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Migalhas em 09.11.2017:
Por maioria, o tribunal entende que não houve abuso de poder econômico,
muito menos ilicitude na prestação de contas.
Por maioria, o
TSE decidiu, em julgamento concluído nesta sexta-feira, 9, que não cassará a
chapa Dilma-Temer por abuso de poder político e/ou econômico nas eleições
presidenciais de 2014.
O placar terminou em 4x3.
Após o voto do relator, ministro Herman Benjamin, que entendeu pela cassação,
votaram em sentido oposto os ministros Napoleão, Admar, Tarcísio e Gilmar. Eles
desconsideraram as provas relacionadas à Odebrecht por entenderem que extrapolaram
a causa de pedir da petição inicial, e que não há provas cabais de que a chapa
tenha utilizado dinheiro ilícito na campanha.
Acompanharam o relator os
ministros Luiz Fux e Rosa Weber.
Questão de ordem
Antes
de os ministros iniciarem seus votos na sessão da tarde desta sexta, o vice-procurador Geral Eleitoral,
Nicolao Dino, suscitou uma questão de ordem: pediu o impedimento do ministro
Admar Gonzaga para julgar o caso, porque foi advogado de Dilma em 2010. O
pedido, no entanto, foi rejeitado por unanimidade. “Não
se pode agir coagindo o tribunal ou fazendo jogo de mídia",
advertiu Gilmar, ao afirmar que o fato não é novo e não deveria ser trazido
apenas nesta sessão do julgamento.
Ato contínuo, os ministros
passaram aos votos. Veja como votou cada ministro:
Napoleão
Ao
tomar a palavra para proclamar seu voto, o ministro Napoleão criticou menção na
imprensa de "homem misterioso" lhe entregou envelope. Revoltado,
explicou que era o próprio filho com fotos da neta. Criticou também menção de
que teria sido citado em delação da OAS. "Mentira!", exclamou,
inconformado. "Eu sou inocente em tudo isso. Estou sendo injustamente,
perniciosamente, sorrateiramente e desavergonhadamente prejudicado no meu
conceito."
Gilmar
apoiou o ministro e aproveitou para advertir novamente o procurador Nicolao: "V. Exa. tem toda a solidariedade do tribunal. Nós reconhecemos a
sua plena integridade, como reconhecemos a plena integridade de todos os
colegas, inclusive do ministro Admar, que acaba de ter seu impedimento
suscitado pelo MP. Esse tipo de prática, doutor Nicolau, contribui para esse
tipo de ambiente que se está criando. Esses vazamentos sabe-se de onde vêm. Se
conhece bem a fonte. E tem-se alimentado modelo de chantagem para o Judiciário.
E isso tem de ser encerrado."
Napoleão passou, então, ao
voto, no qual tratou inicialmente da ampliação da causa de pedir. Destacou que
os juízes devem se orientar pelo que está na origem do processo, no pedido
inicial, e que esta é uma garantia essencial à pessoa processada.
O ministro afirmou que, no
caso presente, não foram respeitadas as garantias processuais. Afirmou que o
juiz tem liberdade de produzir provas, ouvir testemunhas, mas apenas no âmbito
do objeto da ação. "É melhor inocentar um culpado que condenar um inocente",
disse.
Ele
destacou que a ação foi proposta pela chapa que perdeu – e que esta pede para
ser nomeada. “Isto não é democrático. Democrático é respeitar o mandato de quem
ganhou e punir na via criminal, própria àqueles que forem encontrados no
cometimento de infrações criminais."
"É contra tudo ampliar o objeto dos pedidos,
porque chegaríamos ao infinito. Tem que pesquisar caso a caso. (...) O critério
seguro para se julgar uma ação desse tipo é adstringir a instrução ao que foi
expressamente pedido, e não aquilo que provavelmente, teoricamente,
virtualmente estaria no pedido. Porque, no domínio das hipóteses, está
tudo."
O
ministro Napoleão afirmou que tudo o que foi trazido como prova mostra a
ocorrência de crimes que “já
estão sendo processados na vara competente, na mão de um juiz rigoroso, à qual
nada escapa". Assim,
divergiu do voto do relator e posicionou-se pela improcedência total dos
pedidos formulados nas quatro ações eleitorais em análise.
Admar
O
ministro Admar iniciou sua fala abordando o pedido de suspeição feito pelo
membro do MP no início da sessão. "Nós
temos verificado essa astúcia de trazer, pouco antes da minha manifestação, uma
espécie de constrangimento que eu não merecia." E continuou: "Engana-se quem pensa que eu estou aqui constrangido. Eu estou aqui
revigorado para honrar os colegas que estão aqui."
No
voto, afirmou que o tribunal não pode, em nome da estabilização política,
sacrificar regras do Direito e da segurança jurídica. "Entendo
que o julgamento da causa deve ficar adstrito exclusivamente às alegações
constantes nas exordiais e ainda acrescento que não levarei em consideração
aquilo que foi apurado a partir de 1º de março deste ano."
Para Gonzaga, não há prova
de que houve desvio de dinheiro da campanha para gráficas ou que não houve a
produção dos materiais de campanha.
Ele também tratou das
doações legais de empresas contratadas pela Petrobras e citou diversos
testemunhos de colaboradores confirmando esquema de propinas. Afirmou que,
pelos indícios, havia esquema de distribuição de propinas em obras da
Petrobras, no entanto, não há prova cabal de que os valores foram direcionados
à campanha de 2014. Sobre o depoimento de Marcelo Odebrecht, repetiu que não
tem relação com os pedidos presentes na inicial. Admar julgou improcedente as
ações.
“Ausente a prova de vinculação necessária entre
os contratos ilícitos no âmbito da Petrobras e o aporte de recursos na campanha
dos representados por meio de doações oficiais, não reconheço a prática do abuso
em decorrência do fato em análise."
Tarcísio Vieira
Terceiro a votar
na sessão, o ministro Tarcísio iniciou dizendo que, por extrapolação da causa
de pedir, não serão contempladas as provas produzidas na “fase Odebrecht”.
Acerca das
provas produzidas por meio de testemunhos de detores, ele destacou que, em
razão de estes estarem comprometidos com o resultado por eles apontados em
razão da delação premiada, “não
há como, na hipótese de inexistir outros meios de prova, aferir-se a total
credibilidade destes testemunhos, razão pela qual devem ser relativizados, ou
quando não muito valorados com triplicada cautela”.
Apontou o
ministro que os fatos relacionados a esquema de empreiteiras com partidos,
apontados pelos ex-dirigentes da Petrobras, eram difusos e tratavam de período
anterior ao ano de 2014. Para Vieira, não há prova, confirmação categórica, de
que doações ilícitas tenham sido utilizadas na campanha presidencial. “Extraiu-se
de muitos depoimentos de testemunhas uma aparente organização para cometimento
de ilícitos, envolvendo pagamento de propinas para partidos e dirigentes.
Contudo, as doações foram realizadas em períodos anteriores ao pleito de 2014.
Demais disso, os valores eram destinados a partidos políticos, e não a campanha
eleitoral.”
“Entendo que malgrado a gravidade dos fatos, a
lesividade ao patrimônio público e as grandes somas envolvidas, atos ilícitos
relacionados a contratos por executivos não estão inseridos na acusação
inicial.”
O ministro
acolheu a preliminar da ampliação da causa de pedir, rejeitou todas as demais
preliminares e, no mérito, julgou totalmente improcedentes as ações.
Luiz Fux
Ministro iniciou
sua fala dizendo que se orgulha de ser um homem justo, e que reza todos os dias
para ter dentro de si razão e paixão, para que possa realizar uma justiça
caridosa, e uma caridade justa.
Ele ressaltou o
caráter histórico da votação e destacou que os fatos são "gravíssimos,
insuportáveis, revelam crimes gravíssimos", e que se pergunta, como
magistrado: será que eu, com esse quadro sem retoques de ilegalidade, eu vou me
sentir confortável de usar o instrumento processual para não encarar a realidade?
A resposta, afirmou, é absolutamente negativa.
"Até as pedras sabem que o ambiente
político hoje está contaminado, e a hora do resgate é agora."
Após destacar a
gravidade da questão, Fux citou o artigo 493 do CPC.
Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo,
modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao
juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento
de proferir a decisão.
Ele apontou que
fatos novos vieram a lume informando que na referida campanha houve cooptação
do poder político pelo poder econômico, houve financiamento ilícito.
"Então, no momento em que nós vamos proferir a decisão, nós não vamos
levar em conta esses fatos? Sob uma premissa processual ortodoxa e ultrapassada
nós vamos desconhecer a realidade fática quando o código é explícito nesse
sentido?"
"A decisão justa e efetiva é aquela que é
proferida levando em consideração a realidade. Direito e realidade não podem
ser apartados justamente no momento da decisão final, máxime por uma Corte que
está julgando em competência originaria uma causa, e com ampla cognição fática
e probatória."
O ministro
elogiou o ministro Herman Benjamin e disse que “não ousaria desafiá-lo em
nenhum tópico que ele destacou”. Rebateu os argumentos utilizados contra a
desconsideração das provas e acolheu as conclusões fático-probatórias do
relator sobre propina-poupança, caixa 2 na conta corrente da Odebrecht e
ilícitos comprovados acerca dos gastos praticados pela chapa.
Fux acompanhou o
relator, julgando os pedidos procedentes para cassar integralmente a chapa
Dilma-Temer.
Rosa Weber
De pronto, a
ministra Rosa, assim que tomou a palavra, anunciou que acompanha o relator no
histórico voto que proferiu.
Rosa Weber
destacou a possibilidade, em determinadas situações, do surgimento de fato novo
que conduza à consequência pretendida pelo autor da lide original, e que
"o fato novo, passível de constituir exceção à regra da estabilização da
demanda, pode ser descoberto sim na fase probatória". Reiterou que não
houve, a seu ver, alteração da causa de pedir.
Rosa destacou
que há prova cabal de pagamento aos partidos políticos em questão até 2014,
seja na forma de doação oficial, seja por meio de caixa 2, e que várias dessas
empresas o fizeram por meio de doação oficial ao PT, “fato que contamina de
forma indireta a campanha dos representados, porque financiada pela referida
agremiação”.
“Trata-se de situação de extrema gravidade, com a demonstração de
sucessiva e reiterada prática de cumprimento de compromissos espúrios,
pagamento de propina, disfarçados de doação a partido político até o ano de
2014, em valores que, em rápida análise, estão na casa de dezenas de milhões de
reais. Inegável a gravidade, indisfarçável o reflexo eleitoral."
Rosa disse que
julgou a causa por dever de oficio, pois não gostaria de estar. Afirmou que, se
a prática em questão se repete, e se vai continuar a se repetir, é muito triste
para o Brasil, “mas que cada magistrado faça seu juízo de valor em eventuais ações
que questionem outras candidaturas”.
“Há que ter esperança e eu, enquanto estiver
viva, vou manter a minha esperança."
Ao concluir seu
voto, no qual acompanhou o relator nas matérias até então expostas, salientou
que “não precisa usar as provas da Odebrecht, não precisa usar o caixa 2”. Cita
que se trata de caixa 1, doação de empreiteiras, pagamento de propinas, doação
ao partido – que por sua vez doou à campanha, financiamento indireto da
campanha via Petrobras, descrito na inicial, com dinheiro de propina. “É abuso
de poder econômico qualificado pelo crime, o que não pode ser tolerado, na
minha visão, pela Justiça Eleitoral. O mínimo resquício de desvio ou crime na
atividade de conquista do poder o deslegitima e representa a trinca no cristal
da democracia.”
Gilmar Mendes
Com julgamento
até então empatado, Gilmar deu o voto de minerva, pela improcedência das ações.
O ministro iniciou lembrando que votou pela aprovação, com ressalvas, das
contas da chapa Dilma-Temer. Ele também citou a importância do equilíbrio do
mandato e que sua cassação deveria ocorrer apenas em situações inequívocas.
"É muito fácil fazer o discurso da
moralidade. Ninguém venha me dar lição aqui, de combate à corrupção. Também eu
quero isto, estou muito tranquilo com relação a isto. Mas é preciso que nós
analisemos as questões com a perspectiva constitucional."
Ele afirmou que
achava importante conhecer as entranhas do sistema, mas não imaginava cassar
Dilma Rousseff no TSE. "E
nunca imaginei expandir objeto ou causa de pedir, aqueles delimitados pela
própria ação."
Mendes lamentou
que os órgãos de controle não tenham sido capazes de antecipar, de ter impedido
que isto se repetisse. “Eu intuía que isto acontecia, isto era uma
prática." Argumentou, no entanto, sobre a questão da causa de pedir,
reiterando que "os
fatos novos, que não guardam relação com a causa de pedir, não podem ser
incluídos no curso da ação".
Gilmar Mendes
acompanhou a divergência.