Leia
matéria publicada em 20/12/15 no site do jornal Estado de Minas :
Por Juliana Cipriani /Estado de Minas
Lei
brasileira é questionada por ex-prefeito barrado nas eleições de 2012 por já
ter sido condenado em caso de desvio de recursos públicos
Criada em 2010 graças a uma grande mobilização popular para barrar as
candidaturas de políticos condenados pela Justiça, a Lei da Ficha Limpa está
sendo questionada na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização
dos Estados Americanos (OEA) por sua “retroatividade maligna”. O argumento é
que a regra violaria direitos previstos no Pacto de São José da Costa Rica, do
qual o Brasil é signatário, como o de disputar eleições sem restrições
indevidas. Se a ação prosperar, os sentenciados antes de a Lei Complementar
135/2010 entrar em vigor podem ficar livres de impedimentos para disputar
cargos eletivos.
A ação partiu de um ex-prefeito do interior de Santa Catarina.
Depois de recorrer até ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar mais um
mandato em Campo Erê, Odilson Vicente de Lima, que concorreu pelo PR em 2012,
entrou com uma petição na corte internacional. Ele havia sido condenado em 2004
por desvio de recursos da prefeitura cometidos entre novembro de 1994 e maio de
1995. Chegou a conquistar mais um mandato em 2008, mas foi barrado em 2012 com
base na mudança na lei das inelegibilidades em 2010.
Segundo o advogado Marcelo Peregrino Ferreira, um dos que assinam a ação
do ex-prefeito, por ser signatário da convenção americana de direitos humanos,
o Brasil precisa observar sua jurisprudência. “Ele foi impedido com base em uma
decisão precária. Ainda que hoje obtenha uma vitória no STF, não conseguirá
retornar ao cargo para o qual foi eleito com mais de 70% dos votos porque o
processo eleitoral chegou ao fim”, argumenta. O advogado alega que o que levou
à perda dos direitos políticos do cliente foi uma condenação cujo crime já está
prescrito.
É a primeira vez que a lei brasileira está sendo discutida na OEA. Os
advogados pedem uma liminar para que Odilson possa assumir imediatamente a
Prefeitura de Campo Erê e receber todos os salários retroativos, inclusive
férias, além de uma indenização por danos morais e do reconhecimento da
violação dos seus direitos. “O que estamos discutindo é a retroatividade da
lei, é uma lei que vai ao passado e fere a segurança jurídica e toda a
jurisprudência da Corte Interamericana”, diz o advogado.
Sem efeito Cofundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral
(MCCE) e um dos responsáveis pela mobilização do Ficha Limpa, o juiz Marlon
Reis acredita que a ação não terá efeito sobre a legislação. “Esses advogados
estão pecando em uma questão básica para o direito eleitoral, que é o fato de a
inelegibilidade não constituir pena. É, na verdade, uma condição para a
candidatura, portanto, não se trata de aplicar efeito retroativo, a norma do
fato pretérito se refere a penas”, afirmou. De acordo com Reis, o que houve foi
que, em 2010, as condições para concorrer a cargos eletivos se tornaram mais
rígidas.
O juiz disse que a questão da retroatividade da Ficha Limpa já foi
levada ao STF e rechaçada pela maioria dos ministros, que consideraram que
inelegibilidade não é pena. Para Marlon Reis, é “impossível” que a norma sofra
um revés. “É risco zero. Como imaginar que alguém que desviou verbas e foi
condenado por improbidade tenha direitos humanos a defender em uma corte contra
eleitores que foram privados de direitos humanos por deixar de receber esse
recurso?”, questionou. Marlon Reis afirmou estar feliz por o assunto ter ido
parar na OEA, já que, para ele, isso vai criar uma jurisprudência internacional
e ajudar a disseminar a Lei da Ficha Limpa pelo mundo.