Além
do voto nulo por ato do eleitor, do qual tratamos no post anterior, existe
também no direito eleitoral brasileiro a possibilidade de que votos dados pelo
eleitor a determinado candidato sejam declarados nulos ou sejam anulados pela Justiça Eleitoral.
De acordo com o art. 220, é nula a votação: I - quando feita perante mesa não nomeada
pelo juiz eleitoral, ou constituída com ofensa à letra da lei; II - quando efetuada em folhas de votação
falsas; III - quando realizada em dia, hora, ou local diferentes do designado
ou encerrada antes das 17 horas; IV -
quando preterida formalidade essencial do sigilo dos sufrágios; V - quando a seção eleitoral tiver sido localizada com
infração do disposto nos §§ 4º e 5º do art. 135.
De acordo com o art. 221, é anulável
a votação: I - quando houver extravio de documento reputado essencial; II - quando fôr negado ou sofrer
restrição o direito de fiscalizar, e o fato constar da ata ou de protesto
interposto, por escrito, no momento; III - quando votar, sem as cautelas do
Art. 147, § 2º:
a) eleitor excluído por sentença não cumprida por ocasião da remessa das folhas
individuais de votação à mesa, desde que haja oportuna reclamação de partido; b)
eleitor de outra seção, salvo a hipótese do Art. 145; c)
alguém com falsa identidade em lugar do eleitor chamado.
O art. 222
estabelece que é também anulável a
votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata
o Art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios
vedado por lei.
Além desses
dispositivos do Código Eleitoral, outros há no ordenamento jurídico que
estabelecem a cassação do diploma ou a perda do mandato eletivo pelo
cometimento de irregularidade atentatória à lisura do pleito, e a consequente
anulação dos votos dados ao candidato vencedor da eleição e condenado pela
Justiça Eleitoral.
Cumpre mencionar as hipóteses de abuso
do poder econômico, corrupção ou fraude, a fundamentar a propositura de Ação de
Impugnação de Mandato Eletivo, prevista na Constituição (art. 14, § 10) ; de
irregularidade relativa à arrecadação e aos gastos de recursos em campanhas
eleitorais (art. 30-A da Lei nº 9.504/97) ; de captação ilícita de sufrágio (art.
41-A da Lei nº 9.504/97) ; da prática de condutas vedadas a agentes públicos em
campanhas eleitorais (art. 73, § 5º, da Lei nº 9.504/97).
São dispositivos que visam a assegurar
a sinceridade do escrutínio, e que partem do princípio de que há ocorrências que
tornam inválida a manifestação do eleitor, embora ele tenha escolhido esse ou
aquele candidato. E que conferem à Justiça Eleitoral o poder de declarar nula a
votação ou de anulá-la, e de determinar a cassação do diploma do eleito ou a
perda do mandato eletivo.
Há que se
mencionar ainda a possibilidade de perda do mandato eletivo em razão de
indeferimento do pedido de registro de candidatura, pela ausência de uma das
condições de elegibilidade previstas na Constituição (art. 14, § 3º) ou por incidência
de alguma das causas de inelegibilidade previstas na LC nº 64/90 (Lei das
Inelegibilidades), com redação dada pela LC nº 135/10 (Lei da Ficha Limpa).
Como dito, a condenação pela Justiça
Eleitoral com fundamento em qualquer dessas hipóteses gera a anulação dos votos
dados ao candidato, que pode já ter sido eleito e estar no pleno exercício do
mandato eletivo obtido irregularmente.
Nas
eleições majoritárias, para a chefia do Poder Executivo nas três esferas
(presidente, governador e prefeito), sempre que a nulidade da votação, nulidade
essa reconhecida pela Justiça Eleitoral, com base em qualquer dos referidos fundamentos,
atingir mais de metade dos votos, deve ser marcada nova eleição, denominada
suplementar.
É o que se depreende do disposto no
art. 224 do Código Eleitoral:
Art. 224. Se a nulidade
atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do
Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições
municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará
dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.
Houve
quem alegasse a inconstitucionalidade superveniente do disposto no art. 224 do
Código. Isso porque o disposto nesse artigo não teria sido recepcionado pela
ordem constitucional instaurada em 1988. O fundamento seria a norma contida no
art. 81 da Lei Maior: “Vagando os cargos
de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias
depois de aberta a última vaga. § 1º -- Ocorrendo a vacância nos últimos dois
anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta
dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei. § 2º --
Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus
antecessores”.
Para
os defensores da tese da inconstitucionalidade, a incompatibilidade entre os
dois textos estaria no fato de que a Constituição não estabelece condições,
como faz o art. 224 do Código, para a realização de nova eleição ; assim, seria
sempre devida a realização de nova eleição, mesmo que o número de votos
invalidados fosse inferior à metade, sendo inconstitucional a investidura do
segundo colocado.
Até
o presente momento essa tese não foi acolhida pela maior parte da doutrina nem
pela jurisprudência. Nas palavras de José Jairo Gomes[1],
“enquanto o art. 224 cuida da validade da
eleição, que é requisito indeclinável da proclamação dos resultados e
diplomação dos eleitos, o artigo 81 estabelece critérios para o preenchimento
dos cargos que alude em caso de vacância ocorrida durante o exercício do
mandato, pressupondo, portanto, que os cargos já estejam regularmente
preenchidos e seus titulares devidamente investidos. Na verdade, o artigo 81
visa evitar que haja vácuo no poder estatal em razão de vicissitudes ocorridas
durante o exercício do mandato que levam à vacância deste. A investidura em
cargo público-eletivo decorre da diplomação, a qual requer a proclamação do
eleito e a validade da eleição. Destarte, tais dispositivos operam em momentos
lógica e juridicamente inconfundíveis, regulando situações diversas, sendo
impossível haver conflito normativo entre eles. O conflito, se houver, é
meramente aparente.”
Segundo
essa maneira de ver, o art. 224 do Código foi recepcionado pela Constituição de
1988, sendo correta a interpretação a contrario
sensu desse artigo, segundo a qual se os votos anulados do vencedor forem
inferiores à metade, os votos dos demais candidatos permanecem válidos, e a
vitória deve ser atribuída ao segundo colocado.
Além
da constitucionalidade, a legitimidade dessa solução também já foi posta em
dúvida, pela razão de que a eleição suplementar teria a finalidade de evitar
que a minoria assumisse o poder, devendo ser prestigiado o princípio da
maioria; e também porque o segundo colocado não foi eleito, não devendo assumir
a chefia do Poder Executivo, sendo necessária a realização de novo certame
político. Porém, há que se levar em conta a ponderação feita por José Jairo
Gomes [2] : “a chapa vitoriosa só o foi em virtude do
benefício propiciado pelo abuso de poder, do qual decorreu a anulação dos votos
e a conseqüente extinção dos mandatos. Não fosse isso, é razoável pensar que o
segundo colocado teria se sagrado vencedor ; só não o foi porque as eleições
ficaram desequilibradas em seu desfavor. E mais: com a anulação, deixam os
votos de ser computados para todos os efeitos, avultando a posição do segundo
colocado que, na verdade, passa a ocupar o primeiro lugar do certame”.
Note-se
que o art. 224 do Código foi redigido tendo em vista eleições majoritárias
decididas por maioria simples, em um turno só, como ocorria na época em que o
Código entrou em vigor; porém a Constituição de 1988 prevê a realização de
eleições em dois turnos, razão pela qual o TSE teve que esclarecer se o art.
224 do Código aplica-se à hipótese anulação de votos por abuso cometido em
eleição decidida em dois turnos.
Para
as eleições gerais de 2014, o TSE dispôs, por meio da Resolução nº 23.399/13,
relativa aos atos preparatórios para as eleições, que “se houver segundo turno
e dele participar candidato que esteja sub
judice e que venha a ter o seu registro indeferido posteriormente, caberá
ao Tribunal Eleitoral verificar se, com a nulidade dos votos dados a esse
candidato no primeiro turno, a hipótese é de realizar novo segundo turno, com
os outros dois candidatos mais votados no primeiro turno, ou de considerar
eleito o mais votado no primeiro turno; se a hipótese for de realização de novo
segundo turno, ele deverá ser realizado imediatamente, inclusive com a
diplomação do candidato que vier a ser eleito” (art. 222, IV).
Tudo
o que foi dito, como visto, refere-se às eleições para a chefia do Poder
Executivo nas três esferas.
Quanto
à eleição para o Senado, a questão é raramente debatida, mas entendo que se
aplica o art. 224 do Código Eleitoral. Trata-se de eleição majoritária, que
obedece ao princípio da maioria simples (como eram aliás as eleições para
chefia do Executivo na época em que o art. 224 foi redigido). Note-se que o
art. 224 diz “Se a nulidade atingir a mais de metade
dos votos (...) do Estado nas eleições federais
e estaduais (...)” (grifamos). Ora, a eleição para o
Senado é uma eleição em que a circunscrição eleitoral é o Estado, mas é uma
eleição para cargo federal, hipótese que foi expressamente contemplada na letra
do dispositivo. Sendo assim, se o candidato vencedor tiver obtido mais da
metade dos votos, excluídos os brancos e nulos, e essa votação vier a ser anulada
pela Justiça Eleitoral, deve ser convocada nova eleição. Se a votação for
inferior à metade, o segundo colocado será sagrado vencedor.
Nas eleições proporcionais
(deputado federal, deputado estadual e distrital, vereador), em que concorrem
candidatos em grande número, não há que se cogitar de vitória obtida com mais
de 50% dos votos na circunscrição. Nessas eleições, se o pedido de registro é
indeferido depois da eleição, ou se o parlamentar tem o diploma ou o mandato
cassados por irregularidade cometida na campanha eleitoral, os votos
respectivos são anulados e procede-se ao recálculo do quociente eleitoral.