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publicada no informativo Migalhas de hoje :
O ministro
Edson Fachin, relator da ação penal que tem como réu o deputado Federal Federal Nelson Meurer, votou na tarde desta terça-feira, 22, sobre a acusação do MPF de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no âmbito do esquema desvendado na Lava Jato. Também proferiu voto o revisor da ação, ministro Celso de Mello.
Para Fachin, as peculiaridades do presidencialismo
de coalizão que vigora no Brasil permitem afastar a tese doutrinária segundo a
qual o crime de corrupção passiva exige que a ação do funcionário corrupto seja
inequívoca.
"Essa dinâmica em si não é, nem poderia ser, espúria. Todavia,
quando o parlamentar usa de seu poder para indicar alguém a determinado cargo
ou lhe dar sustentação política para nele permanecer e o exerce de forma
desviada para percepção de vantagens indevidas há evidentemente um
mercadejamento da função parlamentar. Um parlamentar, em tese, ao receber
dinheiro em troca ou razão de apoio político a um diretor de empresa estatal,
estará mercadejando uma de suas principais funções que é o exercício da
fiscalização da lisura dos atos executivos."
O
relator anotou no voto que a Constituição dotou o Congresso de
poderes próprios de autoridade judicial, como por exemplo, na formação de
CPMIs. Por isso, entende, a percepção de vantagens indevidas oriundas de
desvios perpetrados no âmbito de entidade de Administração indireta implica um
evidente ato omissivo no que diz respeito ao exercício dessas funções
parlamentares.
"Por isso viável a configuração do crime de corrupção passiva
quando a vantagem é em troca da manifestação da força política que o
parlamentar detém para condução ou sustentação de determinado agente em cargo
que demanda tal apoio."
Liderança
O ministro Fachin asseverou que o deputado Nelson
Meurer tinha papel de liderança no PP, ao contrário do que arguido pela defesa,
principalmente após o falecimento de José Janene, em 2010.
"Sendo certo que a indicação para a diretoria competia ao PP, que o
fazia pelos seus líderes, constato a viabilidade concreta de evidenciar a
sustentação política em favor de Paulo Roberto Costa e assim se caracteriza ato
de ofício inerente às atividades parlamentares exercidas pelo acusado."
Segundo Fachin, não se trata de criminalizar a
atividade político-partidária, mas sim de responsabilizar nos limites da lei os
atos que transbordam esse exercício legítimo da representação popular.
"O mandato eletivo é exercido de forma concomitante à própria
atividade partidária. É um meio necessário à investidura dos representantes do
povo. O conjunto probatório revela que o caso concreto retrata, em parte dos
fatos denunciados, uma atuação desviada do deputado Federal Nelson Meurer no
exercício de sua atividade parlamentar-partidária."
Desvio
de função
O ministro Fachin concluiu que dos 161 contratos da
Petrobras e, portanto, 161 atos de corrupção passiva apontados, o MPF não
produziu conjunto probatório suficiente para confirmar a adesão subjetiva do
deputado em todos os contratos.
"A denúncia atribuiu hipertrofiadamente a participação de Meurer em
todos os contratos no período em que Paulo Roberto Costa estaria à frente da
diretoria de Abastecimento."
Apesar disso, entendeu que era "robusto o
quadro probatório" no tocante à imputação de recebimento de valores
ordinários e periódicos indevidos, em algumas oportunidades, com o auxílio de
seus filhos, corréus na ação penal.
Edson Fachin citou a existência de dados de
companhias aéreas, registros de hotéis, quebra de sigilo bancário e outros que
corroboram as delações premiadas que apontaram o recebimento de vantagens
oriundas de propina.
"O
conjunto probatório é apto a corroborar as afirmações feitas pelos
colaboradores no sentido de que as entregas ordinárias de dinheiro a Nelson
Meurer ocorriam em Curitiba."
Doação
eleitoral simulada
No que diz respeito à doação eleitoral da Queiroz
Galvão em favor da campanha de Nelson Meurer em 2010, o ministro Fachin afirmou
que no caso da corrupção passiva não se exige que a vantagem seja de cunho
exclusivamente patrimonial, embora seja a forma mais comum de adimplemento. E
afastou a assertiva defensiva no sentido de que doação eleitoral, porque
declarada à Justiça especializada, não seria meio apto para configuração do
delito de corrupção passiva.
"As
normas que regulam as fiscalizações de campanha não cuidam dos motivos que
ensejaram a doação de recurso a determinado candidato.
A
doação eleitoral se não realizada com o propósito de apoiar os ideais
propagados pelo candidato/partido, travestindo-se de vantagem indevida, passa a
ser qualificada como liberalidade indevida, viciada por simulação que a
nulifica."
Para Fachin, a doação eleitoral da Queiroz Galvão
em favor da campanha de Nelson Meurer em 2010 foi um negócio jurídico simulado,
para encobrir a finalidade de transferência de recurso, que não era outro senão
adimplir a vantagem indevida para viabilizar a manutenção do cartel de
empreiteiras no âmbito da Petrobras.
"A
doação eleitoral foi utilizada como estratégia para camuflar a real intenção
das partes, que não era outra senão pagar a vantagem indevida em decorrência da
manutenção do esquema das empresas carteirizadas na Petrobras."
Lavagem
de dinheiro
Apesar de ter afastado algumas imputações do MPF no
que tange ao crime de lavagem de dinheiro, o relator da AP entendeu configurada
a prática delituosa nos atos de recebimentos ordinários e fracionados pelo
deputado Nelson Meurer.
"Dentre
as mais variadas modalidades de ocultação, o depósito fracionado da quantia em
conta corrente, em valores que não atingem limites estabelecidos pelas
autoridades, é meio apto para configuração do crime."
Conforme o ministro Fachin, o denunciado nas declarações
do IR em 2011 e 2012 informou ser proprietário de 103.500 cotas de sociedade
empresária, ao passo que no ano seguinte declarou 848 mil cotas, atribuindo a
cada uma o valor de R$ 1.
"O
próprio denunciado confessa que tal sociedade empresaria já não se encontrava
mais em atividade, circunstância que revela que sua liquidação foi utilizada
para omitir recursos obtidos de forma espúria."
Para Fachin, a movimentação financeira de Nelson
Meurer foi incompatível com sua renda, o que revela a "formação dolosa de
patrimônio".
Assim, o ministro concluiu afirmando que, em sua
avalição, o conjunto probatório confirma que em ao menos 30 oportunidades o
deputado recebeu vantagem indevida para manter Paulo Roberto Costa na diretoria
de Abastecimento da Petrobras; de forma extraordinária também recebeu como
contraprestação da Queiroz Galvão doação eleitoral simulada; que parte dos
recursos recebidos de forma ordinária foi submetida a procedimento de
branqueamento consubstanciada em depósito fracionado; e que a doação eleitoral
da empreiteira teve a aptidão de dissimular sua origem, o que tipifica a
lavagem de capitais; de modo que julgou parcialmente procedente a denúncia.
Voto
do revisor
O ministro Celso de Mello, revisor da ação penal,
embora tenha ressaltado que fez um voto de 120 laudas, ainda sem versão final -
já que fez acréscimos enquanto Fachin proferia o dele -, o decano discursou
sobre a corrupção no país.
"Essas
práticas delituosas enfraquecem as instituições. O que vejo são políticos que
desconhecem a República, que ultrajaram as instituições, que atraídos por uma
perversa vocação para o controle vilipendioso do Poder, desonraram a ideia que
anima o espírito republicano pulsante no texto de nossa Constituição.
Não se
está a incriminar a atividade política, mas a punir aqueles políticos que não
se mostraram capazes de exerce-la com honestidade, integridade e elevado
interesse público, preferindo ao contrario transgredir as leis penais de nosso
país.
Estamos
a julgar não atores políticos, mas sim protagonistas de sórdidas tramas
criminosas. Processam-se não atores, não dirigentes políticos ou partidários,
mas sim autores de crimes."
O decano concluiu que a "a densidade e a
robustez das múltiplas fontes independentes de provas" conferem substância
aos dados informativos produzidos pelo MPF e afastam o discurso defensivo.
"Os
sólidos elementos de corroboração apresentados validam indiscutivelmente as
declarações prestadas por inúmeros colaboradores. O réu [deputado Nelson
Meurer] recebeu em pagamento pelo comércio indigno e criminoso de sua função
pública verbas ilícitas oriundas do vergonhoso esquema instaurado na Petrobras
em pelo menos 30 oportunidades."
Quanto ao tema da doação eleitoral oficial feita
pela Queiroz Galvão ao parlamentar, Celso de Mello concordou com o relator de
que esta foi "instrumento para dissimular a origem espúria e
criminosa" da vantagem ilícita recebida para manter Costa na Petrobras e
perpetuar o cartel das empreiteiras na estatal.
"O
recebimento de vantagem indevida por meio de doação eleitoral pode configurar
sim além do delito de corrupção passiva também o delito de lavagem de dinheiro.
Esse comportamento mais do que ousado constitui gesto de indizível atrevimento
e gravíssima ofensa à legislação penal da república, na medida em que os
agentes valem-se do próprio aparelho do Estado, por meio da Justiça eleitoral,
via prestação de contas, para conferir aparência de legitimidade a recursos
manchados em sua origem pela nota da delituosidade."
O
ministro Celso afirmou que, apesar da forma ser legal, seu conteúdo não o é:
"Não se trata de doação, mas de propina disfarçada. O modo de
recebimento da vantagem indevida pode, além de configurar o delito de corrupção
passiva, configurar o crime de lavagem de capitais."
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Processo: AP
996