Leia matéria publicada em
13.08.2017 no Estadão:
Entidade de magistrados defende ‘pressão’ para permitir chapa de
não filiados a partidos; três PECs discutem a proposta e tema já chegou ao
STF
Por Ricardo
Galhardo, O Estado de S.Paulo
A União Nacional dos Juízes Federais (Unajuf)
deflagrou uma campanha em defesa de candidaturas avulsas ou independentes. O
objetivo é chegar a algumas centenas de processos para pressionar, por meio do
Judiciário, a adoção das chapas de não filiados a partidos políticos que
queiram disputar cargos eletivos.
Foram ajuizadas cinco ações em
diferentes Estados, somente na semana passada, com apoio da Unajuf. Além da
campanha da entidade, três propostas de emenda à Constituição (PECs) sobre o
tema tramitam lentamente no Congresso e um recurso pleiteando o direito à
candidatura avulsa já chegou ao Supremo Tribunal Federal.
“A ideia é criar uma pressão popular”, diz o presidente da Unajuf,
Eduardo Cubas. De acordo com ele, a campanha pretende romper o “monopólio” das
legendas e criar condições para que cidadãos sem filiação partidária que não se
sintam representados por alguma das 35 siglas em atividade no Brasil possam
participar dos processos eleitorais.
O advogado
Luiz Flavio Gomes, do Movimento Quero um Brasil Ético, lembra que o
descontentamento com agremiações políticas tem sido notado explicitamente nas
manifestações de rua desde junho de 2013. “Os partidos estão dominados pelos
caciques e a estrutura partidária no Brasil é medieval.”
Os defensores da ideia argumentam que 90%
das democracias mundiais permitem algum tipo de candidatura independente, seja
em caráter individual, seja por meio de listas cívicas. O exemplo mais citado é
o do banqueiro Emmanuel Macron, eleito presidente da França pelo movimento Em Marcha!,
hoje convertido em partido. Bulgária, Islândia e Croácia também são países
governados por candidatos independentes.
Direito internacional. As ações
propostas com apoio da Unajuf sustentam que já existe legislação no Brasil para
que a Justiça libere essas chapas. Alegam ainda que tratados internacionais
assinados pelo Brasil, como o Pacto de Nova York, de 1990, e o Pacto de São
José da Costa Rica, de 1969, teriam força de norma constitucional. Ambos
defendem o amplo direito à candidatura eleitoral sem citar a participação de
partidos.
O que tem prevalecido nos tribunais, porém,
é o texto do artigo 14 da Constituição que inclui a filiação partidária entre
as exigências para elegibilidade.
No início deste ano o tema chegou ao STF. O
advogado Rodrigo Mezzomo pleiteou em 2016 o direito de se candidatar à
prefeitura do Rio sem estar filiado. Ele perdeu em todas as instâncias e
interpôs recurso na Corte. O caso está nas mãos da ministra Cármen Lúcia
aguardando a escolha do relator.
Para o constitucionalista André Ramos
Tavares, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP),
além de não ter fundamentação jurídica, a campanha pelas candidaturas avulsas
pode atrapalhar ainda mais o caótico sistema político nacional.
Segundo ele, as candidaturas independentes
podem privilegiar os detentores de dinheiro (caso de Macron, na França) e
tornar ainda mais difícil a governabilidade. “A candidatura independente leva
ao nível mais baixo possível, que é o do individualismo. Ela simplesmente não
cabe no sistema brasileiro”, diz.
Congresso. Em outra frente,
existem três propostas em tramitação no Congresso para emendas à Constituição
apresentadas pelos senadores Paulo Paim (PT-RS) e Regufe (sem partido-DF) e
pelo deputado João Derly (Rede-RS). “Os políticos não querem mudar o sistema
pelo qual foram eleitos”, diz Regufe. A PEC de Derly prevê também a
possibilidade de criação de “listas cívicas”, nas quais os candidatos se
agrupariam em torno de propostas e não de partidos.
Um dos defensores da proposta é o ex-juiz
Márlon Reis, idealizador da Lei da Ficha Limpa que, no ano passado, abandonou a
magistratura e pretende disputar o governo do Tocantins pela Rede em 2018. “Eu
também era contrário à candidatura independente, mas mudei de ideia. Hoje
existem movimentos fora dos partidos que são impedidos de disputar. São novas
formas organização política que ficam à margem”, diz.
Marina Silva, Fernando Henrique Cardoso e o
ex-ministro do STF Joaquim Barbosa já deram declarações simpáticas à ideia.
Hoje os movimentos que desejam disputar eleições têm de se abrigar em partidos.
O caso mais conhecido é o de Áurea Carolina, vereadora mais votada em 2014 em
Belo Horizonte, apoiada pelo movimento Muitas – Pela Cidade que Queremos, mas
que precisou se filiar ao PSOL.