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Tempo reduzido das campanhas atuará contra a renovação política, por Fernando
Neisser
Fernando
Neisser é Advogado, mestre e doutorando pela Faculdade de
Direito do Largo São Francisco (USP). Membro fundador da Academia Brasileira de
Direito Eleitoral e Político (ABRADEP) e do Instituto Paulista de Direito
Eleitoral (IPADE). Membro das Comissões de Direito Eleitoral e Penal da OAB/SP.
Diretor de Relações Institucionais do Instituto dos Advogados de São Paulo
(IASP).
Conta a
história que certa feita, ainda quando o Império Britânico dominava o
subcontinente indiano, houve uma infestação de cobras na região de Délhi. Para
se contrapor às pestilentas criaturas, os administradores acionaram uma
inventiva resposta: recompensar financeiramente quem lhes trouxesse cabeças das
víboras. De início, viu-se uma redução sensível no problema.
Paulatinamente,
contudo, o número de animais na região retornou aos números anteriores.
Intrigados, os bretões partiram a investigar, descobrindo que o incipiente
espírito empreendedor vicejava também entre os povos colonizados. Muitos
indianos estavam criando as serpentes em suas casas e, quando estas atingiam
tamanho razoável, matavam-nas para apresentar às autoridades.
Indignados
com tamanha deslealdade, imediatamente cancelaram o programa de recompensas.
Percebendo que seu estoque perdera o valor, nada restava a não ser soltar os
ofídeos. Esse é o Efeito Cobra, conhecido na economia como a tentativa de
solução de um problema, que o torna ainda mais grave por não se levar em conta
as possíveis consequências da medida adotada.
Situação
semelhante pode ocorrer e ocorre, com frequência, em outros ramos não econômicos
da atividade humana, tal qual na regulação das campanhas eleitorais.
A Lei nº
13.165/15, última minirreforma eleitoral, aprovada no ano passado, trouxe
mudanças substanciais para a propaganda eleitoral. Sob o argumento da
necessidade de redução dos custos das campanhas, diminuiu-se à metade o tempo
para divulgação das candidaturas. Retirou-se dez dias de horário eleitoral
gratuito em rádio e TV e proibiu-se, quase absolutamente, a propaganda de rua.
Mesmo em
imóveis privados, nas residências das pessoas, instituiu-se um limite de meio
metro quadrado para a exposição de um cartaz em apoio a estou ou aquele
candidato. Mal se permite que o cidadão possa afirmar, publicamente, sua
preferência eleitoral.
De outro
lado, a mesma lei flexibilizou a mais não poder a propaganda eleitoral
antecipada. Com a nova redação, apenas o explícito pedido de votos, feito antes
de 15 de agosto do ano das eleições, é que acarretará a punição do
pré-candidato.
A combinação
destas duas grandes alterações, que à primeira vista se justificariam pela
economia de recursos e em prol da liberdade de expressão, respectivamente, pode
trazer consequências graves para nossa Democracia. A questão pode ser mais bem
compreendida com dois exemplos que vêm do mundo comercial: cigarros e cervejas.
Há hoje um
consenso em prol do banimento da publicidade dos cigarros. Pesquisas demonstram
que milhões de potenciais usuários deixam de iniciar o consumo sem a propaganda
para lhes atrair. O que se ignora é que, de certo modo, o banimento beneficia
as marcas já consolidadas no mercado.
O motivo é
simples. Quem fez propaganda quando ela era permitida, continua sendo
conhecido. Basta lembrar o caubói do Marlboro, o Free Jazz Festival ou as
maravilhosas peças publicitárias do Hollywood com pranchas de windsurfe
saltando as ondas.
Uma empresa
que queira entrar no setor, contudo, encontra as portas fechadas. Não há forma
de se fazer conhecida pelos potenciais consumidores, mesmo aqueles que já são
fumantes de outras marcas. Ainda que no longo prazo a restrição reduza o
mercado, é indiscutível que para os interesses imediatos da indústria não há do
que reclamar: novos concorrentes simplesmente não existem.
No caso da
cerveja o problema é o exato oposto: o excesso de publicidade. A AMBEV gastou,
em 2014, R$ 1.8 bilhão de reais no Brasil, segundo pesquisa do IBOPE. Esse
gasto passa longe de ser racional economicamente, sob um ponto de vista
tradicional. Dito de outro modo, não há ganho marginal positivo, pois cada real
gasto não repercutiu proporcionalmente no aumento do consumo ou em evitar sua
queda.
Não há, como
se sabe, qualquer concorrente de peso, apto a disputar o mercado cativo da
AMBEV, com sua onipresente rede de distribuição. Gastar mais de dez por cento
de seu lucro em uma publicidade praticamente inútil serve, contudo, para erigir
uma barreira artificial à entrada de novos concorrentes.
O conceito
de barreira à entrada, oriundo da economia, representa o custo que um novo
empreendedor precisa fazer para entrar em um mercado. Para produzir aviões de
grande porte, é necessário dispor de uma fábrica compatível, know-how, etc., o
que implica um custo mínimo alto. Se a pretensão é produzir cerveja, por outro
lado, em tese só seria necessária uma linha de produção, uma boa receita e
fornecedores de insumos.
Aqui entra a
despesa descomunal com publicidade da líder do mercado. Para competir com ela,
não basta ter uma fábrica, rede de distribuição e um bom produto. É necessário,
ainda, gastar bilhões de reais todo ano para se fazer ouvir e conhecer pelos
consumidores. É um investimento que, de antemão, tira do mercado diversos
players que poderiam ter interesse em participar.
Volta-se
assim à propaganda eleitoral, onde há um cenário similar aos exemplos trazidos.
Um cidadão
que pretenda ingressar na atividade política, colocando seu nome à disposição
da coletividade, encontrará hoje as portas hermeticamente fechadas. Com menos
tempo e meios para se fazer conhecido, ele precisará torcer para cair nas
graças da cúpula partidária. Só assim é que poderá, ao menos, dispor de parte
do horário eleitoral gratuito.
Caso seja um
outsider da hierarquia partidária, suas chances residem em já ser conhecido
pelo público por outros motivos. Radialistas, ministros religiosos,
celebridades de toda sorte; estes sim poderão enfrentar uma eleição sem a
possibilidade de aumentar sua taxa de conhecimento.
Estes e
aqueles que já detêm cargos eletivos, aos quais a ciência política chama de
incumbentes. Aos dois grupos, incumbentes e celebridades, é possível obter
atenção da mídia – e consequentemente da sociedade – fora do período eleitoral.
Para eles a flexibilização das regras da pré-campanha traz valiosa vantagem.
A regulação
da campanha eleitoral deve passar, deste modo, por uma análise do conflito
entre incumbentes e entrantes, estes últimos representados por aquele cidadão
mencionado três parágrafos acima.
A mudança
legislativa teve um forte viés pró-incumbentes. Ao reduzir o tempo total de
propaganda a um mês e meio e a de rádio e TV a pouco mais de um mês, além de
limitar bruscamente os tipos de publicidade à disposição de candidatos, quis-se
sair de um modelo “cerveja”, para outro “cigarro”, sem passar pelo meio termo.
Ambos
beneficiam os incumbentes, ou seja, os que estão no mercado. Ambos alijam os
concorrentes. E, enquanto isso, a opinião pública aplaude, achando que
campanhas mais baratas são um bem em si, mesmo que sepultem a possibilidade de
alternância no poder.