Leia
notícia publicada ontem no site do TSE:
O caso
envolve o repasse, por uma então candidata, de verbas destinadas à promoção de
mulheres na política a candidatos do sexo masculino
O Plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
manteve de forma unânime, na sessão desta quinta-feira (15), as cassações dos
diplomas dos vereadores de Rosário do Sul (RS) Jalusa Fernandes de Souza (PP) e
Afrânio Vasconcelos da Vara (PP), por uso ilícito de verbas do Fundo
Partidário. No caso concreto, Jalusa repassou parte dos recursos recebidos por
ela, destinados à promoção de candidaturas femininas, a candidatos do sexo
masculino, sendo um deles Afrânio. Esse foi o primeiro julgamento em que o TSE
examinou esse tipo de desvio.
Durante o julgamento, a Corte decidiu também que a
situação mencionada nos autos se enquadra nas hipóteses para o ajuizamento da
representação prevista no artigo 30-A da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997), que trata da
solicitação de abertura de investigação judicial para apurar condutas ilícitas,
relativas à arrecadação e aos gastos de recursos de campanha.
Desse
modo, os ministros do TSE confirmaram o entendimento do Tribunal Regional
Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS), que constatou que, de um total de R$
20 mil do Fundo Partidário recebido por Jalusa Fernandes de Souza, em
atendimento à determinação legal de promoção às candidaturas femininas na
política, R$ 10 mil foram repassados por ela a um concorrente ao cargo de
prefeito e R$ 2 mil a Afrânio Vasconcelos da Vara.
Ao rejeitar os recursos ajuizados pelos vereadores,
o ministro relator do caso, Luís Roberto Barroso, afirmou que o percentual
mínimo (5%) de recursos do Fundo Partidário, previsto no inciso V do artigo 44
da Lei dos Partidos Políticos (Lei nº
9.096/1995), para uso em programas de incentivo à participação das
mulheres na política – e mais especificamente para financiar candidaturas
femininas – “constitui uma importante ação afirmativa em favor das mulheres”.
Segundo o ministro, essa reserva de verbas do Fundo tem por objetivo corrigir o
problema da sub-representação feminina na política.
“E
decisões tanto do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto do TSE consolidaram a
diretriz de que assegurar a competitividade das candidaturas femininas é
indispensável para reduzir a desigualdade de gênero na política”, observou o
ministro. O relator afirmou que, para deter movimentos contrários às ações em
favor da promoção das mulheres na esfera política, “deve-se coibir e punir
estratégias dissimuladas para neutralizar as medidas afirmativas
implementadas”.
“Por essa razão, não há que se falar em afronta aos
artigos 44, V, da Lei nº 9.096 e 9º da Lei nº 13.165/2015, ao argumento de que são apenas dirigidos aos
partidos políticos, e não aos candidatos, sob pena de se permitir, por via transversa,
a utilização de recursos do Fundo Partidário em desacordo com a finalidade
prevista nestes dispositivos”, ressaltou Barroso.
O
magistrado afirmou que, no caso, o TRE gaúcho atestou a gravidade da conduta
praticada pelos candidatos eleitos ao entender que ficou configurado o uso
indevido por candidatura masculina de receita destinada à campanha feminina.
Barroso informou que o percentual de R$ 2 mil transferidos por Jalusa a Afrânio
representou 66% dos recursos utilizados pelo candidato na eleição. Já o total
de R$ 12 mil doados por Jalusa – dos R$ 20 mil obtidos do PP – significou 56%
de suas receitas de campanha.
“Ademais,
a recalcitrância em dar cumprimento a medidas cujo objetivo é conferir
efetividade à cota de gênero não pode ser minimizada, sob pena de que o TSE
venha a homologar práticas em franca colisão com os recentes avanços da
jurisprudência do Supremo e desta Corte, destinados a superar o caráter
meramente nominal da reserva de 30% de candidaturas para as mulheres”, reforçou
Barroso.
O
relator salientou que, de acordo com a decisão da Corte Regional, os políticos
envolvidos – incluindo a própria doadora – tinham ciência de que os recursos,
repassados de forma ilícita, eram verbas do Fundo Partidário voltados à
participação das mulheres na política. Barroso lembrou que modificar as
conclusões do TRE gaúcho exigiria o reexame de fatos e provas, o que não seria
possível no caso.
Representação
do 30-A
O
ministro salientou, ainda, que o desvirtuamento na aplicação dos recursos do
Fundo Partidário destinados à criação e à manutenção de programas de promoção
das mulheres na política pode ser apurado em representação por arrecadação e
gastos ilícitos em campanha.
“A
alegação de desvio de finalidade no uso desses recursos, caracterizado por sua
aplicação em campanhas eleitorais que não beneficiam a participação feminina,
constitui causa de pedir apta a ofender os bens jurídicos protegidos pelo
artigo 30-A da Lei nº 9.504”, destacou o ministro relator.
Votos
Ao
acompanhar na íntegra o voto do relator, o ministro Edson Fachin afirmou que o
caso é singular e admite perfeitamente a ordem de ideias a que chegou o
ministro Luís Roberto Barroso, para fixar um marco normativo. “Parece-me
cirurgicamente precisa a consequência. Ou seja, a destinação das sanções deve
levar em conta a autoria desse tipo de desvio de finalidade”, observou Fachin.
Já
o ministro Jorge Mussi, corregedor-geral da Justiça Eleitoral, lembrou que o
artigo 30-A da Lei das Eleições pune as condutas relacionadas à arrecadação e
aos gastos ilegais de campanha. “As ilicitudes havidas na arrecadação e
dispêndio de valores de campanha representam uma das maiores causas de
interferência na legitimidade do processo eleitoral, porquanto compromete um de
seus pilares, qual seja, a isonomia entre os candidatos”, disse Jorge Mussi.
Última
a votar, a presidente do TSE, ministra Rosa Weber, destacou a importância dessa
decisão do Tribunal para a valorização da representação feminina na política.
“O ser humano sempre engendra estratégias para desviar em condutas que não
merecem acolhida no Direito, em especial pela evocação do instituto da fraude,
e que merecem ser coibidas pelo Poder Judiciário. E, se nós temos políticas
afirmativas de gênero, todas essas manobras criadas pela imaginação humana, no
sentido de, justamente, impedir que essas ações afirmativas surtam efeitos,
devem ser coibidas”, destacou a ministra.
Com
base na decisão plenária desta quinta-feira, além de negar os recursos dos dois
vereadores com diplomas cassados, o TSE julgou prejudicadas as ações cautelares
movidas por ambos sobre o assunto.
EM/JB,
DM
Processos
relacionados: AI 33986 e
AC 0604167-12 (PJe) e AC 0604168-94 (PJe)