Leia
entrevista publicada hoje no jornal O Estado de S.Paulo:
Ricardo
Galhardo, O Estado de S.Paulo
Luiz Carlos dos Santos critica regras que
disciplinam repasse do fundo eleitoral para os partidos
A
lei que criou o fundo eleitoral já para as eleições
2018 representa a maior distribuição de recursos públicos a um mesmo
segmento sem cautela nem restrições da história recente do Brasil. A opinião é
do procurador regional eleitoral de São Paulo, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves.
Segundo ele, o Ministério Público Federal não tem ferramentas para fiscalizar
as chamadas vaquinhas eleitorais durante a campanha e o WhatsApp será o
“valhacouto” para disseminação de mentiras.
Qual o impacto da criação do fundo
eleitoral nas eleições deste ano? Como fica, por exemplo, o repasse obrigatório
de 30% para candidatas mulheres?
Não me recordo de situação na história
recente do País na qual se deu tanto dinheiro a um determinado segmento
exigindo tão pouca coisa em troca. Não sou contrário ao pleito dos partidos,
mas causou espécie o repasse de R$ 1,7 bilhão com critérios de distribuição que
a própria direção partidária vai decidir. Isso é inédito. É muito poder nas
mãos das direções partidárias. E, no caso das mulheres, pode acontecer de o
partido escolher uma candidata e depositar todos os 30% só para ela.
Há falhas na lei?
Essa lei é muito peculiar. É muito dinheiro
público dado sem cautela e sem restrições.
Como o MP vai fiscalizar as vaquinhas eleitorais?
Há cerca de 40 empresas realizando este
procedimento de arrecadação. Algumas são tecnologicamente sofisticadas.
Soubemos de uma em que a pessoa tem de dar uma prova de vida para fazer doação.
O programa filma você dando tchauzinho. Outras empresas não têm este requinte.
Pode acontecer a doação transversal, em que o doador verdadeiro é um e quem
empresta o CPF para registrar a doação é outro. Há como fazer a verificação ao
final da eleição. Durante não tem. Mas essa foi uma boa inovação. Quanto mais o
eleitor financiar seu candidato, melhor.
Uma legislação mais rigorosa ajudaria a coibir distorções?
Eu me preocupo com o exagero de regramentos
da lei. Temos uma lei que chega ao ridículo de definir o tamanho do cartaz que
o cidadão pode botar na janela. Ela estabelece um sem número de disposições
para tentar controlar. Não sou favorável a este movimento, a essa redução no
tempo de campanha. Isso é uma coisa que ajuda só quem é conhecido. Parece que
são regras feitas só para reeleger as pessoas, não para eleger, porque um
candidato novo vai ter poucos dias para se fazer conhecer, divulgar seu
programa. Essa minúcia exuberante acaba escondendo os grandes abusos.
Como o MP vai coibir as fake news
nestas eleições?
Não existe um aparato. O candidato que se
sentir ofendido pode ir à Justiça Eleitoral pedir providências. Mas a gente tem
acompanhado este assunto. A avaliação que ouvi de especialistas é de que, mesmo
que montássemos um aparato enorme, não faríamos frente à quantidade, volume e
intensidade dessas publicações. É uma preocupação nossa, mas não temos uma
estrutura.
Há como impedir essa prática pelo WhatsApp?
Se você está em um grupo fechado, é muito
difícil identificar a proliferação dessas mentiras. Mesmo que você vá ao
Judiciário e peça uma ordem judicial, é muito difícil. O WhatsApp hoje é o
melhor valhacouto para fazer esse tipo de propagação mentirosa.
Alguns grupos como o Movimento Brasil Livre
(MBL) foram proibidos de pedir votos mesmo no período da campanha.
No caso do MBL, não posso me pronunciar
porque é objeto de processo na Procuradoria.
De forma geral?
As pessoas jurídicas no Brasil estão
proibidas não só de doar dinheiro em espécie, mas bens estimáveis em dinheiro
que podem ser em serviços, uma utilidade, um favor. Isso não é cerceamento
porque as pessoas físicas têm direito de opinião.
Existe alguma possibilidade de alguém que foi condenado por órgão
colegiado ser candidato?
Depende da condenação. Não é todo e
qualquer crime que gera inelegibilidade. Há um rol da Lei da Ficha Limpa. Se a
pessoa for condenada por um desses crimes e não tiver obtido a suspensão da
inelegibilidade, pode ficar inelegível. Mas existe uma cláusula na própria lei
que prevê a suspensão da inelegibilidade. Ou seja, neste momento é só
conjectura. Dizer em junho que alguém vai estar inelegível em agosto é um
exercício que a gente não faz.
É possível a Justiça decretar a inelegibilidade antes do registro da
candidatura?
Há uma única possibilidade. Se houver uma
Ação de Investigação Judicial Eleitoral, a pessoa pode ser condenada a ficar
inelegível em casos de abuso do poder econômico, político ou dos meios de
comunicação. Nas demais hipóteses, a inelegibilidade é sempre indireta. Se a
pessoa é condenada criminalmente, a sentença não pode mencionar a
inelegibilidade. Este exame vai ser feito no momento do registro da
candidatura. O resto é futurologia.