Como
a constitucionalidade das doações privadas para campanhas eleitorais foi
questionada pela Ordem dos Advogados do Brasil perante o Supremo Tribunal Federal,
processo em que já houve maioria de votos (6 X 1) pela procedência do pedido,
mas cujo julgamento está suspenso por um prolongado pedido de vista do Min.
Gilmar Mendes, a Câmara dos Deputados pretendeu incluir na própria Constituição
dispositivo permitindo as doações empresariais para partidos políticos, para
impedir o STF de julgá-las inconstitucionais.
No
dia 27 de maio, a Câmara aprovou em primeiro turno, por 330 votos a favor, 141
contra e uma abstenção, a Emenda Aglutinativa nº 28, que inclui três novos
parágrafos no art. 17 da Constituição. O pretendido §5º estabelece que “É permitido aos partidos políticos receber
doações de recursos financeiros ou de bens estimáveis em dinheiro de pessoas
físicas ou jurídicas” ; já o §6º permite aos candidatos receber doações de
pessoas físicas, apenas.
Ocorre
que tais previsões, que a Câmara dos Deputados pretendeu incluir no texto da Constituição,
incorrem em dupla inconstitucionalidade, tanto formal quanto material, como já
foi demonstrado aqui no blog.
Do
ponto de vista formal, o modo como se deu a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional
nº 182/2007 na Câmara, com a aprovação de tal emenda aglutinativa, violou
frontalmente o disposto no art. 60, § 5º da Constituição: “a matéria
constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode
ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa”.
Isso porque a matéria havia sido objeto de deliberação
no dia anterior – dia 26/05/15, terça-feira. Submetida ao Plenário da Câmara,
não se formou maioria suficiente para aprovar alteração no texto
constitucional. A deliberação do dia seguinte, dia 27/05/15, quarta-feira, se deu a propósito da referida “emenda
aglutinativa” apresentada às pressas, no próprio dia, pelo Deputado Russomano,
dispondo igualmente sobre o financiamento empresarial.
Do ponto de
vista material, a influência do poder
econômico sobre a política é absolutamente incompatível com a Constituição
Federal, em cujo cerne residem princípios como a república, a democracia e a
igualdade. Se essa alteração da Constituição vier a ser aprovada, a
desigualdade e a corrupção invadirão a esfera constitucional, e o preceito
vigorará como um corpo estranho na Constituição Republicana e Democrática do
Brasil.
Cientes desses fatos, 61 parlamentares de seis partidos
impetraram Mandado de Segurança perante o STF, requerendo a interrupção
imediata dessas violações, que antecipam um futuro sombrio para a atividade
parlamentar no Brasil.
Ocorre que, como também noticiado aqui no blog, a ministra Rosa Weber, do STF, indeferiu o pedido
de liminar no Mandado de Segurança nº 33630, impetrado pelos parlamentares. Em
análise preliminar da questão, a relatora afastou a alegação de
inconstitucionalidade por eles apresentada.
Além das inconstitucionalidades já amplamente demonstradas,
é forçoso assinalar também que o pretendido § 5º do art. 17, tal como redigido
na emenda aglutinativa, constitucionaliza um abominável vício até hoje admitido
no direito eleitoral infra-constitucional : as chamadas doações ocultas. Ao
permitir que os partidos, e somente eles (à exclusão dos candidatos) recebam
doações de pessoas jurídicas, para depois repassá-las aos candidatos, o texto
inclui na própria Constituição a ocultação da real origem das doações. Isso porque
as doações empresariais, quando destinadas a determinado candidato, serão todas
misturadas no caixa do partido, que as repassará, no todo ou em parte, aos
candidatos, de modo a figurar o partido, e não a empresa doadora, na prestação
de contas do candidato. Isso dificulta a identificação, pela opinião pública,
dos reais interesses por trás de cada candidatura.
Até o momento, essa PEC foi votada apenas em
primeiro turno na Câmara dos Deputados. Passado o interstício regimental de
cinco sessões (art. 202, § 6º do Regimento Interno), deverá ser discutida e
votada em segundo turno na própria Câmara dos Deputados, e seguirá para o
Senado, onde também será discutida e votada em dois turnos. Nas votações nas
duas Casas a Constituição exige, para a PEC ser considerada aprovada, a
obtenção de três quintos dos votos dos respectivos membros (art. 60, § 2º).
Oxalá essa rigidez constitucional, que torna mais
difícil aprovar uma emenda à Constituição do que uma lei infra-constitucional,
assegure que os nossos congressistas tenham a ocasião de refletir calmamente
sobre toda essa matéria, e atentem para o melhor rumo a seguir, em defesa da
Constituição e do interesse público.