Leia matéria publicada hoje no jornal O Globo:
POR CRISTIANE JUNGBLUT E CAROLINA
BRÍGIDO
Impasse no Congresso deve fazer com que tema
migre para o Judiciário
BRASÍLIA
— Os parlamentares costumam fazer críticas ao que consideram interferência
do Judiciário em assuntos do Legislativo, mas a reforma
política poderá ser o próximo assunto que acabará nas mãos dos ministros
do Supremo Tribunal Federal (STF), por falta de ação dos próprios
deputados. O alerta foi feito pelo presidente do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, em encontros com
congressistas para tratar da votação da reforma política pela Câmara.
O tema que poderá migrar do Legislativo para o Judiciário é o
que trata das coligações entre os partidos nas eleições proporcionais.
Essa
é considerada uma das principais disfunções do sistema eleitoral brasileiro,
uma vez que os eleitores escolhem para representá-los na Câmara deputados de
uma linha ideológica e podem acabar elegendo outros, com bandeiras muito
distintas. Em 2010, por exemplo, os eleitores de São Paulo que votaram em
Tiririca (PR) para deputado acabaram ajudando a eleger Protógenes Queiroz
(PCdoB). Além disso, a avaliação majoritária hoje no STF é que as coligações
partidárias foram focos de irregularidades apontadas pelas próprias
investigações da Lava-Jato e que não seria possível manter o atual sistema na
eleição de 2018.
O
caso seria discutido usando uma brecha em ação já em análise no STF, caso a
Câmara não consiga avançar na votação da reforma política. O alvo é uma ação
ajuizada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que trata da
distribuição das vagas decididas pelo atual modelo.
NOVELA SEM FIM
A
três semanas do fim do prazo para aprovar e sancionar qualquer mudança na
legislação, a reforma política ganhou contornos de novela na Câmara. Os
parlamentares não vencem o impasse, e a próxima semana é considerada a última
para alguma votação, até porque depois a pauta será paralisada com a chegada da
segunda denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra o presidente Michel
Temer.
Em
recente entrevista ao GLOBO, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que o STF
poderia mudar as regras de coligações em eleições proporcionais se for
apresentada ação questionando a regra.
—
Há problemas no sistema brasileiro que comprometem a Constituição. Por exemplo,
as coligações em eleições proporcionais violam a Constituição. É muito fácil
demonstrar. Se o PT se coligar em determinada eleição com o PRB, o eleitor que
votou numa líder feminista do PT pode estar elegendo um pastor evangélico do
PRB. Ou vice-versa. Isso é uma fraude ao princípio representativo. O meu voto
foi parar num lugar que eu não queria. Isso é inconstitucional. Eu acho que, se
o Congresso não mudar, o Supremo pode — disse o ministro Barroso.
Outros ministros da Corte também já se pronunciaram publicamente
contra a regra da coligação proporcional, embora não tenham deixado explícito
se a Corte pode alterar a lei em vigor. Recentemente, o ministro Ricardo Lewandowski
disse concordar com a mudança na regra.
—
Queremos o melhor sistema possível. O sistema atual provou-se falho,
evidentemente. O voto proporcional com coligações tem apresentado distorções
reconhecidas pelos especialistas, pelos políticos. Isso precisa ser modificado
— disse Lewandowski.
Único
ministro indicado pelo presidente Temer, Alexandre de Moraes é mais um a
reclamar da regra em vigor na disputa eleitoral.
—
O nosso sistema infelizmente não funciona mais. Porque nós tivemos o erro,
cometemos o erro de adotar o sistema proporcional com coligação partidária sem
uma cláusula de desempenho. Ou seja: o erro não é do sistema proporcional, é do
desvio do nosso sistema proporcional. O nosso não funciona. É hora de fazer
reforma política, mas, ao que me parece, seja pelo que vem sendo discutido,
seja pelo pouco tempo para aplicar na eleição do ano que vem, nós não
chegaremos a um bom termo.
VOTAÇÃO “CASADA” DIFICULTA
O
presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), tentou votar as propostas
de reforma política na última quarta-feira, mas, mais uma vez, o resultado foi
um fracasso. Na próxima terça-feira, haverá nova tentativa. Muitos líderes
partidários, porém, já não acreditam na possibilidade de aprovar algo.
Há
duas propostas de emenda constitucional: a PEC relatada pela deputada Shéridan
(PSDB-RR), que trata justamente do fim das coligações nas eleições
proporcionais e da adoção de uma cláusula mínima de desempenho para os
partidos; e a PEC relatada por Vicente Cândido (PT-SP), que quer mudar o
sistema eleitoral e criar um fundo público para políticos. Essa última é
considerada mais polêmica, mas, como está sendo negociada de forma casada com a
outra, ainda não houve avanço.
O
líder do DEM na Câmara, deputado Efraim Filho (PB), disse estar claro que o STF
tomará alguma medida para disciplinar as eleições se o Congresso nada fizer.
Efraim fez esse alerta inclusive na última sessão, quando o impasse permaneceu.
—
Se o plenário agir com omissão ou inércia, o vazio será ocupado pelo TSE ou
pelo STF. E não poderemos reclamar — disse Efraim, acrescentando: — O clima de
hoje é a pauta travada. A maioria quer a mudança do sistema eleitoral, mas não
tem quorum para aprovar. Não há os 308 votos necessários para aprovar PEC.
Efraim
lembrou que o TSE já tomou a iniciativa de definir a fidelidade partidária em
questionamento apresentado pelo próprio DEM. No caso da proibição do
financiamento privado nas campanhas eleitorais, a decisão foi do STF. Por isso,
o líder acredita que o Judiciário encontrará algum instrumento jurídico para
esclarecer as questões também desta vez.