Contribuição
para Seminário “Diálogos Congresso em
Foco”,
em Brasília
Chico Whitaker, 14 de julho de 2016
A busca de soluções para a atual crise e
para a crise permanente em que vive nosso país tem evidentemente que considerar
muitos e diferentes aspectos e áreas. O mínimo que se pode dizer é,
acacianamente, que a questão é extremamente complexa... Ao abordá-los a
quantidade de fatores e raízes do imbroglio
só aumenta nossa perplexidade. Propostas que considerem somente alguns desses fatores
e raízes nem mereceriam ser ouvidas. Mas não temos outro remédio senão o de
fazê-las, para que pelo menos se submetam ao crivo de outras opiniões.
Além disso é certo que não superaremos
nossas crises de um só golpe – usando esse termo no seu sentido geral e não
referido ao golpe de que muito se fala nos dias de hoje. Nem salvadores da
pátria, nem geniais técnicos, nem revoluções politicas conseguirão achar caminhos
que levem de uma só vez às portas de saída. E se nos aproximarmos dela podemos
conhecer frustrantes voltas para trás. Infelizmente não temos senão a
alternativa da reforma, isto é, do pouco a pouco. Com um acumulo infindável de
pequenas e grandes mudanças não somente nas estruturas como também nas cabeças
das pessoas.
A solução que resta é escolher bem cada
passo a ser dado. Buscando mudanças que nos façam sair do círculo vicioso e
entrar numa dinâmica virtuosa.
Neste sentido eu ousaria dizer que um dos
grandes nós da nossa vida política é o nosso Parlamento. Ele é a instituição
básica no funcionamento da democracia representativa, que adotamos em praticamente
todos os países do mundo, em regimes parlamentaristas ou presidencialistas, com
maiores ou menores distorções. No Brasil elas são muitas, e nelas se encontram
as raízes de muitos dos problemas que vivemos. Focar nas mudanças a fazer nos
nossos Parlamentos – em todos os seus níveis – é portanto uma escolha
estratégica que pode dar bons frutos.
É de fato no Parlamento que interage a
chamada “classe política”. Ela vive lá dentro, dialogando, como ela gosta de
dizer, ou se destruindo mutuamente, numa permanente busca de poder. Para assegurar
sua reeleição, ela sai desse espaço, vez por outra, uns mais outros menos, para
falar diretamente com os eleitores. Em seu conjunto ela está continuamente
escalando os diversos níveis de Parlamento. Há os que o deixam temporariamente
para exercer funções no Executivo, mas a ele sempre voltam. O caminho natural para
quem se disponha a ser “politico” é o da entrada num Parlamento, a partir de
baixo, nas Câmaras de Vereadores, ou se possível diretamente até em seus níveis
mais altos, como o Senado.
E é o Parlamento que de fato dispõe de todo
o poder, ao definir as leis que regularão a vida social e econômica das
pessoas, empresas e organizações sociais e a própria estrutura e ação tanto do
Executivo como do próprio Judiciário. A Constituição, lei máxima, sai de um Parlamento
Constituinte e só pode ser modificada pelos Parlamentos que o sucederem. Nenhuma
política social ou econômica do Executivo assim como nenhuma reforma estrutural
no país pode ser realizada sem a autorização legal dada pelo Parlamento. E é a
falta de autorização “legal” para tomar esta ou aquela decisão que pode levar
ao “impeachment” de um governante,
decidido também pelo Parlamento, até quando presidido pelo chefe do Judiciário.
Não é à toa que a chamada “governabilidade” buscada por todos os Executivos
depende necessariamente da composição do Parlamento.
Numa democracia representativa o Parlamento
tem também outro papel, além daquele de legislar, que é o de fiscalizar o
Executivo. Com isso, até a corrupção - maneira mais fácil de ganhar dinheiro no
capitalismo e no socialismo que dele não se libertou – poderia diminuir se o
Parlamento exercesse como deve esse outro papel. Uma das mais graves distorções
da democracia representativa no Brasil é exatamente a do nosso Parlamento ter
sido contaminado profundamente por essa doença de todo Poder que se instala e
que pode gangrenar toda a sociedade. No nosso caso, muitos – a maioria? – dos
nossos parlamentares vêm sua entrada em qualquer nível de Parlamento como a melhor
forma de enriquecer. Em vez de fiscais do Governo eles se tornam sócios das
empresas que dele dependem, para assaltar os cofres públicos e serem padrinhos
ou protetores dos que, dentro do governo, tenham as chaves desses cofres. A
Lava Jato, abrindo as vísceras de nosso sistema político, está ai para mostrar
que não minto.
Mas se estou chovendo assim no molhado com coisas
que todos estão cansados de saber é para dizer que, se o parlamento é o nó da nossa
vida política, ele se torna um nó górdio, impossível de ser desfeito - e
ninguém deseja que o seja de modo brutal - si duas condições ocorrerem: primeiro,
se for má a qualidade dos parlamentares, quanto ao seu nível de conhecimento
para tomar decisões adequadas e quanto ao seu nível de comprometimento com os
interesses gerais e não com seus interesses pessoais, assim como com os
princípios éticos que podem ajudar a encontrar soluções duradouras para os
problemas: e, segundo, se eles não representarem os interesses da população, em
sua enorme diversidade de necessidades e anseios, e sim interesses particulares
que estejam dominando, em seu benefício exclusivo, as decisões políticas, o uso
dos recursos públicos e a vida coletiva.
Nossas enormes distorções, devidas ao que
aqui ocorre quanto a essas duas condições, se tornaram mais do que visíveis para
todos na votação televisionada da abertura do processo de impeachment de Dilma na Câmara de Deputados. Ficou evidente que
infelizmente a grande maioria de nossos representantes, na Câmara dos
Deputados, mais do que tudo nos envergonham. E se a vida pública deles começa
ao nível municipal, o que diríamos do que se passa nesse nível, se pudéssemos
seguir suas sessões pela TV...
Esse drama brasileiro é sentido pela
própria população, como o demonstram as pesquisas de opinião sobre a
credibilidade de nossas instituições, em que o Parlamento aparece
vergonhosamente entre as menos respeitadas. Mas é preocupante ouvir, em
discursos de candidatos à Presidência da Câmara do Deputados no dia de ontem,
uma pergunta que poderia ser tudo menos ingênua: porque essa falta de
credibilidade, se nós estamos aqui para servir ao Brasil?...
Se o que estou dizendo tem algum sentido, a
luta pela melhoria da qualidade dos nossos Parlamentos deveria ter uma especial
prioridade.
É triste pensar que tal mudança é especialmente
demorada, porque depende de uma elevação generalizada da consciência política
da sociedade, que é quem deve escolher seus representantes, como todos nós
achamos. E é pouco animador pensar que toda mudança legislativa, entre as
muitas necessárias nessa perspectiva, depende do Parlamento que temos. Mas se
outras coisas podem ser feitas para superar nossas crises, teremos
obrigatoriamente que também trilhar este caminho.
Precisamos sem dúvida aprofundar a tomada
de consciência geral do avanço que constituiu a declaração de
inconstitucionalidade do financiamento de campanhas eleitorais por empresas, uma
das práticas que abre largas portas às “associações de malfeitores” - ou a
“formação de quadrilhas”, nos termos jurídicos usados. Sendo que essas práticas
não podem senão estimular o crescimento da corrupção nas demais áreas da vida
social. Campanhas financiadas por eleitores e por recursos públicos talvez
permitissem que nossos parlamentares representassem o povo e não interesses particulares
como o das empresas que os financiavam. O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral
e o próprio Ministério Público Federal já lançaram campanhas e instrumentos
para que esse passo seja dado já nas eleições municipais deste ano. Precisamos
participar desses esforços.
Teríamos também que multiplicar cursos,
debates, publicações em torno da “representação política”, visando as eleições
de 2018, para que os eleitores tomem consciência de que está em suas mãos
melhorar a qualidade dessa representação. Como escolher aquele em quem se
votará, com que critérios? Dado o baixo nível de conhecimento sobre as próprias
funções dos vereadores, deputados e senadores, esse trabalho teria que se
estender ao longo deste e do próximo ano e ganhar intensidade no momento das
eleições de 2018, para elevar um pouco que seja o nível político dos eleitos
para o Congresso Nacional, que certamente será chamado a decidir sobre a reforma
política que cada vez mais gente está exigindo.
Um outro tipo de mudança constitucional que
poderia ter efeitos profundos na qualidade da representação política é o fim da
profissionalização dessa representação. Já há uma Iniciativa Popular de Lei
nesse sentido, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral de São Paulo
juntamente com outras organizações, propondo a limitação do número de mandatos
consecutivos nos Parlamentos. É uma Iniciativa ainda pouco conhecida, mas um
esforço de coleta de assinaturas contaria rapidamente com apoio popular. E ela
poderia ter o mesmo sucesso das Iniciativas Populares contra a compra de votos
(lei 9840/99) e da Ficha Limpa, que já visavam melhorar a qualidade de nossos
Parlamentos.
O patrão do “emprego de político” é o povo,
que renova ou não o mandato – que poderíamos chamar de “contrato” - a cada
quatro anos. Isto cria no eleito uma doença obsessiva que pode ser chamada de
“síndrome da reeleição”, frente ao risco de ser “despedido”, que o ataca desde
o primeiro dia de seu mandato, tornando-o presa fácil da corrupção, ao buscar
recursos para financiar sua próxima campanha até onde não deve. Agarrado também
às inúmeras “mordomias” e ao poder que esse tipo de trabalho lhe garante, seu
comportamento político, nas votações, passa a ser guiado mais pelo efeito
eleitoral das mesmas do que pelos seus princípios e opções políticas. Livrá-lo
dessa doença melhoraria, assim, a qualidade de sua atuação parlamentar, que é o
que temos que buscar. E a limitação do número de mandatos abriria espaço para
uma renovação – que pode ser para melhor – na composição do parlamento, nada
impedindo que a experiência acumulada de bons parlamentares, que não deve ser
perdida, seja colocada a serviço dos novos, melhorando também o próprio
funcionamento dos partidos.
No vento dessas mudanças teríamos também
que introduzir na Constituição o mecanismo do recall, pelo qual os
eleitores possam retirar o mandato de um representante eleito que demonstre não
ter capacidade e postura ética para representa-los. Ele foi cogitado na Constituinte
de 88 e abandonado. É hora de retomá-lo.
Já numa perspectiva de tornar as próprias
decisões legislativas mais fiéis ao sentimento da maioria
dos cidadãos e cidadãs, seria fundamental também retirar do Legislativo o poder
exclusivo de autorizar plebiscitos e referendos. É preciso criar regras para
que os próprios eleitores determinem que eles sejam realizados, sem
banalizá-los, em todos os níveis de governo. Essa porta para uma democracia
semidireta, visando superar as insuficiências da democracia unicamente
representativa, foi aberta pelos constituintes de 88. Mas a forma como a
regulamentaram a deixaram somente entreaberta, quase fechada... Assim como, com
o mesmo objetivo, seriam necessárias normas que facilitassem o uso da
Iniciativa Popular de Lei e lhe garantissem prioridade na sua tramitação no
Congresso.
CW
14/07/2016
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