Leia artigo publicado ontem no jornal Folha de S. Paulo
:
Conhecimento midiático é proteção
à democracia
No dia 30 de
agosto passado, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) anunciou seu Programa
de Enfrentamento à Desinformação com foco nas eleições de 2020, uma
iniciativa bastante aguardada diante da importância que a desinformação em
larga escala passou a ter através do uso das redes sociais e aplicativos
de mensagens instantâneas em eleições ao redor do planeta, incluindo a eleição
brasileira de 2018.
Onze dias
antes, a Agência Lupa de Checagem de Fatos, em parceria com o Instituto
Tecnologia e Equidade (IT&E) e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral
(MCCE), dava início ao primeiro de uma série de eventos em parceria com os
Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) do país. Começava por Porto Velho, em
Rondônia, uma caravana educativa que passou ainda por Amazonas, Pará, Espírito
Santo e Minas Gerais. Foram mais de 150 pessoas que participaram, de juízes a
mesários, de servidores públicos do Judiciário eleitoral a jornalistas
locais.
O
desafio é chegar até as eleições de outubro deste ano —uma das maiores do
planeta em termos de candidatos— havendo realizado encontros em todos os TREs
brasileiros. A intenção é fortalecer o intenso trabalho de combate à
desinformação em prol do próprio processo eleitoral, um dos pilares da
democracia, contra diversos ataques —daqueles que começam em insinuações sobre
a lisura do processo eleitoral e que partem dos próprios candidatos até
investidas orquestradas de grupos dispostos a tumultuar o processo com
insinuações de que urnas estão fraudadas ou zonas de votação não estão
funcionando.
Não é fenômeno novo, mas
com a adoção da desinformação como tática política dos mais diversos grupos do
espectro político partidário e ideológico e com o uso cada vez maior das redes
sociais como fonte de consumo de conteúdo, o problema ganhou em escala e
seriedade.
O Congresso tem caminhado
na direção da criminalização da prática de se criar e espalhar notícias falsas
nas redes. Trata-se de uma normatização complexa. Afinal, como distinguir as
empresas pagas para disseminar inverdades a respeito de pessoa ou instituição
daquela “tia do WhatsApp”, figura que reproduz um conteúdo
falso porque recebeu de “pessoa de confiança”, não possui educação midiática ou
simplesmente está assustada demais com tudo para discernir o que é certo do que
é errado?
As eleições
municipais de 2020 apresentam uma enorme complexidade em relação
à desinformação acelerada pelo uso de tecnologias, já que em grande parte dos
municípios brasileiros não existe uma mídia independente e, principalmente, com
capacidade de fazer frente a processos de desinformação em larga escala no
nível local.
Algumas das ações
possíveis para os estragos gerados por esses novos processos de desinformação
são: uma grande campanha nacional de sensibilização em relação ao consumo e
repasse de informação em período eleitoral; a construção de métricas e
ferramentas de acompanhamento e monitoramento do impacto da desinformação em
processos eleitorais; a preparação das grandes plataformas de tecnologia para
antecipar processos de “linchamentos virtuais” durante e fora do processo
eleitoral.
E o caminho que nós
acreditamos ser o mais frutífero e escolhemos para contribuir nessa empreitada
contra a desinformação é a educação. Queremos que cada cidadão seja um checador
preparado e pronto para agir, repassando conhecimentos e fatos, porque a
velocidade de proliferação da mentira é mais rápida que a capacidade de
checagem do que é verdade. Isso tem que ser freado.
Recente reportagem especial da CNN mostra o caso
extremamente bem-sucedido da Finlândia, cujo governo vem desde 2014 (há
cinco anos, portanto) espalhando entre estudantes, trabalhadores, servidores e,
em especial, jornalistas, conceitos que os ajudem a entender melhor a complexa
paisagem digital de hoje. As lições incluem como identificar imagens
manipuladas, como verificar informações fora de contexto, como checar dados,
como identificar robôs em perfis falsos e por aí vai.
O resultado é que a Finlândia é, hoje, o país com o
mais alto nível de educação midiática do mundo. De nossa parte, no caso
brasileiro, somos incansáveis na educação midiática e letramento digital.
Proteger as eleições da desinformação é também proteger a democracia.
Gilberto
Scofield Jr.
Jornalista e diretor de Estratégia e Negócios da
Agência Lupa
Luciano
Santos
Diretor-executivo do Movimento de Combate à
Corrupção Eleitoral
Ariel Kogan
Diretor do Instituto Tecnologia e Equidade