Leia
artigo publicado ontem na revista Consultor Jurídico:
O Plenário do Tribunal Superior Eleitoral
julgou, no dia 26 de fevereiro, três importantes casos em que foi analisado, em
todos eles, se as condutas realizadas pelos candidatos foram ou não capazes de
influenciar a normalidade do pleito. Os casos tratam da contratação e
exoneração de servidores em período eleitoral, sobre recursos de origem não identificada
na prestação de contas de candidato e da continuidade da execução do Programa
de Recuperação Fiscal (Refis) em ano eleitoral.
O Tribunal Superior Eleitoral, por
unanimidade, entendeu, no Recurso Especial Eleitoral 71.881 do Rio Grande do
Norte, que a contratação de servidores pelo prefeito candidato à reeleição
configura captação ilícita de sufrágio, nos termos do artigo 41-A da Lei
9.504, e abuso de poder político, artigo 22 da LC 64/90, cominando na
realização de novas eleições no município e na aplicação das sanções de
cassação do diploma, declaração de inelegibilidade e de multa.
A matéria de fundo do caso é a
contratação pelo prefeito, logo após tomar posse em decorrência da cassação da
prefeita eleita, de 186 pessoas para cargos comissionados e, após as eleições,
a partir de 4 de outubro de 2016, a exoneração 82 servidores. O número de
servidores nomeados correspondeu a cerca de 80% dos cargos efetivos existentes
no município e, dentre as nomeações, impressionou o número de nomeados ligados
às lideranças políticas.
O relator do acórdão, ministro Luís
Roberto Barroso, consignou que, dentre as premissas fáticas delineadas no
acórdão regional, é possível extrair a configuração do ilícito, tendo em vista
a utilização da máquina administrativa municipal em prol da candidatura do
recorrente. Além disso, entendeu que a conduta se reveste de gravidade
suficiente para macular a lisura do pleito, desequilibrar a igualdade entre os
candidatos e afetar a normalidade das eleições. Por esses motivos, negou
provimento ao recurso especial, sendo acompanhado pelos demais ministros.
Após pedido de vista feito em sessão
anterior, o tribunal prosseguiu no julgamento do agravo regimental interposto
pelo Ministério Público contra decisão monocrática do ministro Jorge Mussi
negando seguimento ao recurso especial. A discussão travada questiona se o
montante de aproximadamente R$ 50 mil tido como recurso de origem não
identificada na prestação de contas do agravado é apto (ou não) a gerar a
cassação do diploma do mesmo.
O voto do ministro relator Jorge Mussi
consignou que a captação ilícita de recurso pode ocorrer por caixa dois,
movimentação financeira estranha à prestação de contas que, uma vez comprovada
a prática, é suficiente para gerar a cassação. A segunda é o recurso que,
devidamente declarado na prestação de contas, tem sua origem ilícita. Nesse
caso, contudo, há a necessidade da prova da origem ilegal do valor, não
bastando que, por ter origem desconhecida ou não comprovada, venha carregada de
ilicitude.
Ainda sob a ótica do ministro, o patamar
probatório para uma condenação, no caso, não foi alcançado, tendo em vista que
não pôde concluir, ao menos nos autos, que houve a prática de caixa dois e,
tampouco, a origem ilícita dos recursos. Houve a irregularidade dos depósitos,
circunstância que, a seu sentir, não demonstra, em si mesma, a gênesis ilícita
dos recursos alegada pelo Ministério Público Eleitoral.
Antes do pedido de vista do ministro Og
Fernandes, o ministro Barroso abriu divergência para votar no sentido de dar
provimento ao agravo do Ministério Público e pelo consequente provimento do
recurso especial eleitoral.
A seu ver, a exigência de que as doações
acima de R$ 1.064 sejam feitas mediante transferência bancária não é meramente
formal. Isso porque se busca assegurar a verificação da origem dos
recursos que ingressaram na campanha eleitoral. O artigo 30-A da Lei
9.504/97 incide sobre a captação ou gasto de recursos para fins eleitorais que
se deem em desacordo com as normas aplicadas.
Prossegue afirmando que a arrecadação de
83,23% das verbas de campanha, correspondentes aos R$ 50 mil, por depósito
identificado, em afronta a regra acima referida e sem justificativa plausível,
não permite verificar a origem do montante. Entende que a conduta configura, portanto,
captação ilícita de recursos, o que compromete a transparência das contas de
campanha, dificultando o rastreamento dos recursos do montante de forma
proposital.
Afirma que, no caso, tem-se que a maioria
dos depósitos se deu após o período eleitoral e advieram, em tese, de
recursos do próprio candidato, sem justificativa para o descumprimento da regra
de transferência entre contas. Nesses casos, a seu ver, ainda que o candidato
comprove sua capacidade econômica, tem-se uma vantagem ilegítima em relação aos
demais competidores, que seguem as normas e tem suas campanhas financiadas por
recursos rastreáveis. Trata-se de uma quebra patente e grave da paridade de
armas, apta a desequilibrar a disputa e ferir a legitimidade do pleito.
Por fim, outro relevante caso julgado na
corte, discutiu se a concessão do benefício fiscal do Refis, em período
eleitoral, se enquadraria no conceito do parágrafo 10 do artigo 73 da Lei
das Eleições, de distribuição gratuita de benefícios.
O ministro Luiz Edson Fachin, em seu voto,
cita a consulta 36.815, sobre o mesmo tema, julgado pelo Plenário do tribunal,
que indicou que, para apuração da configuração da conduta vedada no caso do
programa do Refis, deve ser apreciada a hipótese sempre com base no quadro
fático extraído do caso concreto.
No caso, o ministro defendeu que a
redução dos valores de multas e juros de mora, que variaram entre 80% e 90%,
foram concedidas sem a exigência de contraprestação específica por parte do
cidadão contribuinte. Afirmar que o desconto só seria concedido mediante
pagamento da dívida tributária e porquanto estaria afastado o critério da
gratuidade, a seu modo de ver, traduziria a compreensão da inexigência do
contribuinte de adimplir com o tributo devido.
Essa técnica de concessão de benesses ao
devedor do Fisco sem exigência de contraprestação, nos termos do voto do
ministro, caracteriza o benefício gratuito previsto na lei, segundo a qual é
proibida a conduta de distribuição de benefícios por parte da administração
pública nos anos da eleição.
Por outro lado, o ministro Tarcísio
entendeu que o programa do Refis, postura tradicional da maioria esmagadora dos
entes da federação, funciona como uma espécie de regulação da própria
capacidade contributiva. O programa diz respeito aos créditos podres, ou seja,
aqueles que, por terem determinados valores de alçada, sequer seriam cobrados
judicialmente, dependendo de processo de execução fiscal nos quais o proveito
econômico é muitas vezes inferior ao obtido judicialmente. Dessa forma, além de
não haver como presumir o caráter eleitoreiro do programa, questiona se a
regularização tributaria, cujo efeito é pagar tributos, poderia ser considerada
“receber benefícios gratuitos da administração”, para caracterização da conduta
vedada.
O ministro sugeriu que fosse dado
provimento ao agravo regimental para que o recurso especial pudesse ser
devidamente processado, oportunizando a sustentação oral das partes e seu
julgamento de maneira colegiada. Foi acompanhado pelos demais ministros,
inclusive pelo ministro Fachin.
* Luiza Veiga é advogada especializada em
Direito Eleitoral e ex-estagiária de ministro do TSE.