Na
quarta-feira da semana passada, dia 12 de agosto, os deputados decidiram o
último item que faltava para concluir a votação, em segundo turno na Câmara, da
Proposta de Emenda à Constituição que altera aspectos do direito político e
eleitoral postos na Carta, a chamada PEC da reforma política.
Esse
último item votado agora era justamente o mais controverso, porque constava da
inclusão, na Constituição, de permissão para o financiamento empresarial dos
partidos políticos.
O
texto-base da PEC da reforma política havia sido aprovado em segundo turno no
dia 7 de julho, antes do recesso parlamentar. Essa votação foi feita em bloco,
e não ponto a ponto, como no primeiro turno. Entre as alterações aprovadas em bloco
figurava a constitucionalização da permissão para doações feitas por empresas a
partidos.
Assim, a PEC insere um § 5º no
art. 17 da Constituição, estabelecendo que “É
permitido aos partidos políticos receber doações de recursos financeiros ou de
bens estimáveis em dinheiro de pessoas físicas ou jurídicas” ; já o §6º
permite aos candidatos receber doações de pessoas físicas, apenas.
O
Regimento Interno da Câmara dos Deputados prevê a possibilidade de
fracionamento de uma votação, o chamado destaque, para votação em separado de
parte de proposição (art. 161). Em julho, PT e PPS requereram destaque para
votação em separado da expressão “pessoas jurídicas”, pretendendo excluí-la do §
5º e com isso limitar as doações privadas apenas às feitas por pessoas físicas.
Mas os líderes do DEM e do PMDB apresentaram
questão de ordem ao presidente da Câmara, questionando o destaque. Para eles, o
destaque não poderia excluir apenas a expressão “pessoa jurídica”, mas sim todo
o parágrafo. Eles argumentaram que a exclusão dessa expressão inverteria o
sentido de todo o dispositivo, permitindo somente doação de pessoa física, tese
que já havia sido derrubada pela Casa.
O
presidente da Câmara acatou a questão de ordem e indeferiu o requerimento para
votação do destaque. Assim, o artigo todo foi votado novamente em 12 agosto, e
não somente a parte pretendida pelos partidos contrários ao financiamento
empresarial de campanhas.
No
dia 12 de agosto, os deputados aprovaram a proposta de incluir na Constituição,
por 317 votos a favor, 162 contra e uma abstenção, a permissão para o
financiamento de partidos políticos feito por empresas. Como visto, a emenda
prevê que os candidatos, por sua vez, só recebam recursos de pessoas físicas.
Na
verdade, como se sabe, partidos e candidatos têm permissão legal para receber
recursos de empresas desde 1993. Antes disso, a antiga Lei Orgânica dos Partidos
Políticos, de 1965 (Lei nº 4.740/65), havia proibido expressamente esse tipo de
doação (art. 56, IV), proibição que foi mantida pela Lei Orgânica dos Partidos
Políticos, de 1971 (Lei nº 5.682/71, art. 91, IV).
Essa
proibição vigorou até 1993. Durante a CPI que apurou o escândalo que levou ao
impeachment de Collor, falou-se que a proibição era “hipócrita” e estava na
origem da corrupção. Por isso, desde a edição da Lei nº 8.713, de 1993, que
estabeleceu normas para as eleições de 1994, esse tipo de doação vem sendo
permitida (art. 38, III).
A
vigente Lei dos Partidos Políticos, de 1995 (Lei nº 9.096/95), e a Lei das
Eleições, de 1997 (Lei nº 9.504/97, que tornou permanente a disciplina das
eleições, substituindo as leis anuais) mantiveram a permissão.
Mas
essa permissão era decorrente dessas leis ordinárias, e não da Constituição. A
Constituição, muito pelo contrário, consagra o princípio da proteção da
normalidade e da legitimidade das eleições contra a influência do poder
econômico (art. 14, § 9º).
Por
isso, a constitucionalidade dos dispositivos de lei que permitem essa forma de
financiamento partidário e eleitoral foi questionada pela OAB perante o STF. Em 5 de setembro de 2011, o Conselho
Federal da OAB ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.650, sustentando
que os principais pilares sobre os quais se assenta a atual disciplina do
financiamento eleitoral afrontam a Constituição.
Os dispositivos impugnados da Lei das Eleições
e da Lei dos Partidos Políticos são os que admitem as doações de pessoas
jurídicas para candidatos, partidos e para o Fundo Partidário, os que fixam o
limite das doações de pessoas físicas em porcentagem da renda auferida pelo
doador no ano anterior ao ano da eleição, e os que não fixam limites para o uso
de recursos próprios do candidato.
O julgamento teve início em 12 de dezembro de
2013, quando os primeiros quatro votos favoráveis à tese da
inconstitucionalidade foram proferidos, pelos Ministros Luiz Fux (relator),
Joaquim Barbosa, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli. Na ocasião, o Min. Teori
Zawascki, recém empossado na Corte, pediu vista dos autos. Em 2 de abril de
2014, o julgamento foi retomado, e o Min. Zawascki julgou improcedente a tese
da OAB. Nesse momento, o Min. Gilmar Mendes pediu vista dos autos, alegando não
ter informações suficientes para formar sua convicção. Mas outros dois
Ministros, Marco
Aurélio e Ricardo Lewandowski, decidiram antecipar seus votos,
julgando procedente o pedido, e com isso formando a maioria, isto é, seis dos
11 ministros da Corte. A seguir, o julgamento foi suspenso.
E
suspenso permanece até hoje, na expectativa ao que parece alimentada pelo Min.
Gilmar Mendes de que o Congresso aprove a inclusão na Constituição da permissão
para doações empresariais, o que faria com que o julgamento no STF perdesse o
objeto.
Mas,
se essa emenda esdrúxula for mesmo aprovada, será claramente inconstitucional.
Nas palavras de Cláudio Pereira de Souza
Neto, em artigo reproduzido aqui no blog, “Na ADI n. 4650, a OAB impugnou o
financiamento empresarial das campanhas eleitorais por entender que violava,
dentre outras normas constitucionais, o princípio democrático e o princípio da
igualdade. As duas normas são cláusulas pétreas, não podendo ser violadas
tampouco por meio de emendas constitucionais. As referidas normas limitam o
constituinte derivado no exercício de seu poder de emendar a Constituição. No
Supremo Tribunal Federal, já se formou maioria de 6 ministros para declarar a
inconstitucionalidade das normas legais que instituem o financiamento
empresarial. Os mesmos parâmetros constitucionais – em especial, o princípio
democrático e o direito à igualdade – devem ser aplicados pela Corte para
declarar a inconstitucionalidade de eventual emenda.”
A PEC agora segue para o Senado, onde será discutida e
votada também em dois turnos, sendo necessários para sua aprovação os votos em
ambos os turnos de três quintos dos senadores.
O que se espera do Senado é que rejeite essa proposta nociva
aos interesses do povo brasileiro, contrária ao espírito e à letra da
Constituição de 1988, e que pretende institucionalizar a influência e o abuso
de poder econômico nas eleições.