Leia
artigo publicado hoje no jornal Folha de S.Paulo :
Uso irrestrito de recursos
próprios é antidemocrático
Sem
financiamento de empresas privadas, uma das características das eleições neste
ano é que alguns partidos políticos aceitaram encampar candidaturas porque os
interessados ofereceram custear as campanhas eleitorais com seus próprios
recursos.
Isso porque a legislação eleitoral, ainda pendente de apreciação pelo Supremo
Tribunal Federal, permitirá o financiamento integral das campanhas pelos próprios candidatos nas eleições de 2018, exceto se até lá houver
pronunciamento judicial em sentido contrário.
O critério da riqueza pessoal passou, então, a ser decisivo nas escolhas dos
candidatos pelos partidos políticos. Nesses casos, os pretendentes não
convenceram a militância partidária ou as bases eleitorais a partir de
programas de governo ou projetos ideológicos. Convenceram as cúpulas
partidárias com base em recursos privados e generosidade financeira.
O autofinanciamento eleitoral sem limites é, por si só, antidemocrático.
Beneficiam-se os mais abastados em
prejuízo daqueles que não detêm poder aquisitivo, com influência direta e
indevida do poder econômico no pleito eleitoral.
A ausência de limites para a utilização dos recursos do candidato vai na
contramão da decisão do STF que proibiu as doações de empresas, exatamente com
o fim de coibir a influência econômica nas eleições.
A participação empresarial nos pleitos ao menos permitia o apoio econômico a
qualquer candidato, independentemente de sua condição pessoal de riqueza, o que
não ocorre com o autofinanciamento.
O tema é bastante relevante no Brasil diante da importância eleitoral
desempenhada pelo dinheiro por aqui, pois os números demonstram que o êxito das
candidaturas é diretamente proporcional à quantidade de recursos aplicada.
A preocupação com o autofinanciamento ilimitado cresce quando o critério da
riqueza pessoal passa a ser decisivo na filiação e escolha dos candidatos.
Nessa situação, a condição financeira torna-se um diferencial não apenas na
corrida eleitoral em relação aos adversários, mas na própria possibilidade de
se candidatar.
As candidaturas deixam de ser fruto de processos internos de maturação e
escolha, levando-se em conta os interesses sociais representados pela
agremiação. O poder econômico individual dos candidatos passa a ditar a
possibilidade de ser candidato. A plutocracia atinge os partidos políticos
internamente, e a pureza do latim "candidatus" é substituída pela
riqueza originária do grego "pluto".
Ao outorgar aos partidos políticos o monopólio das candidaturas, já que a
filiação partidária é uma condição necessária para a elegibilidade, a
Constituição Federal prestigiou a função histórica das agremiações na
intermediação política entre o Estado e a sociedade.
A exclusividade no lançamento de candidaturas foi uma legítima opção do
constituinte diante da importância da participação das agremiações nos sistemas
de governo. Cabe aos partidos políticos canalizar as demandas da sociedade
civil que representam e aglutinar os interesses parciais por meio de soluções
decisórias aceitáveis entre os diferentes setores sociais em disputa.
Contudo, é preciso que os partidos políticos tratem a prerrogativa de lançar
candidatos com responsabilidade democrática, preservando a vinculação das
candidaturas a ideologia, história e identidade partidária, não à condição
pessoal dos candidatos.
Caso contrário, os partidos políticos passarão a ser mero caminho de passagem
do poder econômico e aumentarão os anseios da sociedade por candidaturas
independentes.
* Rafael Araripe Carneiro é advogado e doutorando
e mestre em direito eleitoral pela Universidade Humboldt (Alemanha)