Na
eleição da última terça-feira, os eleitores da Flórida aprovaram a Emenda 4 à
Constituição estadual, permitindo que condenados por crimes graves que já
cumpriram a totalidade da pena tenham restaurados seus direitos ao alistamento
eleitoral e ao voto.
A
questão é uma das mais polêmicas em matéria de direito de voto nos EUA. As disposições legais que impedem os condenados por crimes
graves de se alistar como eleitores e de votar ou que dificultam o exercício
desses direitos são conhecidas como felon
disfranchisement (ou disenfranchisement) laws.
Importantes ONGs de
defesa dos direitos humanos têm combatido tais políticas, que terminam por
privar do direito de voto majoritariamente afrodescendentes e hispânicos.
Segundo a ONG The Sentencing
Project, em 2016, no país todo 6,1 milhões de pessoas estavam
privadas do direito de votar em razão de uma condenação criminal. Esse número
equivale a aproximadamente 2,5% da população em idade de votar – 1 em 40
adultos privados do direito de votar em razão de uma condenação criminal. Os 12
Estados que privam do direito de voto mesmo depois de cumprida a pena
concentram 50% das pessoas privadas do direito de voto, isto é, quase 3,1
milhões de pessoas. O estudo revela ainda que os números variam enormemente de
um Estado para outro, devido a diferenças na legislação ; em seis Estados –
Alabama, Flórida (antes da mudança), Kentucky, Mississippi, Tennessee e
Virgínia – mais de 7% da população adulta estavam excluídos do direito de voto.
Na
Flórida a questão era especialmente grave, porque somente nesse Estado estavam
concentrados mais de um quarto (27%) do total da população excluída do direito
de voto no país; seus 1,5 milhão de pessoas privadas do direito de voto por
condenação já integralmente cumprida equivaliam a quase metade (48%) do total
nacional.
O
estudo apurou que um em cada 13 afro-descendentes em idade de votar estavam
excluídos desse direito, uma porcentagem mais de quatro vezes maior do que a de
não afro-descendentes: 7,4% dos afro-descendentes adultos, em comparação com
1,8 dos não afro-descendentes. A exclusão dos afro-descendentes do direito de
voto também varia enormemente de um Estado para outro. Em quatro Estados –
Flórida (antes da mudança) (21%), Kentucky (26%), Tennessee (21%) e Virgínia,
mais de um em 5 afro-descendentes estava privado do direito de voto (22%).
Matéria publicada em 2016 no jornal The New York Times
sobre esse estudo enfatizou as diferenças existentes na legislação de um Estado
para outro. O jornal apontou que as leis mais duras eram as da Flórida antes da
mudança, de Iowa e da Virgínia, Estados onde a restrição ao direito de voto em
razão de condenação penal se estendia pelo resto da vida, só podendo ser
restaurado esse direito caso a caso por ato do governador ou decisão de um
tribunal. O jornal assinalou que essas restrições têm uma longa história e
baseiam-se na ideia de que aqueles que violaram as regras da sociedade não
deveriam ter permissão para participar da elaboração delas. Quanto às
disparidades raciais, cita a injustiça do sistema penal norte-americano, que
faz com que os negros sejam condenados com mais frequência do que os brancos
que cometeram o mesmo crime; a população encarcerada tende desse modo a incluir
um número desproporcionalmente elevado de pessoas de baixa renda e minorias. O
jornal sublinhou ainda outro dado do estudo: a maior parte dos condenados que
não podem votar está fora da prisão. Por fim, a matéria evoca a eleição
presidencial do ano 2000, que foi decidida por uma apertada margem de 537 votos
na Flórida, quando estimadas 600.000 pessoas no Estado estavam privadas do
direito de voto em razão de condenação a uma pena já cumprida.
Na opinião da ACLU (American
Civil Liberties Union), importante ONG fundada em 1920, as normas que
restringem o direito de voto em razão de condenação criminal não prejudicam
apenas os que cumpriram penas e estão ávidos para contribuir para a sociedade –
elas prejudicam a saúde da democracia, que precisa de mais participação e menos
morte civil, razão pela qual essas pessoas deveriam ter seus direitos
restaurados imediata e automaticamente.
É
de notar que a Emenda 4, aprovada agora em consulta popular na Flórida, não
restaura os direitos dos condenados por homicídio e crimes sexuais graves.
Apesar
disso, matéria de ontem da revista Time informa
que mais de um milhão de pessoas
terão seus direitos ao alistamento e ao voto restaurados, número suficiente
para decidir a eleição presidencial de 2020.
Referências:
EBENSTEIN, Julie. Time Served
for a Non-Violent Drug Offense? Sorry, You Still Can’t Vote if You Live in
Iowa. Disponível
em:
<https://www.aclu.org/blog/voting-rights/criminal-re-enfranchisement/time-served-non-violent-drug-offense-sorry-you-still>.
Acesso em: 23 ago. 2017.
LAI, K. K. Rebeca; LEE, Jasmine
C. Why 10% of Florida Adults Can’t Vote: How Felony Convictions Affect Access
to the Ballot. The New York Times, 6
out. 2016. Disponível em:
<https://www.nytimes.com/interactive/2016/10/06/us/unequal-effect-of-laws-that-block-felons-from-voting.html?mcubz=3>.
Acesso em: 23 ago. 2017.
The Sentencing Project. Felony Disenfranchisement. Disponível em:
<http://www.sentencingproject.org/issues/felony-disenfranchisement/>.
Acesso em: 22 ago. 2017.
WAXMAN, Olivia B. As Florida Restores Ex-Felons Right
to Vote, Here’s the Dark History Behind Tehir Disenfranchisement. Time, 8 nov. 2018. Disponível em:
<http://time.com/5448284/ex-felon-voting-rights-amendment-4-history-disenfranchisement/>.
Acesso em: 9 nov. 2018.