Leia matéria publicada hoje no
jornal Folha de S.Paulo:
Projeto prevê que juiz decida em
48 horas se notícia é verdadeira; opositores falam em censura
Diogo Bercito
MADRI
Legisladores franceses começaram a debater na quinta-feira (7) uma nova
legislação contra as notícias falsas, também conhecidas pelo jargão “fake
news”.
Incomodada, a oposição afirma que o governo quer censurar a imprensa.
Discussões semelhantes já existem em outros países europeus, como a Itália e a
Alemanha.
A medida foi proposta pelo presidente centrista Emmanuel Macron,
eleito no ano passado após campanhas de difamação e informações nunca
provadas de uma suposta conta dele no exterior. “Em instantes, mentiras
contra um político podem se espalhar pelo mundo em todas as línguas”, Macron disse quando
foi eleito.
Ele já havia sido criticado por proibir veículos russos, como o RT, de
cobrir a sua posse no Museu do Louvre em 2017. Macron afirmou —inclusive
diante do presidente russo, Vladimir Putin— que aqueles meios eram plataformas
de propaganda de Moscou.
Se a lei for de fato
aprovada, dará à Justiça a prerrogativa de bloquear notícias falsas nos três
meses que antecedem as eleições. Juízes terão um prazo de até 48
horas para determinar a veracidade das reportagens. É um poder
demasiado grande, dizem os críticos, a ser exercido durante um
período muito curto.
As
próximas eleições presidenciais francesas só devem ser celebradas em 2022, mas
a nova lei já pode ser testada no ano que vem durante o pleito legislativo para
formar o Parlamento Europeu.
Em
uma charge política, o jornal francês Le Monde se perguntou nesta
semana se a lei contra as “fake news” também poderia valer para os
programas eleitorais dos próprios candidatos.
O
debate legislativo foi iniciado na Assembleia Nacional, onde Macron tem a
maioria, mas precisa passar também pelo Senado. Ali, a maioria é dos
conservadores Republicanos. Não há estimativa de prazo para o trâmite.
A
senadora centrista Nathalie Goulet disse à Folha que quando
o texto chegar à sua Casa, ela irá votar pelo “não”. “Estamos preocupados com a
liberdade de imprensa.”
O
voto de Goulet é importante porque ela própria propôs no ano passado que o
Senado legislasse sobre as “fake news”. “Mudei de ideia depois de
conversar com jornalistas e entender melhor o problema”, conta.“Se você decidir
que uma notícia é falsa, precisa decidir também qual é a verdadeira, e isso é
um procedimento de tipo russo. Não é democrático.”
A
discussão de como combater campanhas de desinformação faz parte de um debate
mais amplo, vivido também em outras nações europeias. Não há consenso sobre
como estabelecer quais notícias são falsas.
Um
dos riscos é que, insatisfeitos com coberturas negativas, políticos poderão
dizer que são alvo de campanhas de “fake news” —como tem já
feito o presidente americano, Donald Trump.
O
fato de que a lei debatida na França pode ser implementada especificamente
antes de eleições é particularmente delicado. Afinal, foi durante a última
campanha eleitoral que surgiram na imprensa as denúncias de corrupção
contra o conservador François Fillon, então um favorito ao posto de presidente.
Sua candidatura ruiu naquele momento.
A candidata da
direita nacionalista, Marine Le Pen, que perdeu no segundo
turno contra Macron, tem liderado as críticas à nova lei. “A França
ainda será uma democracia, se silenciar os cidadãos?”, perguntou a líder da
Frente Nacional.
O
governo britânico já conta com um departamento específico para a análise de
notícias falsas, e a Itália criou um programa de alfabetização digital para
preparar as crianças à leitura crítica das notícias que circulam na internet.
A
Alemanha, por sua vez, tem desde janeiro uma lei que estipula multas de até R$
230 milhões para as redes sociais que circulem “fake news” e conteúdo
racista ou de teor terrorista —após duras críticas, o país considera
repensar a legislação.
Já
a Comissão Europeia (o braço Executivo da UE) formula agora uma cartilha sobre
esse tema pedindo a autorregulação da imprensa. Está descartado, por ora, criar
leis europeias contra o “fake news”.
Em
sua defesa, o governo francês diz que não tem a intenção de controlar a
imprensa, mas apenas de enfrentar a divulgação de inverdades por meio de contas
falsas em redes sociais como o Twitter ou o Facebook.
Isso
não deve convencer no entanto os deputados da oposição. Também em outros
âmbitos —como a reforma trabalhista— o presidente tem sido descrito como
demasiado autoritário. Ele próprio já se descreveu como uma espécie de Júpiter,
deus romano todo-poderoso.
Um
dos argumentos dos críticos é o de que a França já conta com uma lei para
combater o "fake news", com um texto de 1881 punindo a difusão de
informações falsas. Essa lei, porém, é raramente acionada.
Comentando
o texto em discussão no Parlamento, o jornal francês Le Monde foi bastante
crítico nesta semana, dizendo que os deputados “parecem ter deliberadamente
decidido fazer uma lei ineficaz”.
A
ideia de que um juiz terá de decidir em 48 horas se uma notícia é verdadeira ou
falsa, segundo o diário, significa que na prática a nova legislação não será
aplicada.
“O
maior problema de nossas sociedades não está tão relacionado às notícias
falsas, e sim ao fato de que um grande número de cidadãos decidiu acreditar
nelas”, afirma o editorial do Le Monde. É perigoso, segundo o jornal, “pensar
que uma lei simbólica será o suficiente para resolver essa grande crise de
nossas democracias.”