segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Brasil: Argumentos favoráveis e contrários à obrigatoriedade do voto


Diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos e na França, o voto no Brasil é obrigatório para a maior parte do eleitorado – isto é, para os brasileiros alfabetizados que têm entre 18 e 70 anos. Já para os analfabetos, para os que têm entre 16 e 18 e para os maiores de 70 anos o alistamento eleitoral e o voto são facultativos.
O Código Eleitoral comina sanções ao descumprimento do dever de votar: “O eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até 30 (trinta) dias após a realização da eleição incorrerá na multa de 3 (três) a 10% (dez por cento) sobre o salário mínimo[1] da região, imposta pelo juiz eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367” (art. 7º). A Lei nº 6.091/1974 ampliou para 60 dias o prazo para justificação (arts. 7º e 16).
Além da multa, o Código prevê outras sanções. Assim, sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, o eleitor fica impedido de inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles; receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou paraestatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição; participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das respectivas autarquias; obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos; obter passaporte[2] ou carteira de identidade; renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo; praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda (art. 7º, § 1º).
O eleitor que não votar em 3  eleições consecutivas, não pagar a multa ou não se justificar no prazo de 6  meses, terá a inscrição eleitoral cancelada a contar da data da última eleição a que deveria ter comparecido (art. 7º, § 3º).
Isto posto, comecemos pelos argumentos favoráveis. O primeiro deles é que, embora a obrigatoriedade do voto no Brasil seja mais simbólica do que real (pode-se com facilidade justificar a ausência – até mesmo via internet, ou pagar uma multa irrisória, ou ainda comparecer e anular o voto), o comparecimento no Brasil hoje é alto, em comparação com os países onde o voto é facultativo. No primeiro turno das eleições gerais de 2018, compareceram 79,67% dos eleitores aptos a votar.
Em segundo lugar, o estudo da política comparada indica que onde o voto é facultativo os que deixam de votar são sobretudo os mais pobres e os jovens. A consequência disso seria óbvia: as políticas públicas a serem implementadas pelos titulares de mandato eletivo passariam a desconsiderar os interesses dessas fatias da população.
Em terceiro lugar, a eleição tem uma função pedagógica. A obrigatoriedade do voto torna esse um momento de informação do eleitorado. De dois em dois anos, devemos nos atualizar acerca dos assuntos que dizem respeito à nossa vida coletiva e decidir por pessoas, ideias e projetos. Em países onde o voto não é obrigatório, esse processo tenderia a se diluir e parcela importante dos cidadãos passaria incólume pelo processo eleitoral. No Brasil, as eleições são um evento cívico vivido por praticamente todos.
Além disso, o fato de que votar é um direito não impede que seja, também, um dever, e de importância fundamental, entre tantos outros impostos pela ordem jurídica, como registro civil, vacinação, educação fundamental, alistamento militar, etc.
Por fim, há quem advirta para o fato de que, com o voto facultativo, os candidatos desonestos tentariam comprar o comparecimento às urnas.
Passemos aos argumentos contrários. O principal argumento contrário à obrigatoriedade do voto é que ela violaria o princípio da liberdade de expressão e negaria o livre-arbítrio, ratificando a imaturidade do povo e constituindo indevida tutela do cidadão. Seria então contraditório considerar o cidadão preparado para escolher o dirigente máximo do país, mas não para decidir se vai ou não comparecer à votação.
Em segundo lugar, pesquisas indicam que a opinião pública é favorável ao voto facultativo. Reforça essa impressão o fato de que, no segundo turno das eleições de 2018, a soma dos votos nulos, em branco e abstenções chegou a 42,1 milhões, cerca de um terço do total.
Em terceiro lugar, argumenta-se que na grande maioria dos países desenvolvidos o voto é facultativo. O voto seria obrigatório apenas em 31 países do mundo, de um total de 236, sendo a maioria na América Latina. No rol das 15 maiores economias do mundo, somente no Brasil o voto é obrigatório.
Por fim, o voto dado por obrigação seria muitas vezes inconsciente e desprovido de convicção, dado a qualquer candidato, apenas para cumprir o dever.

Referências:

CARVESAN, Luiz. Pelo direito de não votar. Folha OnLine, 16 de setembro de 2006. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/luizcaversan/ult513u383432.shtml>. Acesso em: 29 out. 2018.

DUQUE, Hélio. Voto facultativo: Democracia Real. Alerta Total, 11 out. 2016. Disponível em: <http://www.alertatotal.net/2016/10/voto-facultativo-democracia-real.html>. Acesso em: 29 out. 2018.

FERES JUNIOR, João; KERCHE, Fábio. Em defesa do voto obrigatório. Folha de S.Paulo, 21 de novembro de 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/11/1374263-joao-feres-junior-e-fabio-kerche-em-defesa-do-voto-obrigatorio.shtml>. Acesso em: 29 out. 2018.

GRANDIN, Felipe; OLIVEIRA, Leandro; ESTEVES, Rodrigo. Percentual de voto nulo é o maior desde 1989; soma de abstenções, nulos e brancos passa de 30%. G1, 28 de outubro de 2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-em-numeros/noticia/2018/10/28/percentual-de-voto-nulo-e-o-maior-desde-1989-soma-de-abstencoes-nulos-e-brancos-passa-de-30.ghtml>. Acesso em: 29 out. 2018.

GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 14 ed. São Paulo: Gen-Atlas, 2018, p. 647 e s.

RAMALHO, Renan. TSE conclui apuração do primeiro turno; 79,6% dos eleitores foram às urnas. G1, 9 de outubro de 2018. Disponível em: <shttps://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/10/09/tse-conclui-apuracao-do-primeiro-turno-796-dos-eleitores-foram-as-urnas.ghtml>. Acesso em: 29 out. 2018.

SCHWARTSMAN, Hélio. Direito na marra. Folha de S.Paulo, 10 jun. 2010. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/748349-direito-na-marra.shtml>. Acesso em: 29 out. 2018.


[1] As penalidades de multa de que trata o Código Eleitoral devem ser aplicadas de acordo com a Constituição Federal, que em seu art. 7º, IV, veda a vinculação do salário mínimo para qualquer fim. Por essa razão, a Res. TSE nº 21.538/2003 determina que a base de cálculo para aplicação das multas previstas pelo Código Eleitoral e leis conexas será o último valor fixado da Ufir (R$ 1,0641), multiplicado pelo fator 33,02, até que seja aprovado novo índice, em conformidade com as regras de atualização dos débitos para com a União (art. 85).
[2] A Lei nº 13. 165/2015 incluiu o § 4º no art. 7º prevendo que “O disposto no inciso V do § 1o não se aplica ao eleitor no exterior que requeira novo passaporte para identificação e retorno ao Brasil”. Isso porque o eleitor que deixar de votar por estar fora do Brasil pode justificar sua ausência em até 30 dias contados da data do retorno ao Brasil (Res. TSE nº 21.538/2003, art. 80, § 1º).