Em
27 de junho de 2019, num julgamento polêmico, a Suprema Corte dos Estados
Unidos decidiu excluir da apreciação do Poder Judiciário federal a nefasta
prática do gerrymandering, quando
praticado por motivações partidárias.
Na
ocasião, foram julgados conjuntamente dois casos em que os desenhos dos distritos
eleitorais eram questionados sob acusação de gerrymander partidário.
Como se sabe, as eleições
legislativas nos EUA são majoritárias uninominais (distritais). A cada dez
anos, depois do censo decenal, ocorre a
redistritalização, isto é, o redesenho dos contornos dos distritos, com a
finalidade de atender ao princípio uma pessoa, um voto.
Na
maior parte dos Estados, esse redesenho incumbe às Assembleias Legislativas.
Acontece que as Assembleias Legislativas são órgãos políticos, compostos por
representantes eleitos. Assim, elas tendem a redesenhar os contornos dos
distritos com base nos mapas eleitorais, de modo a favorecer, se não garantir,
a eleição de parlamentares filiados ao partido dominante na Casa. Esse fenômeno
é conhecido como gerrymander [1].
A natureza antidemocrática dessa
prática é evidente. Mas, no julgamento conjunto dos casos Rucho v. Common Cause (Carolina do Norte) e Lamone v. Berisek (Maryland), a Suprema Corte de maioria
conservadora estimou, por 5 votos a 4, que a prática do gerrymander, quando motivada por interesses partidários, integra o
restrito rol das chamadas “questões políticas” que não estão sujeitas a
apreciação do Poder Judiciário federal.
Nem
todo gerrymander é praticado unicamente
com vistas a favorecer um ou outro partido. Nos EUA são frequentes os casos de gerrymander com objetivo de desfavorecer
minorias raciais, ou ainda em violação do princípio uma pessoa, um voto.
Nesses
casos, a Corte entende que as questões suscitadas pela redistritalização podem
sim ser submetidas a julgamento por cortes federais.
No caso relativo aos distritos
congressuais da Carolina do Norte, os demandantes alegavam que a
redistritalização diluia o voto dos Democratas; em Maryland, dos Republicanos.
Não restou a menor dúvida de que em ambos os casos as Assembleias Legislativas praticaram
gerrymander partidário.
Os demandantes sustentaram que essa
prática viola a Primeira Emenda, a Cláusula da Igual Proteção da 14ª Emenda, a
Cláusula Eleitoral (art. I, §4), e o artigo I, §2, da Constituição.
Nos
dois casos, as cortes inferiores julgaram procedentes os pedidos.
Mas,
no julgamento em cotejo, a Suprema Corte estimou que não há critérios claros,
funcionais e politicamente neutros para apurar se um determinado desenho é
justo.
O
próprio relator, Juiz Roberts, admitiu que o gerrymander é uma prática indesejável, que deve ser suprimida,
tecendo loas aos Estados em que a competência para desenhar os contornos dos
distritos é atribuída a comissões independentes, e não mais às Assembleias Legislativas.
Em seu enfático voto dissidente, a Juíza Kagan afirmou
que “Pela primeira vez na história, esta
Corte recusa-se a por fim a uma violação constitucional porque estima que a
tarefa está além da capacidade judicial. E não se trata de uma violação constitucional
qualquer. O gerrymander partidário nos presentes casos privou os cidadãos do
mais fundamental de seus direitos constitucionais: o direito de participar
igualmente do processo político, de se juntar a outras pessoas para defender
ideias políticas, e de escolher seus representantes políticos”.
Por um único voto de diferença,
ficou decidido que a matéria é de competência do Poder Legislativo e que não
cabe a cortes federais julgar se determinado desenho é equitativo e
democrático.
REFERÊNCIAS:
LIVNI, Ephrat. The US Supreme Court says partisan
gerrymandering is not its problem. Quartz, 27 de junho de
2019. Disponível em:
<https://qz.com/1654248/us-supreme-court-says-gerrymandering-is-not-its-problem/>.
Acesso em: 1º jan. 2020.
MILLER, Jaelyn; HARRIS, Ariel E. Gerrymandering :
A Non-Justiciable Political Question. American
Bar Association, 26 de agosto de 2019. Disponível em:
<https://www.americanbar.org/groups/litigation/committees/woman-advocate/practice/2019/gerrymandering-a-non-justiciable-political-question/>.
Acesso em: 1º jan. 2020.
ROBSON, Ruthann. SCOTUS Finds Partisan Gerrymandering Non-Justiciable
Political Question. Constitutional Law
Prof Blog,
27 de junho de 2019. Disponível em:
<https://lawprofessors.typepad.com/conlaw/2019/06/scotus-finds-partisan-gerrymandering-non-justiciable-political-question.html>.
Acesso em: 1º jan. 2020.
SORONEN, Lisa. Supreme Court Holds Partisan Gerrymandering Claims May
Not be Litigated. The Council of State
Governments, 27 de junho de 2019. Disponível em: <https://knowledgecenter.csg.org/kc/content/supreme-court-holds-partisan-gerrymandering-claims-may-not-be-litigated>.
Acesso
em: 1º jan. 2020.
[1] Sobre o gerrymandering nos EUA discorri no meu
livro Direito Eleitoral Comparado –
Brasil, Estados Unidos, França (Saraiva, São Paulo, 2009), nas págs.
285-289, 293-205, 296-297 e 302.