Leia matéria publicada ontem na Revista Consultor Jurídico:
Por Marcelo
Galli *
O
Tribunal Superior Eleitoral mudou sua jurisprudência vigente desde as eleições
de 2014 e decidiu que crime de violação a direito autoral ofende o patrimônio
privado e pode provocar inelegibilidade. A virada de entendimento aconteceu no
julgamento do pedido de registro de candidatura de Eloir Laurek ao cargo de
vereador de Rio Negrinho (SC) no pleito municipal de 2016.
O
Ministério Público Eleitoral impugnou a candidatura porque o político foi
condenado por ter, em estabelecimento comercial, 49 CDs falsos. Para o MP, isso
é crime de violação a direito autoral, previsto no artigo 184, parágrafo 2º, do
Código Penal, e se enquadra no conceito de crime contra o patrimônio privado,
sendo caso de inelegibilidade (prevista no artigo 1º, I, e, 2, da LC 64/1990).
Em
primeiro e segundo graus, o registro da candidatura foi deferido, mas o MP
levou o questionamento ao TSE. Ao concluir o julgamento do caso, na sessão do
dia 5 de abril, o tribunal, por maioria, deu provimento ao recurso
especial para indeferir o registro. Prevaleceu o voto do ministro Herman
Benjamin, que deu razão ao Ministério Público. A relatora do recurso, ministra
Luciana Lóssio, ficou vencida.
Para a ministra, a lei é clara ao dizer que só o crime contra patrimônio privado causa
inelegibilidade, e que a interpretação da norma
deve ser estrita, principalmente por estar em jogo instrumento essencial aos
direitos políticos: direito a elegibilidade e exercício da cidadania. “A
natureza patrimonial dos direitos autorais é inegável. Entretanto, os delitos
contra a propriedade imaterial se distinguem dos crimes contra o patrimônio, na
medida em que tutelam os bens impalpáveis, produto da atividade intelectual do
ser humano”, disse em seu voto.
A ministra afirma
que diante da impossibilidade de interpretação extensiva do que diz a lei e
tendo em vista que o crime de violação de direito autoral não está inserido no
Título II da Parte Especial do Código Penal, que dispõe sobre os crimes contra
o patrimônio, descabe enquadrá-lo como crime contra o patrimônio privado para
aplicação da LC 64/90.
“A
jurisprudência serve como direcionamento para a formulação de pedidos de
registro de candidatura, razão pela qual, em respeito ao princípio da segurança
jurídica, defendo que eventual mudança de entendimento tenha repercussão apenas
para os pleitos futuros, considerando que o entendimento mais recente desta
corte é no sentido de que os crimes contra a propriedade intelectual não atraem
a inelegibilidade em decorrência da condenação por crime contra o patrimônio”,
defendeu a ministra.
O
entendimento que prevalecia no tribunal sobre o assunto desde 2014 foi firmado
no julgamento do RO 981-50, de relatoria do ministro João Otávio de Noronha. Em
seu voto, o ministro Herman citou um precedente de 2012 em sentido oposto,
relatado pelo ministro Arnaldo Versiani. Ao julgar na ocasião o REspe 202-36, o
tribunal entendeu que, embora o delito de violação a direito autoral esteja
inserido no Título III do Código Penal, trata-se de ofensa ao interesse
particular, incluída entre os crimes contra o patrimônio privado.
O
voto do ministro Herman Benjamin foi nessa linha. Para ele, a leitura do
artigo da lei não pode se dissociar do parágrafo 9º do artigo 14 da
Constituição, que busca proteger a probidade administrativa e a moralidade para
exercício de mandato, considerada a vida pregressa do candidato. “Normas
jurídicas não podem ser interpretadas única e exclusivamente a partir de método
gramatical ou literal. Há de se considerar os valores ético-jurídicos que as
fundamentam, assim como sua finalidade e o disposto no sistema da Constituição
e de leis infraconstitucionais, sob pena de se comprometer seu real significado
e alcance.”
Por
isso ele entende que o exame das causas de inelegibilidade por prática de crime
deve levar em conta o bem jurídico protegido, sendo irrelevante a topografia
(locus) do tipo no Código Penal ou em legislação esparsa. Nesse sentido,
segundo o ministro, o fato do artigo 184 do CP estar em título próprio, por si
só, não desnatura o bem jurídico tutelado, no caso, o patrimônio imaterial.
Isso porque, segundo ele, embora os bens imateriais sejam incorpóreos, é
evidente seu expressivo valor econômico, cultural e artístico, sendo patrimônio
privado de seu titular.
Votaram
com Herman, que vai redigir o acórdão, os ministros Henrique Neves, Rosa Weber
e Luiz Edson Fachin. Acompanharam a relatora os ministros Jorge Mussi e Gilmar
Mendes, presidente do TSE.
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Marcelo Galli é repórter da revista Consultor
Jurídico.