Leia artigo publicado ontem no
jornal Folha de S.Paulo :
Apesar de avanços, TSE ainda tem
longo caminho para melhorar qualidade de dados
Uma
casa simples na Vila Alpina (zona leste de São Paulo) está avaliada em R$ 850
milhões, segundo a declaração de bens de um candidato a deputado federal.
Obviamente, trata-se de um erro de digitação, que colocou três zeros a mais no
valor do bem, mas ele diz muito sobre a atuação do TSE (Tribunal Superior
Eleitoral).
É
bom começar reconhecendo que já avançamos muito em relação à transparência
nas eleições brasileiras. Num levantamento realizado com 180 países, o
Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral
(International IDEA, segundo a sigla em inglês) atesta que pertencemos ao
seleto grupo de 33 nações que obrigam todos os partidos e candidatos a tornarem
públicas suas informações financeiras, inclusive quanto aos doadores de
campanha.
Isso,
porém, não é suficiente. De nada adianta coletar as informações se forem de
difícil acesso ou, pior ainda, não pudermos confiar nelas.
O
sistema de divulgação de dados eleitorais do TSE, o DivulgaCandContas,
consolida, numa mesma página, todas as informações sobre cada um dos
candidatos. No entanto, ele é pouquíssimo acessado pelos cidadãos: além de ter
um nome complicado, está escondido na página oficial do TSE e tem uma navegação
muito pouco amigável, dificultando a comparação dos candidatos. Um passo
importante seria divulgá-lo melhor, além de criar tutoriais ensinando cidadãos
a pesquisar os dados no site.
Mais
grave do que “esconder” os dados dos eleitores é não garantir a sua
confiabilidade, e nesse ponto o TSE também tem muito a melhorar.
Um
grave problema é a subdeclaração: 41,3% dos candidatos ainda não apresentaram
sua declaração de bens —e muitos deles certamente nunca o farão, já
que a chance de punição é baixíssima.
Entre
aqueles que apresentam suas declarações, também não temos garantia de que eles
não omitiram parte do seu patrimônio. Isso acontece por culpa do próprio TSE,
que numa decisão absurda (acórdão nº 19.974/2002) passou a entender que a
exigência legal de apresentar a lista de bens para registrar a candidatura não
tem nada a ver com a declaração anual de Imposto de Renda.
A
partir de então, o TSE passou a exigir dos candidatos apenas o
preenchimento de formulário patrimonial, abrindo margem para toda sorte de
problemas: erros de digitação (que fazem com que casas simples valham milhões),
bens declarados com valores simbólicos (Henrique Meirelles, por exemplo, diz
possuir um terreno avaliado em R$ 1), classificação errada de bens (aviões
apresentados como imóveis), dados incompletos (marca e modelo de automóveis,
área de fazendas e apartamentos etc.) e, claro, a omissão deliberada de
patrimônio.
Muitos
desses problemas poderiam ser resolvidos se o TSE decidisse firmar um convênio
com a Receita Federal e acessar diretamente a base de dados das
declarações de imposto dos candidatos.
Nessa
mesma linha da cooperação institucional, teríamos um ganho imenso no controle
social de nossa classe política se o TSE coordenasse suas ações com as Juntas
Comerciais, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a própria Receita e,
juntos, criassem um sistema que permitisse ao cidadão consultar, por meio do
CPF, a lista completa de empresas das quais os candidatos e seus doadores são
acionistas ou dirigentes.
É
preciso lembrar que, com o fim das doações de empresas, doadores e candidatos
milionários passaram a ser os protagonistas do mercado eleitoral, e um sistema
como esse poderia reforçar as armas da imprensa e da sociedade geral em
investigar os vínculos entre grandes empresários e políticos.
A
Organização para o Desenvolvimento e a Cooperação Econômica (OCDE) considera
que divulgar informações fidedignas sobre o patrimônio das autoridades públicas
é um instrumento fundamental para prevenir a corrupção.
A
transparência atua em três frentes: 1) permite o monitoramento da evolução
patrimonial dos políticos ao longo do exercício de seus mandatos; 2) deixa
claros conflitos de interesses que possam surgir no desempenho de suas funções;
e 3) aumenta a confiança da população nas autoridades públicas, que não teriam
nada a esconder em termos de sua riqueza.
A
despeito de todos os avanços nos últimos anos, o TSE precisa encarar seu dever
de coletar e divulgar os dados eleitorais de forma menos burocrática e
protocolar. A qualidade e a praticidade do acesso são fundamentais para
alcançarmos o real objetivo da transparência: fazer com que os cidadãos
conheçam e fiscalizem os políticos.
*Bruno
Carazza é doutor em
direito (UFMG), mestre em economia (UnB) e autor do livro "Dinheiro,
Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro"
(Companhia das Letras) e do blog O E$pírito das Leis