Leia artigo publicado em 31.03.2017 no
jornal Folha de S.Paulo:
A reforma do sistema eleitoral em curso no Congresso precisa ser
aprovada até setembro para vigorar no pleito de 2018.
Não será tarefa fácil, pois é objeto de
acalorados debates que já extravasaram o âmbito parlamentar para ganhar as
ruas.
São vários os pontos controvertidos, mas o
aspecto que mais desperta paixões no momento é a substituição das listas
partidárias abertas, tradicionalmente empregadas no Brasil, pelas fechadas.
Segundo esse sistema, os partidos
apresentam uma ordem preordenada de candidatos, que são eleitos em conformidade
com a respectiva posição na lista, proporcionalmente ao número de votos obtidos
pelas respectivas legendas.
Os eleitores deixam de escolher os nomes de
sua preferência, votando apenas nas agremiações partidárias.
O método em si não é ruim, mesmo porque
encontra guarida em muitos países politicamente avançados. Afinal, o voto em
lista fortalece os partidos, entidades essenciais ao bom funcionamento da
democracia representativa.
O problema é que alguns entendem que a
atual conjuntura não é das mais propícias para discutir o assunto. Outros acham
que a novidade configura um estratagema para garantir a reeleição de políticos
cujos nomes foram envolvidos em denúncias de corrupção.
Há os que pensam que um Legislativo em
final de mandato e um Executivo que não recebeu a unção das urnas carecem de
legitimidade para levar avante uma reforma dessa envergadura. Existem ainda
aqueles que não admitem que se subtraia dos cidadãos o direito de indicar
livremente seus candidatos.
A favor da mudança argumenta-se que o
sistema atual, embora confira maior poder de escolha aos eleitores e favoreça,
em tese, a renovação política, estimula a "fulanização" das eleições,
além de promover a concorrência entre candidatos de uma mesma legenda.
A lista aberta, ademais, seria incompatível
com a possível adoção do financiamento público de campanhas, estimulada por
decisão do Supremo Tribunal Federal que considerou inconstitucional o aporte de
recursos por empresas.
Para operar adequadamente, contudo, o
sistema de listas fechadas pressupõe a existência de um número reduzido de
partidos, claramente identificáveis por suas posições programáticas.
Esse requisito hoje inexiste no país, onde
cerca de 35 agremiações políticas, grande parte sem qualquer identidade
ideológica, podem disputar a cada dois anos uma frenética competição para
ocupar os cargos eletivos em disputa.
Por isso, a aprovação prévia de uma
cláusula de barreira ou de desempenho, que reduza drasticamente o número de
partidos, é condição essencial para a implantação do novo modelo.
Há mais uma dificuldade: o sociólogo Robert
Michels, no início do século passado, enunciou a denominada "lei de ferro
da oligarquia". Segundo ele, certas organizações sociais, como partidos e
sindicatos, dão "origem ao domínio dos eleitos sobre os eleitores, dos
mandatários sobre os mandantes, dos delegados sobre os delegantes". Isso
significa que a mudança em cogitação exige que se assegure primeiramente a
democratização interna das agremiações políticas.
Existem países que adotam as chamadas
listas flexíveis, em que os partidos formulam uma relação de candidatos cuja
ordem pode ser alterada pelos eleitores, aos quais também se permite votar em
um nome de sua preferência, independentemente da posição que ocupe na lista.
Talvez seja o caso de adotar-se
transitoriamente essa solução intermediária, submetendo uma mudança mais
radical e definitiva a um plebiscito ou referendo popular, de baixo custo e
fácil execução.
Para tanto, bastaria inserir uma consulta
aos cidadãos na programação das urnas eletrônicas que estão sendo preparadas
para as eleições do ano vindouro.
* RICARDO
LEWANDOWSKI é ministro do Supremo Tribunal Federal e professor titular de
teoria do Estado da Faculdade de Direito da USP