Diferentemente
do que ocorre nos Estados Unidos e na França, o voto no Brasil é obrigatório para
a maior parte do eleitorado – isto é, para os brasileiros alfabetizados
que têm entre 18 e 70 anos. Já para os analfabetos, para os que têm entre 16 e
18 e para os maiores de 70 anos o alistamento eleitoral e o voto são
facultativos.
O
Código Eleitoral comina sanções ao descumprimento do dever de votar: “O eleitor
que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até 30
(trinta) dias após a realização da eleição incorrerá na multa de 3 (três) a 10%
(dez por cento) sobre o salário mínimo[1]
da região, imposta pelo juiz eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367”
(art. 7º). A Lei nº 6.091/1974 ampliou para 60 dias o prazo para justificação
(arts. 7º e 16).
Além
da multa, o Código prevê outras sanções. Assim, sem a prova de que votou na
última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, o
eleitor fica impedido de inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função
pública, investir-se ou empossar-se neles; receber vencimentos, remuneração,
salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou paraestatal,
bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de
qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam
serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da
eleição; participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos
Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das
respectivas autarquias; obter empréstimos nas autarquias, sociedades de
economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e
caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito
mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas
entidades celebrar contratos; obter passaporte[2]
ou carteira de identidade; renovar matrícula em estabelecimento de ensino
oficial ou fiscalizado pelo governo; praticar qualquer ato para o qual se exija
quitação do serviço militar ou imposto de renda (art. 7º, § 1º).
O eleitor que não
votar em 3 eleições consecutivas, não
pagar a multa ou não se justificar no prazo de 6 meses, terá a inscrição eleitoral cancelada a
contar da data da última eleição a que deveria ter comparecido (art. 7º,
§ 3º).
Isto
posto, comecemos pelos argumentos favoráveis. O primeiro deles é que, embora a
obrigatoriedade do voto no Brasil seja mais simbólica do que real (pode-se com
facilidade justificar a ausência – até mesmo via internet, ou pagar uma multa
irrisória, ou ainda comparecer e anular o voto), o comparecimento no Brasil
hoje é alto, em comparação com os países onde o voto é facultativo. No primeiro
turno das eleições gerais de 2018, compareceram 79,67% dos eleitores aptos a
votar.
Em
segundo lugar, o estudo da política comparada indica que onde o voto é facultativo
os que deixam de votar são sobretudo os mais pobres e os jovens. A consequência
disso seria óbvia: as políticas públicas a serem implementadas pelos titulares
de mandato eletivo passariam a desconsiderar os interesses dessas fatias da
população.
Em
terceiro lugar, a eleição tem uma função pedagógica. A obrigatoriedade do voto
torna esse um momento de informação do eleitorado. De dois em dois anos,
devemos nos atualizar acerca dos assuntos que dizem respeito à nossa vida
coletiva e decidir por pessoas, ideias e projetos. Em países onde o voto não é
obrigatório, esse processo tenderia a se diluir e parcela importante dos
cidadãos passaria incólume pelo processo eleitoral. No Brasil, as eleições são
um evento cívico vivido por praticamente todos.
Além
disso, o fato de que votar é um direito não impede que seja, também, um dever,
e de importância fundamental, entre tantos outros impostos pela ordem jurídica,
como registro civil, vacinação, educação fundamental, alistamento militar, etc.
Por
fim, há quem advirta para o fato de que, com o voto facultativo, os candidatos
desonestos tentariam comprar o comparecimento às urnas.
Passemos
aos argumentos contrários. O principal argumento contrário à obrigatoriedade do
voto é que ela violaria o princípio da liberdade de expressão e negaria o
livre-arbítrio, ratificando a imaturidade do povo e constituindo indevida
tutela do cidadão. Seria então contraditório considerar o cidadão preparado
para escolher o dirigente máximo do país, mas não para decidir se vai ou não
comparecer à votação.
Em
segundo lugar, pesquisas indicam que a opinião pública é favorável ao voto
facultativo. Reforça essa impressão o fato de que, no segundo turno das eleições
de 2018, a soma dos votos nulos, em branco e abstenções chegou a 42,1 milhões, cerca
de um terço do total.
Em
terceiro lugar, argumenta-se que na grande maioria dos países desenvolvidos o
voto é facultativo. O voto seria obrigatório apenas em 31 países do mundo, de
um total de 236, sendo a maioria na América Latina. No rol das 15 maiores
economias do mundo, somente no Brasil o voto é obrigatório.
Por
fim, o voto dado por obrigação seria muitas vezes inconsciente e desprovido de
convicção, dado a qualquer candidato, apenas para cumprir o dever.
Referências:
CARVESAN, Luiz. Pelo direito de não votar.
Folha OnLine, 16 de setembro de
2006. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/luizcaversan/ult513u383432.shtml>.
Acesso em: 29 out. 2018.
DUQUE, Hélio. Voto facultativo: Democracia
Real. Alerta Total, 11 out. 2016.
Disponível em: <http://www.alertatotal.net/2016/10/voto-facultativo-democracia-real.html>.
Acesso em: 29 out. 2018.
FERES
JUNIOR, João; KERCHE, Fábio. Em defesa do voto obrigatório. Folha de S.Paulo, 21 de novembro de
2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/11/1374263-joao-feres-junior-e-fabio-kerche-em-defesa-do-voto-obrigatorio.shtml>.
Acesso em: 29 out. 2018.
GRANDIN, Felipe; OLIVEIRA, Leandro;
ESTEVES, Rodrigo. Percentual de voto nulo é o maior desde 1989; soma de
abstenções, nulos e brancos passa de 30%. G1,
28 de outubro de 2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-em-numeros/noticia/2018/10/28/percentual-de-voto-nulo-e-o-maior-desde-1989-soma-de-abstencoes-nulos-e-brancos-passa-de-30.ghtml>.
Acesso em: 29 out. 2018.
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 14 ed. São Paulo: Gen-Atlas, 2018, p. 647 e s.
RAMALHO, Renan. TSE conclui apuração do
primeiro turno; 79,6% dos eleitores foram às urnas. G1, 9 de outubro de
2018. Disponível em: <shttps://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/10/09/tse-conclui-apuracao-do-primeiro-turno-796-dos-eleitores-foram-as-urnas.ghtml>.
Acesso em: 29 out. 2018.
SCHWARTSMAN, Hélio. Direito na marra. Folha de S.Paulo, 10 jun. 2010.
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/748349-direito-na-marra.shtml>.
Acesso em: 29 out. 2018.
[1] As penalidades de
multa de que trata o Código Eleitoral devem ser aplicadas de acordo com a
Constituição Federal, que em seu art. 7º, IV, veda a vinculação do salário
mínimo para qualquer fim. Por essa razão, a Res. TSE nº 21.538/2003 determina
que a base de cálculo para aplicação
das multas previstas pelo Código Eleitoral e leis conexas será o último valor
fixado da Ufir (R$ 1,0641), multiplicado pelo fator 33,02, até que seja
aprovado novo índice, em conformidade com as regras de atualização dos débitos
para com a União (art. 85).
[2] A Lei nº 13.
165/2015 incluiu o § 4º no art. 7º prevendo que “O disposto no inciso V do § 1o não se aplica ao eleitor no exterior
que requeira novo passaporte para identificação e retorno ao Brasil”. Isso porque o eleitor que deixar de votar por
estar fora do Brasil pode justificar sua ausência em até 30 dias
contados da data do retorno ao Brasil (Res. TSE nº 21.538/2003, art. 80, § 1º).