Leia
matéria publicada na Revista Consultor Jurídico em 12.09.18:
Por
Mariana Oliveira
O ministro Luís Roberto Barroso, no voto
que indeferiu o pedido de registro de candidatura de Lula no Tribunal Superior
Eleitoral, afirmou que o ex-presidente não poderia ser considerado
candidato sub judice –
ou seja, continuar na corrida eleitoral até que esgote todos os recursos
possíveis na Justiça Eleitoral – porque o TSE vinha restringindo esse conceito
ao longo dos últimos anos.
Para o relator, essa mudança no entendimento da legislação
brasileira – uma vez que o artigo 16-A da Lei Eleitoral (9.504/97) permite que
o candidato que ainda não teve seu registro indeferido em última instância
efetue “todos os atos relativos à campanha eleitoral” – foi reforçada depois da
Lei da Ficha Limpa, editada em 2010 para reformar a Lei das Inelegibilidades.
A Lei Complementar 135 diz que não podem ser eleitos os
candidatos que tiverem sido condenados “em decisão transitada em julgado ou
proferida por órgão judicial colegiado”. No caso de Lula, por exemplo, a
condenação proferida em 2ª instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª
Região trouxe a condição de inelegível utilizada para negar seu registro de
candidatura e afastar a incidência do 16-A.
Antes, porém, os candidatos poderiam pedir a suspensão de sua
inelegibilidade sustentando que sua condenação poderia ser reformada. Agora,
disse o ministro, como a LC 135 dispensa a necessidade de todos os recursos
estarem esgotados, “a exequibilidade da decisão no âmbito de processos de
registro de candidatura ou de ações de investigação eleitoral deve ser
imediata”.
Mas o novo entendimento de Barroso, utilizado em instância
superior, começou a ser aplicado em tribunais regionais eleitorais, onde os
políticos, em tese, ainda deveriam ter chances de apelar às cortes maiores. Na
corte regional do Distrito Federal, a aplicação do novo precedente proibiu um
candidato com o registro negado pelo Plenário de fazer campanha sob pena de
multa diária de R$ 50 mil.
Em Rondônia foram pelo menos três
candidaturas indeferidas após a aplicação do entendimento do TSE nos
julgamentos dos registros. Uma das negativas chegou a ser revertida na noite
desta terça-feira (12/9), porque o ministro Jorge Mussi entendeu que
somente o TSE pode proibir candidatos sub
judice de fazer campanha.
"No caso do TSE tem fundamento
porque é a última instância eleitoral", comenta Karina Kufa,
advogada, coordenadora da pós-graduação em Direito Eleitoral da Faculdade
IDP-SP e membro do Ibrade. "Já os TREs e as zonas não
podem adotar o mesmo entendimento do ministro Barroso e afastar a
aplicação do 16-A, já que cabe recurso e o índice de reversão pelo TSE é
relativamente alto. O recurso extraordinário no TSE não tem efeito suspensivo e
cabe apenas em alguns casos, quando há lesão à constituição", completou.
É a mesma preocupação levantada pelo
advogado e ex-ministro do TSE Marcelo
Ribeiro. Para o magistrado, o efeito da repercussão nos tribunais
regionais e nos juízes — que podem tirar da disputa eleitoral
candidatos com quadros possivelmente reversíveis nas instâncias
superiores — levaria esses cidadãos a perderem o tempo da campanha
eleitoral e saírem efetivamente da disputa. "Se você tira o sujeito da
campanha agora faltando um mês da eleição e ele não consegue voltar, ele está
eliminado", pondera.
Ribeiro reconhece que havia dificuldade na posição do TSE
em relação a Lula por se tratar da disputa à presidência. "Eu acho que
deveriam ter deixado claro que aquele precedente só vale para o presidente da
República dadas as peculiaridades do cargo", destacou o ex-ministro.
O advogado eleitoralista do
Amazonas Yuri
Barroso faz uma ponderação parecida. Ele sustenta
que, apesar das possibilidades de recurso, o acórdão do TSE ganhou ares de
definitividade porque "fez-se um esforço argumentativo pra dizer que,
como se trata de registro de presidente, o caso é julgado em instância
única".
Entre o posicionamento do advogado Daniel Falcão de
que foi acertado o voto do Barroso no sentido de tirar a condição de candidato
de um político condenado em segunda instância fazendo com que, para manter sua
candidatura, ele tenha que "conseguir efeito suspensivo em seu
recurso" e o entendimento da advogada Juliana Freitas, do Pará, que defende
ser violação do devido processo legal "a antecipação do cerceamento do
exercício" da candidatura, estão os argumento de Michel Saliba.
Eleitoralista há 26 anos, o advogado que foi um dos fundadores
da Academia Brasileira de Direito Político e Eleitoral (Abradep), afirma que o
problema do 16-A é estrutural. Aplicando o artigo de forma literal, uma vez que
ele está em vigor, ou deixando de aplicá-lo com base no precedente do ministro
Barroso, nós enfrentaremos a mesma questão em 2020, durante as
eleições municipais, sustenta Saliba.
"Nós temos os registros de
candidaturas aferidos no curso da campanha política, e aí está a grande
deturpação no sistema eleitoral brasileiro", ressalta o advogado.
"Nós teríamos que ter um registro avaliado com três meses de antecedência
do início da campanha eleitoral, para não corrermos o risco de ter um
candidato sub
judice disputando eleição", defende.