Leia notícia publicada ontem no site do STF:
A decisão do
Plenário foi tomada no julgamento de ação ajuizada pela PGR para questionar
regra da Minirreforma Eleitoral que estabelece percentuais mínimo e máximo de
recursos do Fundo Partidário para campanhas eleitorais de mulheres.
O Supremo Tribunal Federal (STF)
decidiu, por maioria de votos, que a distribuição de recursos do Fundo
Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais direcionadas às
candidaturas de mulheres deve ser feita na exata proporção das candidaturas de
ambos os sexos, respeitado o patamar mínimo de 30% de candidatas mulheres
previsto no artigo 10 , parágrafo 3º, da Lei 9.504/1997 (Lei das Eleições). No
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5617, o nesta
quinta-feira (15), o Plenário decidiu ainda que é inconstitucional a fixação de
prazo para esta regra, como determina a lei, e que a distribuição não
discriminatória deve perdurar enquanto for justificada a necessidade de
composição mínima das candidaturas femininas.
A ação foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR)
para questionar o artigo 9º da Lei 13.165/2015 (Minirreforma Eleitoral de 2015)
que estabelece percentuais mínimo e máximo de recursos do Fundo Partidário para
aplicação em campanhas eleitorais de mulheres, fixando prazo de vigência da
regra. De acordo com o dispositivo, nas três eleições que se seguirem à
publicação da lei, os partidos reservarão, em contas bancárias específicas para
este fim, no mínimo 5% e no máximo 15% do montante do Fundo Partidário
destinado ao financiamento das campanhas eleitorais para aplicação nas
campanhas de suas candidatas.
A PGR sustentava que a norma contraria o princípio fundamental
da igualdade e que o limite máximo de 15% previsto na lei produz mais
desigualdade e menos pluralismo nas posições de gênero. “Se não há limites
máximos para financiamento de campanhas de homens, não se podem fixar limites
máximos para as mulheres”, afirmou. Quanto ao limite mínimo, enfatizou que o
patamar de 5% dos recursos para as candidatas protege de forma deficiente os
direitos políticos das mulheres. Segundo a Procuradoria, o princípio da
proporcionalidade só seria atendido se o percentual fosse de 30%, patamar
mínimo de candidaturas femininas previstas em lei.
Amici
curiae
Representantes da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e
Político (Abradep) e da Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (CEPIA),
que se manifestaram da tribuna na condição de amigos da Corte, defenderam a
procedência da ADI sustentando que o dispositivo questionado estabelece uma discriminação
ilícita e fere diversos princípios fundamentais, como o princípio democrático,
que tem por base o pluralismo político e se alicerça na diversidade de
representação. De acordo com a representante da Abradep, a norma também fere a
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher.
Já a representante da CEPIA salientou que, apesar de dizer que
busca estimular a participação da mulher na política, a lei é, na verdade, “um
retumbante retrocesso e uma fraude”. Segundo ela, o dispositivo limita verbas
de campanha para mulheres em irrisórios 15%, o que, inclusive, viola a
autonomia partidária, uma vez que não autoriza o partido, caso queira, a
investir mais de 15% nas campanhas de mulheres e ainda permite que campanhas
masculinas possam ficar com até 95% dos recursos.
Relator
O ministro Edson Fachin, relator, frisou inicialmente em seu
voto que é próprio do direito à igualdade a possibilidade de uma
desequiparação, desde que seja pontual e tenha por objetivo superar uma desigualdade
histórica. Nesse sentido, lembrou que, apesar de atualmente as mulheres serem
mais da metade da população e do eleitorado brasileiro, apenas 9,9% do
Congresso Nacional é formado por mulheres e apenas 11% das prefeituras é
comandada por elas.
Contudo, o ministro entendeu que a disposição constante do
artigo 9º da Lei 13.165/2015 é manifestamente inconstitucional, uma vez que o
estabelecimento de um piso de 5% significa, na prática, que, na distribuição
dos recursos públicos, a legenda deve destinar às candidaturas quociente tal
que os homens podem acabar recebendo até 95% dos recursos do fundo, como
alertado pelas amici curiae que
se manifestaram durante o julgamento.
O ministro salientou ainda que o caráter público dos recursos em
debate é mais um elemento a reforçar o compromisso de que sua distribuição não
se dê de forma discriminatória. Por isso, ressaltou que os partidos não podem
criar distinções baseadas no gênero do candidato. As legendas, segundo Fachin,
devem se comprometer com seu papel de transformação da realidade e se dedicar à
promoção e difusão da participação política das mulheres. “Só assim a
democracia será inteira”, concluiu.
Para o ministro Edson Fachin, a única interpretação
constitucional admissível é que a distribuição dos recursos do Fundo Partidário
deve ser feita na exata proporção das candidaturas de ambos os sexos,
respeitado o patamar mínimo de 30% de candidaturas femininas, por equiparação
com a previsão do artigo 10, parágrafo 3º, da Lei 9.504/1997. O ministro também
considerou inconstitucional a fixação de prazo de três eleições, uma vez que,
segundo seu entendimento, a distribuição não discriminatória deve perdurar,
ainda que transitoriamente, enquanto for justificada a composição mínima das
candidaturas femininas.
Por fim, o ministro salientou que devem ser consideradas
inconstitucionais, por arrastamento, os parágrafos 5º-A e 7º do artigo 44 da
Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/1995), que tratam dos recursos
específicos para a criação e manutenção de programas de promoção e difusão da
participação política das mulheres
Demais votos
Ao acompanhar o relator, o ministro Alexandre de Moraes frisou
que é opção do partido político apostar em determinados candidatos e distribuir
os recursos do fundo, desde que respeite a ação afirmativa prevista no
dispositivo. O ministro Luís Roberto Barroso realçou os números apresentados
pelo relator quanto à participação feminina mínima na política brasileira, mas
lembrou que, quando se trata de cargos de investidura técnica, providos por mérito
e qualificação, as mulheres já ocupam mais de 50% das vagas no serviço público.
A participação feminina só vai aumentar no campo da política por
meio de políticas públicas e incentivos trazido pelas leis, para assegurar
igualdade formal, salientou em seu voto a ministra Rosa Weber. Já o ministro
Luiz Fux citou estudos que apontam que a participação feminina na política
depende de ações afirmativas. Segundo ele, as mulheres devem ter acesso aos
mesmos instrumentos garantidos às candidaturas masculinas, sem discriminação.
O ministro Dias Toffoli ressaltou que a decisão do STF é um
reforço à igualdade de gênero, prevista no artigo 5º, inciso I, da Constituição
Federal, o que inclui o processo político eleitoral e partidário. Para o
ministro Ricardo Lewandowski, a decisão da Corte nesse caso é necessária, mas
não suficiente para resolver a desigualdade entre mulheres e homens na
política. Em seu voto, contudo, propôs que fosse excluído do texto do artigo 9º
da Lei 13.165/2015 a parte final que diz “incluídos nesse valor os recursos a
que se refere o inciso V do artigo 44 da Lei no 9.096, de 19 de setembro de
1995”, mas a proposta não foi acolhida pela maioria dos ministros.
Última a votar, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia,
também acompanhou integralmente o voto do relator, lembrando que a mulher ainda
vive muitos preconceitos.
Divergência pontual
O ministro Marco Aurélio divergiu pontualmente do relator. Ele
entendeu que o artigo 9º caracteriza uma ação afirmativa válida, mas se limitou
ao pedido constante da ADI e votou pela procedência parcial para dar
interpretação conforme a Constituição ao artigo 9º, no sentido de que não se
tem no dispositivo a imposição de um teto para eventuais candidaturas
femininas. Ele foi acompanhado pelo ministro Gilmar Mendes.
MB/CR