domingo, 24 de junho de 2018

Brasil: “É muito dinheiro público dado sem restrição”, diz procurador regional eleitoral de SP


Leia entrevista publicada hoje no jornal O Estado de S.Paulo:

Ricardo Galhardo, O Estado de S.Paulo

Luiz Carlos dos Santos critica regras que disciplinam repasse do fundo eleitoral para os partidos


A lei que criou o fundo eleitoral já para as eleições 2018 representa a maior distribuição de recursos públicos a um mesmo segmento sem cautela nem restrições da história recente do Brasil. A opinião é do procurador regional eleitoral de São Paulo, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves. Segundo ele, o Ministério Público Federal não tem ferramentas para fiscalizar as chamadas vaquinhas eleitorais durante a campanha e o WhatsApp será o “valhacouto” para disseminação de mentiras.

Qual o impacto da criação do fundo eleitoral nas eleições deste ano? Como fica, por exemplo, o repasse obrigatório de 30% para candidatas mulheres? 
Não me recordo de situação na história recente do País na qual se deu tanto dinheiro a um determinado segmento exigindo tão pouca coisa em troca. Não sou contrário ao pleito dos partidos, mas causou espécie o repasse de R$ 1,7 bilhão com critérios de distribuição que a própria direção partidária vai decidir. Isso é inédito. É muito poder nas mãos das direções partidárias. E, no caso das mulheres, pode acontecer de o partido escolher uma candidata e depositar todos os 30% só para ela. 
Há falhas na lei?
Essa lei é muito peculiar. É muito dinheiro público dado sem cautela e sem restrições.
Como o MP vai fiscalizar as vaquinhas eleitorais?
Há cerca de 40 empresas realizando este procedimento de arrecadação. Algumas são tecnologicamente sofisticadas. Soubemos de uma em que a pessoa tem de dar uma prova de vida para fazer doação. O programa filma você dando tchauzinho. Outras empresas não têm este requinte. Pode acontecer a doação transversal, em que o doador verdadeiro é um e quem empresta o CPF para registrar a doação é outro. Há como fazer a verificação ao final da eleição. Durante não tem. Mas essa foi uma boa inovação. Quanto mais o eleitor financiar seu candidato, melhor. 
Uma legislação mais rigorosa ajudaria a coibir distorções?
Eu me preocupo com o exagero de regramentos da lei. Temos uma lei que chega ao ridículo de definir o tamanho do cartaz que o cidadão pode botar na janela. Ela estabelece um sem número de disposições para tentar controlar. Não sou favorável a este movimento, a essa redução no tempo de campanha. Isso é uma coisa que ajuda só quem é conhecido. Parece que são regras feitas só para reeleger as pessoas, não para eleger, porque um candidato novo vai ter poucos dias para se fazer conhecer, divulgar seu programa. Essa minúcia exuberante acaba escondendo os grandes abusos. 
Como o MP vai coibir as fake news nestas eleições?
Não existe um aparato. O candidato que se sentir ofendido pode ir à Justiça Eleitoral pedir providências. Mas a gente tem acompanhado este assunto. A avaliação que ouvi de especialistas é de que, mesmo que montássemos um aparato enorme, não faríamos frente à quantidade, volume e intensidade dessas publicações. É uma preocupação nossa, mas não temos uma estrutura. 
Há como impedir essa prática pelo WhatsApp?
Se você está em um grupo fechado, é muito difícil identificar a proliferação dessas mentiras. Mesmo que você vá ao Judiciário e peça uma ordem judicial, é muito difícil. O WhatsApp hoje é o melhor valhacouto para fazer esse tipo de propagação mentirosa. 
Alguns grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL) foram proibidos de pedir votos mesmo no período da campanha.
No caso do MBL, não posso me pronunciar porque é objeto de processo na Procuradoria. 
De forma geral?
As pessoas jurídicas no Brasil estão proibidas não só de doar dinheiro em espécie, mas bens estimáveis em dinheiro que podem ser em serviços, uma utilidade, um favor. Isso não é cerceamento porque as pessoas físicas têm direito de opinião.
Existe alguma possibilidade de alguém que foi condenado por órgão colegiado ser candidato?
Depende da condenação. Não é todo e qualquer crime que gera inelegibilidade. Há um rol da Lei da Ficha Limpa. Se a pessoa for condenada por um desses crimes e não tiver obtido a suspensão da inelegibilidade, pode ficar inelegível. Mas existe uma cláusula na própria lei que prevê a suspensão da inelegibilidade. Ou seja, neste momento é só conjectura. Dizer em junho que alguém vai estar inelegível em agosto é um exercício que a gente não faz. 
É possível a Justiça decretar a inelegibilidade antes do registro da candidatura?
Há uma única possibilidade. Se houver uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral, a pessoa pode ser condenada a ficar inelegível em casos de abuso do poder econômico, político ou dos meios de comunicação. Nas demais hipóteses, a inelegibilidade é sempre indireta. Se a pessoa é condenada criminalmente, a sentença não pode mencionar a inelegibilidade. Este exame vai ser feito no momento do registro da candidatura. O resto é futurologia.

sexta-feira, 22 de junho de 2018

Brasil : Dispositivos da lei das eleições que vedam sátira a candidatos são inconstitucionais


Leia notícia publicada hoje no informativo Migalhas:

ADIn foi ajuizada pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão

Por unanimidade, os ministros do STF declararam inconstitucionais dispositivos da lei das eleições que impediam emissoras de rádio e televisão de veicular programas de humor envolvendo candidatos, partidos e coligações nos três meses anteriores ao pleito, como forma de evitar que sejam ridicularizados ou satirizados. 
O julgamento da ADIn 4.451, em que a Abert - Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão questionava os incisos II e III (em parte) do art. 45 da lei das eleições, foi iniciado ontem, 20, e concluído na sessão desta quinta-feira, 21. Os dispositivos considerados inconstitucionais pelo STF já estavam suspensos desde 2010 por meio de liminar concedida pelo então relator, ministro aposentado Ayres Britto, e referendada pelo plenário, de modo que a proibição não foi aplicada nas eleições de 2010 nem nas seguintes.
Todos os ministros acompanharam o atual relator da ação, ministro Alexandre de Moraes, que em seu voto destacou que os dispositivos violam as liberdades de expressão e de imprensa e o direito à informação, sob o pretexto de garantir a lisura e a igualdade nos pleitos eleitorais. Para o relator, a previsão é inconstitucional, pois consiste na restrição, na subordinação e na forçosa adequação da liberdade de expressão a normas cerceadoras durante o período eleitoral, com a clara finalidade de diminuir a liberdade de opinião, a criação artística e a livre multiplicidade de ideias.
Notícias enganosas
O julgamento foi retomado com o voto do ministro Luiz Fux, presidente do TSE. Ele fez uma distinção didática entre a liberdade de expressão e as notícias sabidamente enganosas, que causam danos irreversíveis a candidatos. Fux reafirmou que a Justiça Eleitoral está preparada para combater as fake news com os instrumentos de que dispõe, evitando que o pleito de outubro tenha sua lisura comprometida.
O ministro Ricardo Lewandowski ressaltou em seu voto que somente a livre formação de opinião e o pluralismo de ideias e de visões de mundo podem combater a instalação de um pensamento único hegemônico. Para o ministro Gilmar Mendes, os juízes eleitorais devem ter discernimento para analisar os casos, nem proibindo nem dizendo que tudo é permitido. “Não estamos autorizando um vale-tudo, nem podemos”, assinalou.
Os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello destacaram a incompatibilidade dos dispositivos questionados com princípios constitucionais e universais, assim como a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia. Para ela, é surpreendente que, mesmo 30 anos após a promulgação da Constituição de 1988, o STF ainda tenha que reafirmar a prevalência das liberdades de imprensa e de expressão. “A censura é a mordaça da liberdade”, afirmou.
·         Processo: ADIn 4.451

Informações: STF

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Brasil: A urna eletrônica e o voto impresso


Introdução

Uma coisa é certa: a democracia só sobrevive quando o modo pelo qual se desenrolam as operações eleitorais é honesto e isento de fraudes.

Esse não é o único fator, mas é um fator de importância fundamental para que a vontade livre e sincera do eleitor possa se manifestar.

No Brasil, o tempo da cédula de papel foi marcado pela ocorrência de manobras fraudulentas.

Sobre esse assunto, o TSE relembra que cédulas com votos em branco eram preenchidas disfarçadamente em favor de determinado candidato, votos nulos eram interpretados de acordo com a intenção de quem fazia a leitura, além da subtração de cédulas e inclusão de outras.

O TSE menciona a estratégia do “voto formiguinha”, na qual um dos primeiros eleitores que se apresentava na seção eleitoral recebia a cédula do mesário, entrava na cabina de votação e, em vez de preenchê-la e depositá-la, guardava a cédula em branco e colocava um papel qualquer na urna de lona. Outra pessoa que estava fora da seção recebia a cédula oficial, assinalava os candidatos desejados e a entregava para um próximo eleitor. Esse tinha a incumbência de depositar a cédula já preenchida, pegar outra em branco e devolver novamente para a pessoa que organizava o esquema. 

O TSE evoca também a tática das “urnas emprenhadas”, em que se inseriam cédulas nas urnas antes de iniciar a votação, pois as urnas de lona eram frágeis e contavam apenas com um simples fecho cadeado e lacres de papéis sem nenhum requisito de segurança de verificação de violabilidade. 

Para combater esse estado de coisas é que a urna eletrônica foi implantada no Brasil.

Mas a verdade é que nos dias que correm os questionamentos sobre a confiabilidade do voto eletrônico se intensificaram.

Esse fato incontestável levou o Congresso Nacional a instituir, nas minirreformas eleitorais de 2009 e de 2015, a impressão do voto, que permite a recontagem.

Acontece que a adoção do voto impresso também é objeto de polêmica e não é isenta de inconvenientes, como se verá.

Primeira Parte: A urna eletrônica. Histórico e garantias.

A. Apanhado histórico

O uso de uma máquina de votar já estava previsto no primeiro Código Eleitoral brasileiro, de 1932 (art. 57).

Mas a urna eletrônica só começou de fato a ser usada 64 anos depois, a partir das eleições municipais de 1996.

Naquele ano, iniciou-se a implantação do voto eletrônico. Um terço do eleitorado da época, cerca de 32 milhões de eleitores,  votou por meio das mais de 70 mil urnas eletrônicas produzidas para aquelas eleições. Participaram 57 cidades com mais de 200 mil eleitores, entre elas, 26 capitais (o Distrito Federal não participou por não eleger prefeito).

A eleição municipal de 2000 foi a primeira totalmente informatizada.

B. Disposições de lei tendentes a assegurar a confiabilidade do voto eletrônico

As disposições legais destinadas a assegurar a confiabilidade do sistema eletrônico de votação estão contidas nos arts. 66 e seguintes da Lei das Eleições (Lei nº 9. 504/1997).

O art. 66 assegura aos partidos e coligações o direito de fiscalizar todas as fases do processo de votação e apuração das eleições e o processamento eletrônico da totalização dos resultados. De acordo com o § 1º desse artigo, todos os programas de computador de propriedade do TSE, desenvolvidos por ele ou sob sua encomenda, utilizados nas urnas eletrônicas para os processos de votação, apuração e totalização, poderão ter suas fases de especificação e de desenvolvimento acompanhadas por técnicos indicados pelos partidos políticos, Ordem dos Advogados do Brasil e Ministério Público, até seis meses antes das eleições. O § 2º estabelece que uma vez concluídos os referidos programas, serão eles apresentados, para análise, aos representantes credenciados dos partidos políticos e coligações, até vinte dias antes das eleições, nas dependências do TSE, na forma de programas-fonte e de programas executáveis, inclusive os sistemas aplicativo e de segurança e as bibliotecas especiais, sendo que as chaves eletrônicas privadas e senhas eletrônicas de acesso manter-se-ão no sigilo da Justiça Eleitoral. Após a apresentação e conferência, são lacradas cópias dos programas-fonte e dos programas compilados. No prazo de cinco dias a contar da data da mencionada apresentação, o partido político e a coligação poderão apresentar impugnação fundamentada à Justiça Eleitoral (art. 66, § 3º). Havendo a necessidade de qualquer alteração nos programas, após essa apresentação, será dado conhecimento do fato aos representantes dos partidos políticos e das coligações, para que sejam novamente analisados e lacrados (art. 66, § 4º). A carga ou preparação das urnas eletrônicas deve ser feita em sessão pública, com prévia convocação dos fiscais dos partidos e coligações para a assistirem e procederem aos atos de fiscalização, inclusive para verificarem se os programas carregados nas urnas são idênticos aos que foram lacrados na sessão referida no § 2o , após o que as urnas são lacradas (art. 66, § 5º).   No dia da eleição, deve ser realizada, por amostragem, auditoria de verificação do funcionamento das urnas eletrônicas, através de votação paralela, na presença dos fiscais dos partidos e coligações, nos moldes fixados em resolução do Tribunal Superior Eleitoral (art. 66, § 6º).

O art. 67 estabelece que os órgãos encarregados do processamento eletrônico de dados são obrigados a fornecer aos partidos ou coligações, no momento da entrega ao Juiz Encarregado, cópias dos dados do processamento parcial de cada dia, contidos em meio magnético.

De acordo com o art. 68, o boletim de urna, segundo modelo aprovado pelo TSE, deve conter os nomes e os números dos candidatos nela votados. O §1º desse artigo estabelece que o Presidente da Mesa Receptora é obrigado a entregar cópia do boletim de urna aos partidos e coligações concorrentes ao pleito cujos representantes o requeiram até uma hora após a expedição. O descumprimento dessa norma constitui crime, punível com detenção, de um a três meses, com a alternativa de prestação de serviço à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de um mil a cinco mil UFIR (art. 68, § 2º).

Além disso, o art. 72 torna crimes puníveis com reclusão de cinco a dez anos as seguintes condutas atentatórias à segurança do sistema: I - obter acesso a sistema de tratamento automático de dados usado pelo serviço eleitoral, a fim de alterar a apuração ou a contagem de votos; II - desenvolver ou introduzir comando, instrução, ou programa de computador capaz de destruir, apagar, eliminar, alterar, gravar ou transmitir dado, instrução ou programa ou provocar qualquer outro resultado diverso do esperado em sistema de tratamento automático de dados usados pelo serviço eleitoral; III - causar, propositadamente, dano físico ao equipamento usado na votação ou na totalização de votos ou a suas partes.

C. A Justiça Eleitoral assegura que o sistema eletrônico de votação é confiável

A Justiça Eleitoral assegura que a urna eletrônica extinguiu a ocorrência de fraudes em eleições no Brasil.

O TSE salienta que no tempo da cédula de papel o trabalho humano de apuração consumia horas, dias e até semanas, e, como dito acima, era sujeito a vários tipos de fraudes e erros.

O TSE considera que a segurança é a grande vantagem da urna eletrônica,uma vez que ela evita adulterações, impossibilita a identificação do eleitor e não tem ligação com a Internet nem com qualquer dispositivo de rede”.

Além disso, a urna eletrônica, segundo o TSE, “possui várias barreiras de segurança encadeadas que tornam a fraude nas eleições altamente improvável, em especial no brevíssimo tempo da transmissão de dados durante a totalização”.

Com a finalidade de “fortalecer a confiabilidade, a transparência e a segurança da captação e da apuração dos votos, além de propiciar melhorias no processo eleitoral”, desde 2009 o TSE promove um Teste Publico de Segurança no ano anterior à eleição.  

Em 2017, as urnas eletrônicas passaram pelo Teste Público de Segurança entre os dias 28 e 30 de novembro. Os inscritos puderam submeter os sistemas eleitorais a ataques ao sistema eletrônico de votação com o objetivo de encontrar falhas e vulnerabilidades de segurança.

O TSE afirma que “o TPS permite o aprimoramento dos sistemas eletrônicos de votação”, de modo a “identificar eventuais problemas que possam ser explorados a ponto de invadir os sistemas eleitorais”.
O TSE informa que desde as eleições municipais de 2016, foi ampliado o leque de testes e, agora, além da urna eletrônica e os seus softwares, também são testados os sistemas relativos à Transmissão e Recebimento de arquivos de urna.
Os inscritos agora têm também acesso ao código fonte dos sistemas eleitorais. De acordo com o TSE, “o objetivo dos testes é aprimorar os sistemas envolvidos nas eleições, corrigindo os problemas identificados pelos investigadores”.
O TSE informa que “a segurança do sistema eletrônico de votação é feita em camadas. Por meio de dispositivos de segurança de tipos e com finalidades diferentes, são criadas diversas barreiras que, em conjunto, não permitem que o sistema seja violado. Qualquer ataque causa um efeito dominó, e a urna eletrônica trava, não sendo possível gerar resultados válidos”.
Segunda Parte: A crescente desconfiança em relação ao voto eletrônico

A. A palestra do hacker de 19 anos

Não obstante a existência de todas essas garantias, teve grande repercussão a apresentação feita por um hacker de 19 anos, em 10 de dezembro de 2012, perante uma plateia de mais de cem pessoas no auditório da Sociedade de Engenheiros e Arquitetos do Rio de Janeiro (SEAERJ).

A palestra foi proferida no decorrer do seminário “O voto eletrônico é confiável?”, promovido pelos institutos de estudos políticos das seções fluminense do Partido da República (PR) –  o Instituto Republicano; e do Partido Democrático Trabalhista (PDT) –  a Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini.

Na sua fala, o jovem teria mostrado como — através de acesso ilegal e privilegiado à intranet da Justiça Eleitoral no Rio de Janeiro, sob a responsabilidade técnica da empresa Oi – teria interceptado os dados alimentadores do sistema de totalização e, após o retardo do envio desses dados aos computadores da Justiça Eleitoral, teria modificado resultados beneficiando candidatos em detrimento de outros – sem nada ser oficialmente detectado.

B. O depoimento de especialistas na CCT do Senado

Em 15 de outubro de 2013, especialistas em segurança digital foram ouvidos pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) do Senado.

Na ocasião, eles afirmaram que a urna eletrônica tem falhas que permitem ataques e manipulações de dados.

Pedro de Rezende, professor de Matemática e Criptologia da Universidade de Brasília, explicou que a adoção da urna eletrônica foi um avanço, mas o Brasil parou na primeira geração, enquanto já existe a terceira, que permite auditoria de todos os votos contabilizados.

Diego Aranha, professor de Ciências da Computação da UnB, coordenou testes públicos do software de segurança do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). E alertou para vulnerabilidades que ele considera “infantis” no sistema, as quais permitem até identificar em quem o eleitor votou.

Diego Aranha afirmou ainda que “se alguém consegue monitorar a ordem que os eleitores votam e ele é capaz de recuperar os votos em ordem após a eleição, apenas examinando informação que não é privilegiada, informação pública, ele consegue correlacionar exatamente quem votou em quem. Essa fraude do sigilo do voto obviamente permite, não é?, o retorno de uma versão digital do que a gente chama de voto de cabresto no Brasil”.

No mesmo debate, Diego Aranha observou igualmente ainda que há pontos centrais que podem ser usados para fazer fraudes em larga escala, afetando várias urnas. Ele disse também que a impressão do voto é uma ferramenta para fazer auditorias e para evitar manipulação dos dados.

C. O estudo de um grupo de universidades

O mesmo professor Diego Aranha revelou, em palestra proferida  em 6 de abril de 2018 na Unicamp, haver constatado a existência de vulnerabilidades nas urnas eletrônicas do TSE.

Ele participou de equipes distintas que atuaram em duas edições do Teste Público de Segurança do Sistema Eletrônico de Votação, organizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2012 e 2017.

Na primeira edição do teste, Diego Aranha atuou na equipe de pesquisadores e funcionários da Universidade de Brasília (UnB), onde era professor. Já em 2017 participou coordenando uma equipe de professores e estudantes de instituições como a Unicamp, Universidade Federal de Campina Grande, Universidade Federal de São Carlos e Universidade Federal de Pernambuco.

Os pesquisadores, de áreas variadas e adstritos aos limites impostos pelo TSE, avaliou os pontos vulneráveis do sistema, face a diversos tipos de ataques.

Diego Aranha explicou na palestra proferida na Unicamp que "nestas duas edições dos testes encontramos múltiplas vulnerabilidades nos sistemas. Isso nos permitiu explorar e violar as principais propriedades de segurança do equipamento, que são o sigilo do voto e a integralidade do software de votação para que não se comporte de maneira honesta durante a eleição”.

Após a identificação das falhas, o grupo de pesquisadores apresentou sugestões para o aperfeiçoamento dos softwares e dos equipamentos. Eles defenderam a implantação do registro físico do voto, com verificação pelo eleitor, para permitir auditoria e minimizar problemas em caso de ataque a alguma das vulnerabilidades.

Outros pontos que podem, segundo Diego Aranha, ser aperfeiçoados são aspectos da arquitetura do sistema, com vistas a ampliar a segurança dos mecanismos, garantindo mais segurança e proteção do sigilo do voto.

D. Urna eletrônica de primeira geração

Explicitando o que foi dito acima, José Jairo Gomes (2018, p. 654) assinala que “o sistema brasileiro ainda usa a primeira geração de urna eletrônica, denominada Direct Recording Electronic Voting Machine – DRE (Máquina de Gravação Eletrônica Direta do Voto). Essa tecnologia apenas permite a gravação eletrônica de votos, não sendo possível a realização de auditoria por não haver qualquer registro material do voto, o que tem colocado em questão a transparência e a confiabilidade do resultado das eleições”.

Terceira Parte: O voto impresso

Nas palavras de José Jairo Gomes (2018, p. 653 e s.), uma das críticas mais ácidas dirigidas ao sistema eletrônico brasileiro refere-se à impossibilidade material de se conferir os votos e se auditar a votação.

Por essa razão, o voto impresso foi previsto mais de uma vez em lei, mas sua implementação acabou sendo suspensa pelo Supremo Tribunal Federal.

A. Os argumentos contra e a favor do voto impresso

1. Argumentos contrários

Os principais argumentos contrários ao voto impresso foram expostos por Maria Paula Dallari Bucci em artigo no Jornal do Advogado de março de 2018, republicado aqui no blog em 24 de abril.

Ela afirma que “os maiores riscos, comprovados nas experiências piloto realizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dizem respeito ao anonimato e ao sigilo do voto”. E pontua: “A facilidade, por exemplo, de o eleitor fotografar a cédula com o celular para comprovar o voto em alguém seria a materialização do ‘voto de cabresto digital’, a trazer de volta as piores práticas do Brasil do século passado”.

Maria Paula opõe também os custos da impressão: “nada desprezíveis –, que o TSE calcula em cerca de 1,8 bilhão. Para se ter uma ideia da grandeza desse valor, ele ultrapassa o montante do fundo eleitoral criado com a proibição do financiamento empresarial de campanha, de R$ 1,7 bilhão”.

Outro argumento é o de que, sob o aspecto técnico-operacional, o voto impresso aumentaria o tempo que cada eleitor leva para votar, o que levaria à necessidade de diminuir o número de eleitores por seção eleitoral, com maior ocorrência de filas e transtornos nos trabalhos desenvolvidos nas seções (GOMES, 2018, p. 654).  

2. Argumentos favoráveis

Em outro artigo no mesmo jornal, Augusto Tavares Rosa Marcacini defende a implantação do voto impresso: “A alegação de violação ao sigilo do voto parte de premissas errôneas sobre os fatos. Não se trata de dar um recibo para o leitor levar consigo, mas, sim, produzir um meio de recontagem que independa do sistema eletrônico. O print, que não identifica o eleitor, há de ficar retido em algum compartimento lacrado, para posterior contagem”.

A razão para imprimir o voto, na opinião de Marcacini, é dar transparência à eleição: “O que está impresso, o eleitor viu. O que um software registrou internamente, em meio digital, ninguém viu, e não é necessariamente o mesmo que foi exibido na tela”.

E continua: “Costuma-se opor que a impressão permitiria a volta do voto de carreirinha, ou outros ardis que campearam no Brasil rural de décadas passadas. Tal fraude, que não é um destino inevitável, precisa cooptar 200 pessoas para desviar 200 votos. Para comparar, um único flash card violado instalará software corrompido em cerca de 50 urnas. E uma fraude interna afetaria todo o país”.

E conclui : “Usar trilhas físicas, como o voto impresso, é a melhor garantia disponível de uma eleição democrática”.

B. A previsão na minirreforma de 2009 e a decisão do STF

1. O voto impresso na minirreforma de 2009

O voto impresso foi previsto na minirreforma eleitoral de 2009 (Lei nº 12.034), apesar da rejeição do projeto no Senado, que o considerou “inadequado à celeridade e ao sigilo do processo eleitoral”, destacando, ainda, que a “utilização de componentes mecânicos acoplados ou inseridos nas urnas eletrônicas aumentará drasticamente a taxa de falha desse equipamento, o que poderá exigir a votação em papel em diversas seções. Isso atrasará o cômputo dos votos e a conclusão do processo, bem como dará margem às mesmas fraudes já conhecidas no processo eleitoral não eletrônico”.

A rejeição no Senado foi superada na Câmara dos Deputados e o projeto foi aprovado, tornando-se lei. O art. 5º da Lei nº 12.034/2009 determinou a adoção do voto impresso a partir das eleições de 2014.

2. A decisão do Supremo Tribunal Federal

A constitucionalidade desse dispositivo foi questionada perante o Supremo Tribunal Federal.

Em 2012, o STF, por unanimidade, deferiu o pedido de medida cautelar para suspender sua eficácia. A decisão fundou-se no direito fundamental do cidadão ao sigilo do voto, bem como no risco de ocorrência de fraudes.

Como dito em trecho da ementa do acórdão, “1. A exigência legal do voto impresso no processo de votação, contendo número de identificação associado à assinatura digital do eleitor, vulnera o segredo do voto, garantia constitucional expressa. 2. A garantia da inviolabilidade do voto põe a necessidade de se garantir ser impessoal o voto para garantia da liberdade de manifestação, evitando-se qualquer forma de coação sobre o eleitor. 3. A manutenção da urna em aberto põe em risco a segurança do sistema, possibilitando fraudes, impossíveis no atual sistema, o qual se harmoniza com as normas constitucionais de garantia do eleitor” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.543, Distrito Federal/DF, rel. Min. Carmen Lúcia, Diário de Justiça Eletrônico, 2 mar. 2012).

C. A previsão na minirreforma eleitoral de 2015 e a suspensão para as eleições de 2018

1. O voto impresso na minirreforma de 2015

A minirreforma eleitoral de 2015 (Lei nº 13.165) determinou novamente que o voto seja impresso, de modo a permitir a recontagem.

Para tanto, incluiu o art. 59-A nas Lei das Eleições, segundo o qual “no processo de votação eletrônica, a urna imprimirá o registro de cada voto, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado”. De acordo com o parágrafo único desse artigo, o processo de votação não será concluído até que o eleitor confirme a correspondência entre o teor de seu voto e o registro impresso e exibido pela urna eletrônica.

A previsão era de que o voto impresso fosse implantado pela primeira vez nas eleições gerais de 2018. O TSE esclareceu que, na prática, o ato de votar não seria modificado. O que ocorreria é que algumas urnas passariam a contar com módulos de impressão, para registrar em papel o voto, que somente poderia ser conferido pelo eleitor por meio de um visor e, após confirmação, cairia diretamente num espaço inviolável, que estaria acoplado à urna eletrônica. Para preservar a inviolabilidade e o sigilo do voto, o eleitor não poderia tocar ou levar com ele o voto impresso. Os registros impressos dos votos poderiam ser utilizados para verificação da contabilização dos votos eletrônicos pela urna nas seções definidas pela Justiça Eleitoral.

O voto impresso seria implantando a princípio numa pequena porcentagem de urnas, cerca de 5%. A Justiça Eleitoral iria adquirir 30 mil impressoras, que seriam acopladas às urnas. E nem todas essas urnas com voto impresso teriam os votos recontados. Cada TRE deveria divulgar, 20 dias antes do primeiro turno, local, data e hora da verificação, que seria feita até 4 dias depois da votação. As urnas com impressoras que teriam os votos conferidos seriam escolhidas dois dias após a votação.

2. A decisão do Supremo Tribunal Federal

A constitucionalidade do dispositivo da minirreforma de 2015 que previa a impressão do voto foi questionada pela Procuradoria-Geral da República na ADI nº 5.889.

O principal argumento foi o de que a reintrodução do voto impresso como forma de controle do processo eletrônico de votação "caminha na contramão da proteção da garantia do anonimato do voto e significa verdadeiro retrocesso".

Os ministros do STF decidiram, na sessão ordinária de 6 de junho de 2018, conceder medida cautelar para suspender a impressão de registro de votos realizados em urna eletrônica. Para a maioria do colegiado, a impressão coloca em risco o sigilo do voto e torna vulnerável o sistema eleitoral.

Além dos argumentos jurídicos, pesou o argumento prático, qual seja, a impossibilidade de isso se realizar já no pleito de 2018, ao que se soma o custo elevado. A decisão tomada terá efeitos ex tunc.

Conclusão

Em que pesem os fortes argumentos práticos e jurídicos que motivaram as duas decisões do Supremo no sentido de suspender a impressão do voto que havia sido prevista nas reformas eleitorais de 2009 e de 2015, essa não parece ter sido a melhor solução.

De fato, como dito, intensificam-se na sociedade brasileira os questionamentos e as dúvidas acerca da confiabilidade da urna eletrônica, inclusive por parte de especialistas qualificados, e as instituições brasileiras precisavam ter dado uma resposta à altura.

Seja por meio do voto impresso ou de outro avanço tecnológico, não pode pairar nenhuma dúvida de que o resultado das eleições corresponde à vontade sincera do eleitor, livre de fraudes e manipulações.
           
Referências

BB/CM. Tribunal Superior Eleitoral. Justiça Eleitoral fará Teste Público de Segurança das urnas em novembro, 31 out. 2017.  Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2017/Outubro/justica-eleitoral-fara-teste-publico-de-seguranca-das-urnas-em-novembro>. Acesso em: 10 jun. 2018.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.543, Distrito Federal/DF, rel. Min. Carmen Lúcia, Diário de Justiça Eletrônico, 2 mar. 2012

BUCCI, Maria Paula Dallari. SIM. In: Imprimir voto na urna eletrônica pode provocar risco à confiabilidade do sistema eleitoral? Jornal do Advogado, ano XLIII, nº 436, mar. 2018.

CM/GA. Tribunal Superior Eleitoral. Plenário aprova resoluções sobre voto impresso e pesquisas eleitorais, 1º mar. 2018. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Marco/plenario-aprova-resolucoes-sobre-voto-impresso-e-pesquisas-eleitorais>. Acesso em: 10 jun. 2018.

D’AGOSTINO, Rosanne. TSE aprova verificação de voto impresso em parte das urnas nas eleições deste ano. G1 Globo, 1º mar. 2018.  Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/tse-aprova-verificacao-de-voto-impresso-em-parte-das-urnas-nas-eleicoes-deste-ano.ghtml>. Acesso em: 10 jun. 2018.

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