Leia
artigos publicados ontem na seção Tendências/Debates do jornal Folha de
S.Paulo:
SIM
RENOVAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL, por Rodrigo Mezzomo
As candidaturas independentes, também chamadas de avulsas, são
aquelas nas quais os candidatos concorrem a cargos eletivos sem estarem
filiados a partidos. Segundo levantamento realizado pelo projeto
intergovernamental ACE, 9 em cada 10 países as admitem.
A título de exemplo, o presidente da França, Emmanuel Macron, foi
eleito de modo independente, assim como os presidentes da Áustria e da
Islândia, os prefeitos de Tóquio (Japão), Bogotá (Colômbia) e Valparaíso
(Chile) e incontáveis parlamentares mundo afora.
No exótico grupo dos poucos que proíbem essa modalidade de
candidatura figuram Tanzânia, Guiné, Suriname, Uzbequistão, Camboja, Angola e o
Brasil. Estamos do lado errado da história.
Dito isso, surge a inevitável pergunta: se 90% dos países as permitem, por que
as proibimos?
A resposta é simples. As candidaturas independentes representam
grave ameaça aos "coronéis" dos partidos, que detêm o poder, quase
que divino, de indicar quem será candidato. Quando são liberadas, implodem as
tradicionais estruturas de poder, vez que qualquer pessoa pode livremente
disputar uma eleição, sem precisar suplicar permissão.
Caciques e clãs políticos perdem força, pois deixa de existir o
"beija mão" e a venda de vagas para as eleições. As candidaturas
independentes representam a alforria da escravidão a que são submetidos os
brasileiros pelas agremiações. Em síntese, é o fim da ditadura partidária.
Ademais, tais candidaturas geram concorrência e forçam a
democratização do sistema -as siglas passam a ter de ouvir as bases e a
realizar prévias, sob pena de se esvaziarem. Com efeito, resta claro que não há
interesse dos chefes tribais nas candidaturas avulsas.
Indignado com isso, em 2016 iniciei a luta por liberdade e
cidadania, requerendo à Justiça Eleitoral o registro de minha candidatura à
Prefeitura do Rio, o que foi negado. Atualmente o caso se encontra no STF, com
o ministro Luiz Fux. Se necessário for, irei à corte interamericana buscar esse
direito, que não é só meu, mas de todos os brasileiros.
Feita essa breve digressão, há uma segunda pergunta a ser
enfrentada. Qual a base jurídica para a aprovação das candidaturas avulsas no
Brasil?
A exigência de filiação como condição de elegibilidade impede o
livre exercício dos direitos políticos, o que agride a cidadania, a dignidade
da pessoa humana e o pluralismo político, fundamentos da República (art. 1º da
Constituição Federal). O cidadão não pode ficar de joelhos perante os partidos,
os quais, ressalte-se, são instituições privadas.
Não é só: a Constituição prevê que ninguém poderá ser compelido a
associar-se. Portanto, nenhuma pessoa pode ser forçada a se filiar para exercer
seus direitos políticos.
Menciono, ainda, que a interpretação da lei deve ser lógica e
razoável, pois "quem pode o mais, pode o menos". Assim, se é permitido
a um político exercer seu mandato sem partido, é decorrência natural que também
possa se candidatar sem partido.
Além disso, proibir tais candidaturas afronta o Pacto de São José
da Costa Rica e a Convenção de Viena, tratados internacionais dos quais o
Brasil é membro.
A Corte Interamericana firmou precedente ao condenar a Nicarágua a
alterar sua legislação, de modo a incluir a participação dos candidatos
avulsos.
Por tudo isso, afirmo: a candidatura independente é a mãe de todas
as reformas e o caminho para a renovação da vida política nacional.
RODRIGO MEZZOMO, advogado, mestre em direito pela Universidade Mackenzie, é
professor de direito empresarial e processo civil na mesma instituição.
NÃO
EM DEFESA DA DEMOCRACIA DE PARTIDOS, por Maria Rita Loureiro
As eleições são fundamentais, mas não bastam para construir uma
democracia. É necessário ter partidos.
Se eles estão sujeitos à corrupção, ao poder econômico, à
oligarquização interna e a outras práticas nocivas conhecidas no Brasil e fora
daqui, há que se lutar para combatê-las, mas não destruir os partidos.
Candidatura independente não é a solução para os males atuais, por duas razões.
Primeiro, os candidatos avulsos não estão imunes aos problemas das
agremiações, sendo até mesmo mais vulneráveis.
Segundo, essa regra produz efeitos perversos à democracia. Leva à
personalização da política, com a suposição de que o "bom governo"
depende de atributos de homens superiores, capazes de iluminar e conduzir a
nação. Nada mais ilusório.
Não se trata de desqualificar as justas expectativas de bons
governantes, mas sim de enfatizar que respeito às leis, responsabilidade pelas
decisões e habilidade de se cercar de técnicos competentes são requisitos
básicos de um político em uma democracia.
Mas não suficientes. O que está em jogo é um projeto de país.
Embora "partido" indique parte de um todo, ele se
constitui pela agregação de ideologias ou interesses comuns. É força coletiva a
disputar o poder para realizar projetos de governo, que recaem sobre todos.
Além de representar diferentes grupos, o partido tem também a
função de dar direção política para a nação quando se torna governo. Nesse
sentido, pode-se afirmar só haver democracia efetiva se houver partidos.
Assim, a personalização da política, reforçando o enfraquecimento das siglas e
desfavorecendo o desenvolvimento de suas potencialidades democráticas, gera
efeito perigoso.
Aliás, não é coincidência que a bandeira do governo de indivíduos
virtuosos, sempre associada ao desprezo pelos partidos, desemboca em
autoritarismo, como visto em vários momentos da história brasileira, e até em
despotismo, como revelam os exemplos da Itália fascista e da Alemanha nazista.
Nunca é demais relembrar que o tenentista no Brasil dos anos 1920,
a despeito da crítica às mazelas da República oligárquica, teve como base uma
forte ideologia antipartidária, o que ajudou a construir o clima político do
golpe do Estado Novo.
A ditadura militar buscou se legitimar por lógica não partidária,
apelando à competência de notáveis em matéria econômica.
Apesar das lições que a história oferece, presenciamos a volta da
aversão à política, amplificada pelos escândalos. Esse cenário torna ainda mais
difícil a defesa das siglas, pois precisam enfrentar a crise de representação
nas sociedades contemporâneas.
Se o desafio de fortalecer os partidos, e com eles a democracia, é
enorme, isso não pode nos fazer perder de vista a ideia de que a realidade dos
fatos não destrói um princípio.
Não se pode, por causa de dilemas reais, desqualificar as siglas,
destruindo sua potencialidade para organizar a luta democrática.
Assim, o cerne da questão não é substituir partidos por pessoas
-ou mesmo instituições representativas por supostas práticas de democracia
direta.
Trata-se, sim, de refundar as legendas para que tenham futuro e
contribuam com a imperiosa necessidade de aprofundar a democracia.
No Brasil de hoje, isso significa realizar reformas dos sistemas
eleitoral e partidário e das regras de financiamento. Significa igualmente
cumprir a difícil tarefa de democratizar os partidos, intensificando a
participação de seus membros e o debate com o eleitorado.
Isso para arrostar, de um lado, a nova realidade trazida pela
chamada democracia de audiência, nucleada por líderes que têm mais performances
midiáticas do que projetos para o país, e, de outro, os desafios provocados
pela amplificação das redes sociais.
MARIA RITA LOUREIRO, doutora em sociologia pela USP, é
professora de ciência política da Fundação Getulio Vargas de São Paulo.