Leia artigo publicado
hoje no jornal Folha de S. Paulo:
TSE deve divulgar prestação de
contas das siglas
Mesmo
desmoralizados, os partidos são vitais para o futuro da nossa democracia --eles
fazem a seleção prévia de quem poderá nos representar e recebem dinheiro
público. É evidente que precisam prestar contas à sociedade.
A análise das prestações de contas anuais dos partidos ao TSE está muito
atrasada. Foram julgadas contas de 2012, e há uso reincidente de notas falsas,
contratação de empresas inexistentes e caso de partido que contratou a empresa
do próprio tesoureiro.
Isso não impediu que, em 2018, o volume de recursos públicos destinados às
legendas chegasse a quase R$ 3 bilhões, ficando mais difícil analisar
manualmente as contas. Os processos pendentes de julgamento já somam quase
1.200.000 páginas.
Para declarar o IR, usamos um formulário eletrônico, e isso facilita o trabalho
de quem declara e também de quem fiscaliza. Ao receber dados organizados, a
Receita consegue processar rapidamente mais de 28 milhões de declarações.
Em 2006, a Justiça Eleitoral tentou implementar um sistema eletrônico para prestação
das contas partidárias, mas houve forte resistência das siglas, e a inovação
acabou engavetada. Com isso, os partidos continuaram a enviar suas prestações
de contas no papel, muitas vezes usando categorias genéricas para justificar
gastos, como serviços técnicos ou manutenção da sede.
Recentemente, a Justiça Eleitoral passou a exigir que os partidos utilizem uma
ferramenta eletrônica para prestar contas e, no último dia 30 de abril,
encerrou-se o prazo para partidos lançarem na ferramenta seus dados contábeis
de 2017.
Esse é o primeiro passo para conferir efetiva transparência às suas contas.
Agora, é preciso que essas informações sejam abertas à população.
A Constituição inclui a transparência das informações de interesse coletivo
entre os direitos e garantias fundamentais. Estabelece ao poder público, ainda,
o dever de prestá-las, o que também é assegurado pela Lei de Acesso à
Informação Pública, que acaba de completar seis anos de vigência.
Como membro-fundador da coalizão internacional Open Government Partnership, o
Brasil assumiu o compromisso de manter publicadas e atualizadas todas as bases
de dados governamentais que não implicam riscos à segurança individual ou
coletiva.
Longe de significar interferência nas decisões "interna corporis" das
siglas, a abertura das contas dos partidos é precondição material de
participação política consciente e corolário da própria democracia, que os
partidos devem resguardar por expressa determinação constitucional.
Espera-se que o TSE publique nesta sexta (1º) as bases de dados com as
movimentações financeiras dos partidos em 2017. Diversas entidades têm
interesse nesses dados. Ao acessá-los, organizações da sociedade civil,
universidades, imprensa e cidadãos em geral poderão utilizar ferramentas
tecnológicas para rapidamente fazer cruzamentos e analisar as contas
partidárias, indicando à Justiça quando houver indícios de desvios de
finalidade, distorções ou mesmo ilegalidade no uso dos recursos recebidos pelos
partidos.
Os partidos são entes privados com responsabilidades públicas, especialmente a
da accountability (prestação de contas) —que se alimenta da luz solar, o melhor
de todos os desinfetantes, nas sábias palavras de Louis Brandeis (1856-1941).
Afinal, a lei é para todos.
* Marcelo Issa
Advogado e
cientista político, coordenador do Movimento Transparência Partidária
** Roberto
Livianu
Promotor de
Justiça em São Paulo, doutor em direito pela USP, idealizador e presidente do
Instituto Não Aceito Corrupção