Leia
entrevista de Marlon Reis concedida a Jean-Philip Struck, da Deutsche Welle, e
publicada hoje no UOL:
Num lance do destino, uma lei sancionada pelo então
presidente Lula em 2010 agora arrisca tirar o petista das eleições
presidenciais de 2018. A Lei da Ficha Limpa prevê que candidatos condenados por
órgão colegiados (formados por mais de um juiz) não consigam se candidatar.
Na última quarta-feira (24), Lula passou a ser afetado
pelo mecanismo quando teve sua condenação por lavagem de dinheiro e corrupção
confirmada por três desembargadores do Tribunal Regional da 4° Região.
"Hoje, Lula é inelegível", afirma à DW
Brasil o ex-juiz eleitoral Márlon Reis, um dos idealizadores da lei e fundador
do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que colheu as assinaturas que
levaram o projeto original ao Congresso.
No entanto, afirma o ex-magistrado, Lula ainda
possui alguns recursos para tentar contornar a categorização como "ficha
suja" e tentar concorrer às eleições.
Uma brecha na lei permite que um candidato
condenado possa entrar com um pedido de liminar em uma instância superior para
tentar concorrer. No caso de Lula, isso deverá ocorrer junto ao Superior
Tribunal de Justiça (STJ).
Mas é totalmente imprevisível se Lula vai conseguir
essa liminar. No caso de obtê-la, sua defesa vai se defrontar com um problema
adicional: a concessão prevê que o próprio recurso contra a condenação passe a
tramitar de maneira acelerada. Dessa forma, se Lula insistir em ser candidato,
sua defesa pode atrair para o processo uma velocidade indesejada, perdendo a
oportunidade de protelar uma decisão final.
Confira
abaixo a entrevista com o ex-juiz Márlon Reis:
DW Brasil:
Com a condenação por um órgão colegiado, é possível afirmar que Lula já é um
"ficha suja"?
Márlon
Reis: Sim. Hoje Lula é
inelegível. Ele ainda tem um direito à defesa, mas não é preciso um pedido de
impugnação porque os fatos que já são de conhecimento da Justiça, eles podem de
ofício reconhecer, sem necessidade de o Ministério Público ou de algum
adversário entrar com o pedido.
Lula ainda pode entrar com o registro da
candidatura e conseguir um prazo para apresentar a sua defesa na Justiça
eleitoral, mas uma resposta sobre a decisão sobre ele ter sido enquadrado na
lei não iria demorar. É claro que nunca ocorreu de um ex-presidente que quer se
candidatar novamente ter seu caso analisado, mas nas zonas eleitorais e nos
tribunais regionais o processo de impugnação de candidatura costuma ser bem
rápido, ocorrendo em apenas algumas semanas.
O
presidente tem alguma chance de contornar a situação de "ficha suja"?
Alguns políticos conseguem concorrer mesmo após condenações.
Existem mecanismos que podem ser usados para
reverter essa decisão. Ele tem duas chances. A primeira é reverter o julgamento
já realizado nas instâncias superiores antes das eleições e ser absolvido. No
caso, se a tese da sua defesa for acolhida. A segunda é ele concorrer apoiado
em uma liminar. Isso, no entanto, não é automático, já que o pedido ainda teria
que ser analisado pela própria justiça criminal. No caso, o STJ decidirá se
deve conceder uma liminar para ele
concorrer ou não.
É possível
esperar algum cenário favorável ao ex-presidente no STJ?
É imprevisível. A lei estabelece que a concessão
dessa medida liminar só pode ocorrer após consideração pelo relator de que
existe uma probabilidade de mudança do resultado de um julgamento. Não é algo
automático. Não basta pedir a liminar para obtê-la. É preciso ter uma decisão
do relator e ainda cabem recursos internos no tribunal, no caso do Ministério
Público.
Além de ser difícil de imaginar que o próprio
âmbito da Justiça criminal vá conceder isso, ainda há outra grande dificuldade:
a lei da Ficha Limpa prevê que caso a liminar seja concedida, o processo ou
recurso criminal passa a ter prioridade de tramitação sobre todos os demais.
Então o Tribunal passa a ser obrigado a julgar tudo com celeridade, a julgar
esse caso à frente dos demais.
Esse é um risco que poucas vezes os advogados
criminalistas querem tomar. No caso criminal esse tipo de liminar é muito pouco
utilizada.
Se Lula
insistir em ser candidato, ele arrisca que sua defesa criminal tenha os prazos
reduzidos?
Isso acelera. Se ele simplesmente entrar com um
pedido normal para ter seu caso revisto, ele vai receber o mesmo tratamento nos
prazos dispensado a todos. No caso da liminar, se ele a pedir e a obtiver, seu
processo vai para cima da pilha. Assim ele pode acelerar o término do seu
processo e da sua situação jurídica.
Muitos
políticos que conseguem disputar eleições apoiados em liminares cometeram
muitas vezes crimes como impropriedade administrativa. Uma condenação por
lavagem de dinheiro e corrupção impõe mais dificuldades?
Esses crimes impõem uma dificuldade adicional por
serem matéria criminal e terem que ser analisados pelo STJ. Justamente por
causa dessas dificuldades extras na obtenção da liminar. É um risco que esses
candidatos com outros problemas não correm. A situação de Lula é bem mais
difícil do que a de um candidato que teve contas reprovadas por um tribunal de
contas, por exemplo. Poucos advogados querem que seus clientes corram esse
risco.
Na hipótese
de Lula conseguir obter a liminar e conseguir ser eleito? O que pode acontecer?
Além de aceleração do processo, o candidato que
concorre com base em uma liminar dessa natureza não tem garantia nenhuma de
nada. Não há garantia de registro ou de concessão do diploma. Caso ele seja eleito
e o julgamento do recurso ocorrer depois, com um resultado desfavorável, será
feita uma revogação de todos os atos eleitorais que contaram com a participação
do candidato. Novas eleições então teriam que ser realizadas.
Antes da lei da Ficha Limpa, condenados nessa
situação participavam pura e simplesmente, sem precisar marchar por todo esse
calvário. Eles simplesmente pediam a liminar e concorriam.
Diante
desse cenário todo, a lei da Ficha Limpa parece ser o grande obstáculo para
candidatura de Lula.
Não tenho a menor dúvida. Temos que lembrar que os
tribunais superiores no Brasil não vão mais julgar os fatos. Toda essa história
sobre provas, se havia prova ou não, os tribunais não vão mais julgar isso,
eles apenas analisam se a lei e a Constituição foram aplicadas corretamente ou
não. Então a análise dos fatos terminou no TRF-4. Isso mostra como a situação
se tornou mais complexa. É por isso que a Lei da Ficha Limpa usa como critério
a condenação por um órgão colegiado porque normalmente após o julgamento por um
colegiado a matéria sobre os fatos já se torna insuscetível de rediscussão, se
os fatos ocorreram ou não. É bem difícil a situação de Lula.
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