulado a votação em diversas comunas. Conheceremos aqui no blog alguns desses casos:
1. LESCAR
Lescar é uma cidade situada ao sul da França, no departamento Pirineus-Atlânticos (64), na região Aquitaine. A população é de 10.322 habitantes. Na eleição municipal de 2014, havia 7.531 eleitores inscritos. Desses, votaram 72,89%, isto é, 5.489. Os votos válidos foram em número de 5.340. A abstenção em Lescar costuma ser inferior à média nacional. As votações da extrema direita e da extrema esquerda costumam ser também inferiores à média nacional nessa cidade.
O Tribunal Administrativo de Pau anulou a eleição municipal na comuna de Lescar. Isso porque no segundo turno os dois candidatos obtiveram exatamente o mesmo número de votos, um fato sem precedentes no departamento Pirineus-Atlânticos, sobretudo numa cidade de mais de 10.000 habitantes.
O prefeito que disputava a reeleição pelo Partido Socialista, Christian Laine, e seu opositor, o candidato de centro-direita Philippe Coy, obtiveram 2.670 votos cada um. O prefeito foi considerado eleito por ser o mais velho. Mas ambos ingressaram em juízo pedindo a anulação do pleito. O eleito declarou : “é preciso garantir a democracia, eu quero ser eleito mas não a qualquer preço”.
O relator do caso considerou ter havido irregularidades em duas cédulas. Dois eleitores não teriam entrado na cabine de votação para votar, fato que teria ocorrido logo antes do encerramento da votação.
Ainda cabe recurso da decisão do Tribunal Administrativo de Pau, prolatada em 30 de setembro, e todo eleitor é parte legítima para recorrer, no prazo de um mês. Novas eleições deverão ocorrer em três meses contados do trânsito em julgado da decisão.
            Enquanto isso, a cidade está sendo administrada por uma delegação especial de três pessoas que se encarrega das questões quotidianas.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Brasil : Principais propostas do projeto de iniciativa popular Eleições Limpas

      A Coalizão pela Reforma Política Democrática, formada por mais de uma centena de entidades representativas da sociedade civil brasileira, entre elas OAB, CNBB e MCCE, apresenta as principais propostas do seu projeto de reforma política :
1. Afastar o poder econômico das eleições
O projeto Eleições Limpas propõe o financiamento público de campanha, associado ao financiamento de pessoas físicas, limitado a R$ 700,00 por contribuinte e até 40% do total da contribuição pública.
A Coalizão argumenta que o poder econômico, financiando campanhas eleitorais, compra candidatos, impõe sua vontade no Executivo e no Legislativo e faz com que a maioria dos parlamentares não represente o povo. A forma atual do financiamento de campanhas é o maior canal de corrupção eleitoral.
2. Adotar o sistema eleitoral proporcional em dois turnos
O sistema eleitoral é o método para escolha dos deputados federais, dos deputados estaduais ou distritais e dos vereadores.
O projeto Eleições Limpas mantém o sistema proporcional atual, porém propõe que esses parlamentares sejam eleitos em dois turnos. No primeiro turno, o voto é dado ao partido, em seu programa, e na lista pré-ordenada de candidatos, elaborada democraticamente, em eleições internas. No segundo turno, o voto é dado ao candidato de preferência do eleitor, conforme a lista elaborada no primeiro turno.
A Coalizão considera que esse novo sistema favorece uma eleição em torno de propostas, preserva o direito do eleitor de decidir quem será eleito, valoriza o partido político, combate os partidos de aluguel e reduz custos de campanha.
3. Fortalecer a democracia direta
O projeto Eleições Limpas propõe nova regulamentação dos mecanismos da democracia direta, determinando os assuntos que deverão ser objeto de plebiscito ou referendo, tais como concessões de serviços públicos, privatizações, realização de obras de grande impacto ambiental, etc. O projeto também facilita a apresentação de projetos de lei de iniciativa popular.
4. Ampliar o papel da mulher na política
O projeto Eleições Limpas favorece a participação da mulher por meio da alternância de gênero nas listas dos candidatos. Também prevê estímulos para que os partidos lancem candidatos oriundos de segmentos sociais sub-representados.
A Coalizão está colhendo assinaturas em apoio ao projeto de lei. Ainda não são admitidas assinaturas pela internet. Para conhecer o projeto e baixar o material de apoio, acesse
www.reformapoliticademocratica.org.br

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Brasil : Máximo Dois Mandatos – M2M

          No Brasil, os parlamentares só devem poder se candidatar uma vez mais ao mesmo cargo, na mesma Casa Legislativa. Em outras palavras, só devem poder exercer no máximo dois mandatos consecutivos. Essa proposta, batizada por seus idealizadores de M2M, começa a ganhar força. O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral Estadual São Paulo (MCCE/SP) manifestou o seu apoio.
            Quanto ao Poder Executivo, os constituintes de 1988 tinham plena consciência de que a possibilidade de reeleição é potencialmente nociva à democracia. Os riscos de abuso do poder político pelo chamado “uso da máquina” já eram então bem conhecidos. Por isso, o texto original da Carta Política de 1988 vedava a reeleição de presidente, governadores e prefeitos. Em 1997, uma emenda à Constituição admitiu a reeleição para esses cargos, para mais um mandato consecutivo.
            Porém até hoje nunca se cogitou da limitação da possibilidade de reeleição também dos parlamentares. É chegada a hora de estender o limite à reeleição também aos membros do Poder Legislativo : senadores, deputados federais, deputados estaduais e vereadores.
            As razões para isso são graves e prementes.
            Nossa mentalidade e nossas tradições políticas favorecem a exacerbação do personalismo. Nosso arcabouço institucional tende a concentrar poder nas mãos do chefe do Poder Executivo. Porém nas democracias é o Poder Legislativo, formado por órgãos colegiados, que representa ou deveria representar o povo. No Senado, na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas, nas Câmaras Municipais, o povo em sua exuberante diversidade de ideias deveria estar fielmente representado.
Todos sabemos que no Brasil de hoje não é isso que acontece. A chamada “síndrome da reeleição” torna os parlamentares escravos dos interesses dos grandes financiadores de campanha, em detrimento do dever constitucional de promover o bem comum.
A perspectiva de se perpetuar no poder tem feito com que o exercício de mandato parlamentar deixe de ser uma elevada missão e passe a ser um reles modo de ganhar a própria vida, sem a menor vinculação com a defesa do interesse público.
Esse total desvirtuamento chegou atualmente ao paroxismo, com a prática tornada habitual de vender as decisões políticas que lhes incumbem por força do cargo. São decisões fundamentais, que vão afetar a vida dos brasileiros sob a forma de leis. E o perigo está no fato de que essas leis assim elaboradas, em que pese sua fonte espúria, gozam também da presunção de constitucionalidade.
Não é de hoje que reina a impressão generalizada de que o Poder Legislativo não tem cumprido o seu papel de representar fielmente o povo e de fiscalizar sem trégua a atuação do Poder Executivo. O que se verifica é que na raiz desse enfraquecimento institucional do Poder Legislativo e dessa desqualificação ética e política dos parlamentares está a possibilidade ilimitada de reeleição.
Máximo dois mandatos. Trata-se de uma proposta simples, clara, concreta, e dotada de efetivo potencial saneador dos nossos costumes políticos.
Há precedentes em outros países.
No México, a Constituição estabelece que deputados e senadores não podem ser eleitos para o período imediato (art. 59). Os mandatos duram três e seis anos, respectivamente (arts. 51 e 52).
Do mesmo modo, na Costa Rica a Constituição determina que os deputados não podem ser reeleitos de forma sucessiva (art. 107). O mandato é de quatro anos.
Nos Estados Unidos, em pelo menos sete Estados a possibilidade de reeleição de parlamentares estaduais é limitada pelas respectivas Constituições estaduais. No mais populoso e desenvolvido Estado norte-americano, a Califórnia, senadores estaduais só podem exercer dois mandatos (de quatro anos), consecutivos ou não. Deputados estaduais só podem exercer três mandatos (de dois anos), consecutivos ou não (Constituição estadual, artigo 4, seção 2 (a)).
Na Flórida, senadores e deputados estaduais não podem ser eleitos para ocupar o cargo por mais de oito anos consecutivos, mesmo que não venham a cumprir o mandato todo (artigo VI, seção 4, (b)). O mandato é de quatro anos para os senadores estaduais e de dois anos para os deputados estaduais (artigo III, seção 15 (a) e (b)).
            Em Ohio, senadores estaduais podem exercer dois mandatos sucessivos (de quatro anos). Deputados estaduais podem exercer quatro mandatos sucessivos (de dois anos). Os mandatos são considerados sucessivos se não houver um intervalo de pelo menos quatro anos. O tempo passado no cargo no lugar da pessoa eleita não afasta o direito de se candidatar para o mesmo cargo se quatro anos tiverem se passado entre esse período e o momento da eleição; considera-se que quem é eleito e renuncia antes do fim do mandato cumpriu o mandato inteiro para fins de reeleição (artigo 2, § 02).
            Na Louisiana, quem exerceu o cargo de senador ou deputado estadual por mais de dois mandatos e meio no decorrer de três mandatos consecutivos não pode se candidatar ao mandato seguinte (artigo III, seção 4 (E)). O mandato é de quatro anos nos dois cargos (artigo III, seção 4 (C)). Podem voltar a se candidatar depois de um mandato de intervalo.
            Em Oklahoma, os legisladores estaduais não podem servir mais de doze anos, consecutivos ou não. Os anos servidos no Senado e na Assembléia Legislativa devem ser somados. Os anos servidos pelo suplente durante menos de um mandato inteiro no lugar do legislador eleito não devem ser somados. Mas quem já completou os doze anos não pode ser eleito nem mesmo como suplente (artigo V, seção 17 (A)). O mandato dos senadores estaduais é de quatro anos e o dos deputados estaduais, de dois anos (artigo V, seções 9A e 10A).  
            Em Nevada, senadores e deputados estaduais que serviram por doze anos ou mais não podem se candidatar ao mesmo cargo (artigo 4, seção 4, parágrafo 2 e artigo 3, parágrafo 2). O mandato dos senadores estaduais é de quatro anos e o dos deputados estaduais, de dois anos (artigo 4, seção 3, parágrafo 1 e 4, parágrafo 1).
Em Montana, senadores e deputados estaduais que tiverem ocupado o cargo por oito anos ou mais em um período de dezesseis anos não podem se candidatar de novo ao mesmo cargo (artigo IV, seção 8 (1) (b) e (c)). O mandato dos senadores estaduais é de quatro anos e o dos deputados estaduais, de dois anos (artigo V, seção 3).
            Dito isso, é importante fazer a ressalva de que nos três países citados o sistema eleitoral para a escolha de parlamentares é diferente do que vigora no Brasil. No México, o sistema é em parte majoritário e em parte proporcional, que nós chamamos de sistema distrital misto. Na Costa Rica e nos Estados Unidos, o sistema é totalmente majoritário (distrital puro). No Brasil, como se sabe, o sistema é proporcional. Essa diferença tem importantes repercussões na representatividade dos parlamentares, tema que foge todavia aos estreitos limites desta apresentação da proposta M2M.
Seja como for, vê-se que não se trata de uma restrição inexistente nas normas que regem a composição dos parlamentos ao redor do mundo. Certamente há de haver outros exemplos, é uma pesquisa que precisa ser ampliada.
Observa-se também que há diversas fórmulas jurídicas possíveis para a limitação da reeleição dos parlamentares. A presente proposta veda unicamente o direito a nova candidatura à mesma Casa Legislativa depois de terem sido exercidos dois mandatos consecutivos. Isso significa que havendo um mandato de intervalo, a pessoa deve poder voltar a se candidatar até mesmo ao cargo que já exerceu, na mesma Casa Legislativa. Além disso, se o parlamentar que já cumpriu dois mandatos consecutivos quiser em seguida se candidatar a um cargo em outra Casa Legislativa – por exemplo, passar de deputado estadual a deputado federal, ou de deputado federal a senador – não haverá impedimento.

No Brasil, para que a limitação a dois mandatos consecutivos se estenda aos parlamentares, é preciso emendar a Constituição Federal. Enquanto a própria Constituição não admitir a iniciativa popular de propostas de emendas constitucionais, será preciso contar com o que reste de sensibilidade e espírito público na alma dos nossos congressistas. Serão eles impulsionados também pelo amplo apoio popular que essa proposta certamente vai angariar, como ocorreu com a Lei da Compra de Votos e a Lei da Ficha Limpa.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Brasil : Direito eleitoral brasileiro – conquistas e desafios

        No próximo domingo, dia 5 de outubro de 2014, os mais de 142 milhões de eleitores brasileiros irão às urnas votar para presidente das República, senador, governador, deputado federal e deputado estadual ou distrital.
            A data marca também os 26 anos da Constituição Federal de 1988.
         De lá para cá, o direito eleitoral brasileiro evoluiu muito. A própria Constituição consagrou avanços importantes, como o direito de voto dos analfabetos e dos jovens de 16 anos. A Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994, enfatizou a distinção entre o regime jurídico do direito de voto, que tende à universalização, e o do direito de se candidatar, que passou a se submeter também ao comando de proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato.
       Essa alteração constituiu o fundamento da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, LC nº 135/2010, lei originária de projeto de iniciativa popular que efetivou extensas e profundas mudanças na Lei das Inelegibilidades, no sentido de tornar mais restritos os critérios a serem satisfeitos por quem almeje se candidatar a cargo eletivo.
            De igual importância é a Lei da Compra de Votos, Lei nº 9840/99, que determinou a cassação do diploma – e consequente perda do mandato eletivo – dos responsáveis por captação ilícita de sufrágio e por uso da máquina administrativa em campanhas eleitorais. A prática comprovada dessas condutas passou também a ser causa de inelegibilidade, por força da Lei da Ficha Limpa.
            São conquistas importantes, que pelo papel que nelas desempenhou a sociedade civil, o povo organizado em entidades representativas, mostram que há uma grande parte dos brasileiros que está atenta às questões de direito eleitoral e que está consciente da relevância do aprimoramento das regras do jogo para a melhoria da nossa classe política e dos nossos governantes.
            Mas ainda há muito o que avançar. A meu ver o principal tema a ser enfrentado agora é o financiamento eleitoral. Não é mais possível que empresas, grandes empresas, muitas vezes contratantes com o poder público – portanto interessadas em decisões governamentais – , financiem as campanhas eleitorais.
A regra atual é perversa a ponto de “limitar” as doações de pessoas jurídicas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição. O que significa que, quanto maior o faturamento, maior o valor que pode ser doado, o que contraria os mais elementares princípios que deveriam nortear a disciplina do financiamento eleitoral.
Outra questão que merece atenção é o método de escolha dos candidatos que vão disputar a eleição. No Brasil, ele não é nada democrático. O povo não participa, são decisões tomadas pelas cúpulas partidárias. Essa talvez seja a principal razão das campanhas pelo voto nulo.
Agora, no entanto, é o momento de fazer valer as conquistas já consolidadas e nos preparar para votar com consciência, pois, como diz o MCCE, voto não tem preço, tem consequências !