Leia artigo publicado na Revista da
CAASP, nº 33, ano 7, Fevereiro 2018 :
Caixa
2 ou recursos não contabilizados foram as expressões mais utilizadas pelos
políticos em suas defesas às acusações da pratica ilegal do recebimento de
propina, seja para as campanhas eleitorais ou para enriquecimento ilícito
pessoal.
Na
verdade, como menciona o delator e ex-presidente de uma das maiores empreiteiras,
provavelmente não existe no Brasil candidato que não tenha utilizado Caixa 2.
Como em toda disputa, o importante é vencer as eleições e para isso partidos e candidatos
lançam mão da permissão de doações empresarias, o que levou o processo
eleitoral a uma enorme barganha entre o poder econômico e os políticos. Algumas
poucas empresas interessadas na relação com o poder público financiavam as
eleições em troca das benesses do político gestor ou apadrinhado. Isto também
gerou uma boa desculpa para o político mal intencionado que justificava os
altos custos das eleições para exigir recursos para as “campanhas”, ainda que
realmente não fosse utilizar estes recursos nas eleições e sim para uso
pessoal, como está claramente demonstrado em processos conhecidos.
Todos
estes fatores e o alto custo das eleições foram gerando um círculo vicioso no
qual candidatos precisavam dos financiadores e empresas dependiam de contratos
públicos para se manter. A cada eleição via-se uma elevação nos custos e nas
disputas, chegando a patamares absurdos. Como dependíamos de alteração na
legislação eleitoral para por um fim a este processo, não conseguíamos ter êxito
porque os parlamentares tinham e tem interesse na existência de financiadores
poderosos. Tudo isso levou o Conselho Federal da OAB, juntamente com
organizações da sociedade civil, capitaneados pelo MCCE – Movimento de Combate
à Corrupção Eleitoral, a ajuizarem uma ADI – Ação Direta de
Inconstitucionalidade das doações de pessoas jurídicas no STF, que resultou na
proibição de tal prática.
Obviamente
que o simples fato de tornar a doação de empresas ilegal não poria fim à prática
de Caixa 2 nas eleições, mas ao menos inibiria ou as tornaria mais visíveis. Em
verdade, a inexistência das doações empresariais reduziu substancialmente os
valores movimentados nas eleições, especialmente porque só restaram as doações
de pessoas físicas e o fundo partidário nas eleições de 2016.
É
preciso fazer uma menção a respeito da tipificação do uso de Caixa 2 nas
eleições porque não existe criminalização direta a esta prática nem no Código Eleitoral
e nem na Lei Eleitoral. Hoje o enquadramento se dá por falsidade ideológica,
artigo 299 do Código Penal e artigo 350 do Código Eleitoral, o que vem gerando
uma polêmica em torno da necessidade da criminalização específica em Lei do
Caixa 2.
Diz
o artigo 350 do Código Eleitoral: “Omitir, em documento público ou particular,
declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração
falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais”. A Lei
Eleitoral 9.504/97 também estabelece as normas para as eleições; o parágrafo
3.º do artigo 22 do referido diploma legal é cristalino: “O uso de recursos
financeiros para pagamentos de gastos eleitorais que não provenham da conta
específica de que trata o caput deste artigo implicará a desaprovação da
prestação de contas do partido ou candidato; comprovado abuso de poder
econômico, será cancelado o registro da candidatura ou cassado o diploma, se já
houver sido outorgado”. Pessoalmente entendo que se existir uma tipificação
penal específica para o Caixa 2, seria mais fácil o combate e a punição aos
infratores, evitando assim fragilidade no enquadramento.
Feitas
estas considerações, passemos às eleições gerais de 2018 e como imaginamos o
cenário em relação ao financiamento das campanhas.
Conforme
legislação aprovada no Congresso no contexto da chamada reforma política,
teremos nas próximas eleições um acréscimo de recursos vindos do Fundo
Eleitoral, ou seja,haverá financiamento com doações de pessoas físicas
limitadas a 10% dos rendimentos brutos do ano anterior (2017), utilização do
Fundo Partidário recebido pelos partidos, e agora um novo fundo chamado de
Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), oriundo de 30% das emendas de bancadas de
deputados e senadores no ano eleitoral, e aprovado para cobrir em parte o valor
que era doado pelas empresas e que foi proibido.
Infelizmente,
a aprovação deste fundo não veio com as contrapartidas necessárias ao uso de
recursos públicos. Ainda é muito incipiente a transparência do uso de recursos
públicos pelos partidos e candidatos, bem como as penalidades para os desvios e
o mau uso destes recursos, o que torna este novo fundo uma fonte muito apreciada
a quem se acostumou às praticas já mencionadas.
Logicamente
não se pode generalizar, destacando que existem os bons e maus políticos, mas
como já mencionado anteriormente a necessidade de se vencer eleições leva
sempre a algumas opções, ou não se disputa eleição por conta da necessidade de
se promiscuir ou se joga o jogo, ou se faz uma campanha espartana e sem grandes
expectativas e é isto que se busca mudar com a proibição das doações
empresarias e o combate ao Caixa 2.
Neste
cenário imaginar que não vai existir Caixa 2 seria ingenuidade, mas hoje temos
um olhar mais atento para este problema que gerou tantos males para o país e
para a política como um todo. A OAB nas eleições de 2016 fez uma campanha
contra o Caixa 2, criou um aplicativo para receber denúncias, estruturou
comissões de combate ao Caixa 2 e outras organizações em conjunto com a Justiça
Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral buscaram coibir esta prática. Tal
esforço certamente se repetirá no próximo pleito.
Hoje
os candidatos têm limite de gastos, bem como precisam lançar todos os
recebimentos e gastos praticamente online, o que permite ao cidadão comum verificar
pela internet esta movimentação e avaliar se o montante recebido com os gastos estão
compatíveis. Também é possível verificar a origem das doações, o que é
fundamental para se analisar se estão de acordo com um representante político.
Ainda
não é o ideal em termos de transparência e de dados fornecidos, mas já
avançamos bastante e ainda temos muito a avançar. Tenhamos em mente que a
política é um processo de debates e escolhas; que nós eleitores possamos fazer
as melhores escolhas.
* Luciano Caparroz Pereira dos Santos
é advogado, presidente da Comissão contra Caixa 2 nas Campanhas Eleitorais da
OAB-SP.