Leia
artigo publicado ontem na Revista Consultor Jurídico:
A
questão da propaganda eleitoral antecipada sempre foi um ponto tormentoso no
Direito Eleitoral brasileiro, por representar uma limitação à liberdade de
expressão dos pretensos candidatos e, por via indireta, uma limitação ao
direito à informação dos eleitores. Entretanto, justifica-se a existência de um
marco temporal para a veiculação da propaganda eleitoral como uma forma de
observar a igualdade de condições entre os postulantes aos cargos eletivos.
No
caso brasileiro, a legislação nunca definiu o que seria uma “propaganda
eleitoral”, mas tão somente fixou o termo a partir do qual sua veiculação seria
permitida, de modo que a definição coube ao Tribunal Superior Eleitoral
(PECCININ, 2013).
Assim,
nos termos do Acórdão 15.372, de 15.04.1999, de relatoria do ministro Eduardo
Alckmin, que é o paradigma do tema (ROLLO, 2004), adotou-se um conceito
tripartite de propaganda eleitoral, que passou a ser entendida como “aquela que
leva ao conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura,
mesmo que apenas postulada, a ação política que se pretende desenvolver ou as
razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais apto ao exercício da
função pública”.
O
relator pontuou ainda que, “sem tais características, poderá haver mera
promoção pessoal, apta, em determinadas circunstâncias a configurar abuso de
poder econômico, mas não propaganda eleitoral”.
Esse conceito tripartite, apesar de bastante
abrangente, foi ainda mais dilatado pela jurisprudência do TSE, que evoluiu
para entender que também seria possível uma propaganda eleitoral
antecipada subliminar, de modo que, para que fosse configurada, não deveria
ser observado tão somente o texto dessa propaganda, “mas também outras
circunstâncias, tais como imagens, fotografias, meios, número e alcance de
divulgação [...]”[1].
Assim,
observou-se que um conceito demasiadamente abrangente de propaganda eleitoral
antecipada, somado à possibilidade de configuração de propaganda implícita ou
subliminar, praticamente engessou o rol de ações permitidas aos políticos fora
do marco temporal fixado.
O
professor Olivar Coneglian chegou a afirmar que o tema da propaganda eleitoral
antecipada estaria “coberto pelo manto da insensatez”. Para ele “é certo que
existe um tempo legal para se fazer propaganda, mas também é certo que o
político precisa se expor, deve se mostrar aos eleitores para se fazer
conhecido. Proibir isso é como proibir o político de existir” (CONEGLIAN,
2014).
Sendo
assim, a consequência de tantas restrições ao tema da propaganda eleitoral
antecipada foi reservar qualquer debate sobre a política e as eleições para o
antigo período de apenas três meses antes do pleito. Não parece crível que o
sujeito decida o futuro da sua nação, estado ou município em três meses. E
tampouco seria crível que o fizesse em 45 dias, com a atual mudança legislativa
(art. 36, Lei 9.504/97, com redação dada pela Lei 13.165/2015).
Diante
deste cenário restritivo, o legislador começou a flexibilizar o tema da
propaganda eleitoral extemporânea já com a Lei 12.034 de 2009, que incluiu o
art. 36-A na Lei das Eleições, a fim de indicar condutas que, ainda que
praticadas antes do termo legal, não caracterizariam propaganda eleitoral
antecipada. Entretanto, as alterações introduzidas ainda foram insuficientes
frente à necessidade de ampliação do debate político.
Dessa
forma, a Lei 13.165 de 2015 veio lapidar o raciocínio inaugurado pela
12.034/2009, ampliando ainda mais as condutas específicas que não configuram
propaganda extemporânea e aumentando o leque de possibilidades dos
pré-candidatos, representando um verdadeiro rompimento com o conceito
tripartite de propaganda trazido pela jurisprudência.
Conceito inaugurado pela Lei 13.165/2015
A Lei 13.165, promulgada pela então presidente Dilma Roussef em agosto de 2015, alterou diversos institutos do Direito Eleitoral e, especialmente, o art. 36-A da Lei 9.054/97, para afirmar categoricamente que a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais do pré-candidato não configuram propaganda antecipada, desde que não envolva pedido explícito de votos.
Ainda,
o seu parágrafo 2º afirma ser permitido, nas ações das hipóteses dos incisos I
a IV, “o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações
políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver”.
Há posicionamento doutrinário no sentido de que
essa ampliação nas formas de expressão permitidas antes do marco legal se deve
à redução do prazo da campanha em 40 dias[2],
o que se mostra perfeitamente razoável dentro do ideário de que a propaganda
eleitoral e a pluralidade de ideias no debate eleitoral são essenciais para o
processo democrático.
Assim,
uma redução tão considerável no tempo de campanha e, consequentemente, de
propaganda, não poderia deixar de vir acompanhada de medidas que promovessem o debate
e a ampla circulação de ideias.
De todo modo, com a nova redação do caput do
art. 36-A e parágrafos, parece correto entender que toda a jurisprudência dos
tribunais acerca do conceito de propaganda extemporânea está superada. A lei,
ao afirmar que a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades
pessoais não configuram propaganda antecipada, consequentemente entende que
tais práticas caracterizam, portanto, atos de promoção pessoal.
A Lei 13.195/2015 propõe ampla flexibilidade da
promoção pessoal na fase da pré-campanha, cuja única vedação passa a ser o
pedido expresso de votos. Por sua vez, a figura do pedido implícito
de votos deixa de ser observada para a caracterização de propaganda
extemporânea, uma vez a legislação passa a permitir o pedido de apoio político
e, como bem definiu Arthur Rollo (2016), “o pedido de apoio político acaba
sendo um pedido implícito de voto”.
Esse, inclusive, foi o entendimento adotado pelo
TSE recentemente, quando da análise da representação por propaganda eleitoral
antecipada 11541 (julgada em 5 de dezembro de 2017). Segundo o acórdão, a
temática da propaganda tida por implícita foi substancialmente mitigada, “ante
a vedação apenas ao pedido explícito de votos e com permissão da menção à
pré-candidatura, exposição de qualidades pessoais e até mesmo alusão a
plataforma e projetos políticos (art. 36-A, I)”[3].Ultrapassada
a caracterização de propaganda eleitoral antecipada, ainda devem ser
respondidas outras questões fundamentais.
Os atos de promoção pessoal podem ter custos?
Como dito, a Lei 13.165/2015 aumentou consideravelmente o leque de ações que, realizadas no período pré-eleitoral, não caracterizam a prática de propaganda eleitoral extemporânea, mas sim atos de mera promoção pessoal. Diante de tamanha inovação, surge na academia o questionamento acerca dos custos que esses atos de promoção pessoal poderiam importar e se deles caberia algum controle por parte da Justiça Eleitoral, vez que, como não são atos de campanha, não estão sujeitos à prestação de contas eleitoral.
Notadamente, houve apenas uma hipótese em que o
legislador da minirreforma de 2015 se referiu aos custos de atos do período
pré-eleitoral (art. 36-A, VI), na qual prevê a possibilidade do pré-candidato
participar “de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de
comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar
ideias, objetivos e propostas partidárias”, e delimita que estas devem ser “a
expensas de partido político” (grifo nosso).
Desse
modo, em relação a este ponto, é certo que tais reuniões devem ingressar na
prestação de contas do partido. Por um lado, a problemática desses gastos
recebeu uma solução, mas, por outro, pode continuar a engessar a atividade do
pré-candidato, principalmente daquele que disputa o pleito por meio do sistema
proporcional, vez que a verba partidária raramente o contempla.
Teme-se
que a ausência de previsão legal sobre o custeio dos atos em fase de
pré-campanha faça com a jurisprudência caminhe no sentido de entender que só
seriam permitidos os atos de promoção pessoal que não importem em custos, o que
se mostraria bastante perigoso, pois é difícil enumerar uma atividade da vida
moderna que não represente um custo.
A
omissão legislativa não pode significar proibição, mas, ao contrário, é
permissão, conforme se extrai do princípio da legalidade (art. 5º, II, CRFB).
Ora,
se o legislador entende que os atos de promoção pessoal são legais, não são
atos de propaganda extemporânea e não tem o condão de ferir a isonomia entre os
postulantes a cargo público, estes não podem ser punidos e proibidos apenas por
possuírem um custo.
O
homem público pode escolher gastar os seus recursos como bem entender, desde
que não sejam atividades ilícitas, inclusive com atos para promover e projetar
a sua imagem. Entender de maneira diversa é esvaziar o conteúdo da norma e,
mais uma vez, trazer para o âmbito da propaganda eleitoral um ativismo judicial
infundado e que o legislador vem, sucessivamente, rechaçando.
Não
se propõe aqui que os atos de promoção pessoal sejam alheios ao controle
jurisdicional. Acredita-se, apenas, que os atos de promoção pessoal são livres,
em todas as suas formas, desde que não contenham pedido explícito de voto.
Por
outro lado, caso se constate que recursos financeiros foram gastos em
abundância, de modo a verdadeiramente desequilibrar o pleito, caberá a
intervenção da justiça eleitoral para coibir, aí sim, o abuso do poder
econômico, devidamente apurado no bojo de uma ação de investigação judicial
eleitoral (art. 22, LC 64/90).
O
que não deve ser tolerado é que qualquer conduta do pré-candidato que implique
um aporte financeiro seja proibida. Isso é o que o legislador não proibiu e,
por óbvio, não caberá ao poder judiciário proibir.
As vedações à propaganda em geral são aplicáveis
aos atos de promoção pessoal?
Outro ponto controvertido diz respeito à incidência na fase da pré-campanha das vedações impostas à propagada eleitoral em geral. Em suma, questiona-se a possibilidade de veiculação de promoção pessoal através dos meios e formas que são proibidos na época de campanha eleitoral.
Outro ponto controvertido diz respeito à incidência na fase da pré-campanha das vedações impostas à propagada eleitoral em geral. Em suma, questiona-se a possibilidade de veiculação de promoção pessoal através dos meios e formas que são proibidos na época de campanha eleitoral.
Para ilustrar melhor essa problemática, tem-se o
caso do Recurso Eleitoral 396[4],
em que o Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco condenou uma pré-candidata à
multa de R$ 5.000 por ter veiculado mensagem em outdoorno período
pré-eleitoral. Neste caso, o outdoor exibia a imagem da
pré-candidata e mensagem de felicitação, em razão de seu aniversário, assinada
por amigos.
A corte regional eleitoral reconheceu tratar-se de
ato de pré-campanha e, ainda assim, concluiu por aplicar multa prevista no art.
36,§ 3o, por entender que o ato foi praticado em meio proibido pela legislação
eleitoral, qual seja, outdoor, conforme vedação do artigo 39,§ 8o,
da lei 9.504/97.
A
decisão fundamentou-se na ideia de que deveria existir uma interpretação
sistêmica da lei, não se podendo admitir "atos de pré-campanha por meios
de publicidade vedados pela legislação no período permitido da propaganda
eleitoral", e acrescentou que "tais atos devem seguir as regras da
propaganda, com a vedação adicional de pedido explícito de voto".
Entretanto, esta não parece a melhor solução para a questão.
Inicialmente, sabe-se que artigo 39, § 8o, da Lei
9.504/1997, proíbe a propaganda eleitoral mediante outdoors. Sendo
assim, atos de mera promoção pessoal, dentro das novas balizas do art. 36-A,
não se sujeitam a esse modal, por não configurarem propaganda eleitoral nem
mesmo na modalidade extemporânea.
Assim, conclui-se que apenas são vedados e
passíveis de sanção os outdoorsque veiculem a propaganda eleitoral
ainda que antecipada, excluindo, por óbvio, os de promoção pessoal, que não
contenham pedido expresso de votos.
Em
apertada síntese, a lei não tratou atos de promoção pessoal como se fossem atos
de propaganda eleitoral e, por isso, não parece razoável imaginar que o
legislador teria imposto as proibições de uma a outra. Ademais, é incabível
admitir qualquer tipo de proibição implícita, o que violaria, novamente, o
princípio da legalidade (art. 5º, II, CRFB).
Isso não se aplica apenas ao uso de outdoors,
mas a todas as vedações que incidem sobre a propaganda eleitoral em geral.
Entender de forma diversa do disciplinado pelo legislador seria fazer uso da
analogia para punir e ir além da disposição legal, o que não merece ser
tolerado. Sendo assim, a solução da questão das vedações à promoção pessoal
precisa ser lida sob a ótica da legalidade da propaganda e da liberdade de
propaganda e de informação.
O
legislador entendeu que a flexibilização dos atos de promoção pessoal não fere
a isonomia entre os postulantes a cargo público e fez uma escolha pela
liberdade de expressão e manifestação, que deve, portanto, vir a ser respeitada
no âmbito jurisprudencial.
Em
razão de todo o exposto, conclui-se que a Lei 13.165/2015 propõe ampla
flexibilidade dos atos de promoção pessoal na fase da pré-campanha, permitindo,
inclusive, o pedido implícito de votos. Entretanto, apesar do avanço
legislativo, ainda existem pontos controvertidos que precisam ser lidos à luz
dos princípios constitucionais de liberdade e legalidade, sob pena do
engessamento do debate político.
Trata-se
de uma análise dos principais pontos do artigo “O Novo Conceito da Propaganda
Eleitoral Antecipada: Uma leitura à luz dos princípios da Liberdade e da Legalidade”,
anteriormente publicado na Revista
Estudos Eleitorais, do TSE (v. 12, n. 3., Fls. 23 à 47).
Veja mais em: http://www.tse.jus.br/hotsites/catalogo-publicacoes/pdf/estudos_eleitorais/estudos_eleitorais_v12-n3.pdf
Veja mais em: http://www.tse.jus.br/hotsites/catalogo-publicacoes/pdf/estudos_eleitorais/estudos_eleitorais_v12-n3.pdf
Referências
CONEGLIAN, Olivar. Propaganda Eleitoral: eleições 2014. 12ª Ed.
Curitiba: Juruá, 2014.
PECCNIN, Luiz Eduardo. Princípio da liberdade da propaganda política, propaganda eleitoral antecipada e o artigo 36-A da Lei Eleitoral. Paraná Eleitoral, Paraná, v. 2, n. 3. 2013.
ROLLO, Alberto. Propaganda eleitoral: teoria e prática – 2 ª ed. rev. e atual – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
ROLLO, Arthur. Mudanças recentes na lei eleitoral geram inseguranças a operadores do Direito. Disponível em:<http://www.conjur.com.br/2015-out-31/mudancas-lei-eleitoral-gera-inseguranca-operadores-direito>. Acesso em: 14/6/2016.
PECCNIN, Luiz Eduardo. Princípio da liberdade da propaganda política, propaganda eleitoral antecipada e o artigo 36-A da Lei Eleitoral. Paraná Eleitoral, Paraná, v. 2, n. 3. 2013.
ROLLO, Alberto. Propaganda eleitoral: teoria e prática – 2 ª ed. rev. e atual – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
ROLLO, Arthur. Mudanças recentes na lei eleitoral geram inseguranças a operadores do Direito. Disponível em:<http://www.conjur.com.br/2015-out-31/mudancas-lei-eleitoral-gera-inseguranca-operadores-direito>. Acesso em: 14/6/2016.
[1] TSE. Ac 19.905, rel. min Fernando Neves.
25/2/2003.
[2] Veja: ROLLO, Arthur. Mudanças recentes na lei eleitoral geram inseguranças a operadores do Direito.Disponível em :<http://www.conjur.com.br/2015-out-31/mudancas-lei-eleitoral-gera-inseguranca-operadores-direito.>. Acesso em: 14/6/2016.
[3] Foram vencidos os ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux e Napoleão Nunes Maia Filho.
[4] TRE-PE. RE 3-96.2016.6.17.0135, Relator: des. Paulo Victor Vasconcellos de Almeida. Julg: 8/4/2016.
[2] Veja: ROLLO, Arthur. Mudanças recentes na lei eleitoral geram inseguranças a operadores do Direito.Disponível em :<http://www.conjur.com.br/2015-out-31/mudancas-lei-eleitoral-gera-inseguranca-operadores-direito.>. Acesso em: 14/6/2016.
[3] Foram vencidos os ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux e Napoleão Nunes Maia Filho.
[4] TRE-PE. RE 3-96.2016.6.17.0135, Relator: des. Paulo Victor Vasconcellos de Almeida. Julg: 8/4/2016.
*Anna
Paula Oliveira Mendes é advogada pública, membro da Escola
Superior de Direito Eleitoral (ESDEL). Mestranda em Direito da Cidade pela Uerj
e bacharel em Direito pela mesma universidade.