Leia editorial do jornal
Folha de S.Paulo de 21.09.2019:
Sob pressão, projeto que afrouxa
as regras eleitorais ficou menos deplorável
Como
já se tornou rotina, a cada ano eleitoral que se avizinha parlamentares buscam
recriar novas regras para disciplinar —ou não— a atuação de partidos e
candidatos.
Para vigorar, tais normas
devem estar aprovadas até no máximo um ano antes das eleições. No caso atual, a
legislação terá de ser sancionada até 3 de outubro —dia em que os
brasileiros, em 2020, vão escolher representantes municipais.
Não fossem os alertas de
entidades da sociedade civil e as pressões da opinião pública, corria-se até há
pouco o risco de que a próxima campanha se transformasse num festim sem
moderação para siglas e postulantes, tão permissivas e numerosas foram as
concessões inicialmente aprovadas pela Câmara dos Deputados.
Autorizava-se, por exemplo, na primeira versão, que os 33 partidos em atividade
utilizassem qualquer sistema contábil de prestação de contas disponível no
mercado, deixando de lado o padrão adotado pela Justiça Eleitoral —em evidente
prejuízo para a fiscalização.
Na mesma linha, exigia-se
prova de dolo, ou seja, de ação consciente e premeditada de candidatos, para
que pudessem ser condenados por desvios de dinheiro público.
Aumentava-se também o
prazo de entrega das prestações de contas, que poderiam sofrer correções até a
data de seu julgamento. Por fim, o texto facultava o uso de verbas eleitorais
para a contratação de advogados de defesa de filiados acusados de corrupção.
A farra acabou quase
inteiramente rejeitada pelo Senado. A Câmara, embora pressionada diante da má
repercussão de sua obra, tentou reabilitar o que pôde do texto.
Na quarta-feira (18), a
maioria dos deputados aprovou o que seria uma versão “light” do projeto
eleitoral —que ainda desfavorece, entretanto, a transparência e o bom uso
de recursos públicos.
É o que se conclui a
partir de medidas como a permissão de contratar, fora dos limites de gastos das
campanhas, consultoria contábil e advocatícia para processos sofridos por
partidos e candidaturas.
Ou a infame tentativa de
burlar a Lei da Ficha Limpa, ao deixar, na prática, que políticos ficha-suja
sejam eleitos, postergando-se a análise dos casos até a data da posse —e não
mais, como é hoje, no pedido de registro dos candidatos.
O texto teve desde o
início o amparo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que
considerou o processo de discussão “democrático”. Era previsível que depois do
apoio parlamentar recebido na aprovação da reforma da Previdência Social, Maia
se visse na obrigação de retribuir.
Embora não sirva de
consolo, as reações de setores da sociedade evitaram, pelo menos, que o projeto
fosse ainda mais deplorável.